Revolta de
Pindjiguite marca o início da jornada revolucionária da segunda metade do
século XX que culminou com a justa proclamação da nossa independência. A
sublevação levada acabo pelos estivadores de porto de Pindjiguite mostrava
claramente ao poder colonial, que o sistema já tem dias contados e este acto de
coragem era um motim, pelo qual, vai alicerçar último reduto contra a ocupação
portuguesa no território guineense. Para desviar atenção e invisibilizar esse
acto, Portugal o denominou de “massacre”: é este termo que constitui minha preocupação.
A Revolução de
Pindjigute começara quando os principais estabelecimentos comerciais da
Guiné-Portuguesa, em particular, a Casa Gouveia (CUF), a NOSOCO, a Eduardo
Guedes, a Ultramarina e a Barbosas & Comandita, depois de uma longa
reivindicação de seus funcionários, essas casas estabeleceram um acordo entre
si para aumentar os salários. Ao contrário, a Casa Gouveia não cumpriu com o
acordado. Passados meses, os marinheiros foram ter com o subgerente da Casa
Gouveia, o cabo-verdiano, António Carreira, que os atendeu sem satisfazer as
suas reivindicações.
Em jeito de resposta, os trabalhadores decidiram não
comparecer à estiva a 3 de agosto, continuando suas exigências no cais.
Reunidos no
porto de Pindjiguitepor volta das 2 horas da tarde, do dia 3 de agosto de 1959,
os grevistas põem o plano em funcionamento. Segundo o relatório do
tenente-coronel Luís Alberto Filipe Rodrigues, “um dos líderes da manifestação,
começa a expressar em manjaco. Proferiu umas palavras em voz alta e provocou a
aproximação dos companheiros no interior das oficinas navais”.Num depoimento,
Mário Dias, recruta da tropa portuguesa na altura, afirma que “Nessa tarde,
aproveitando a presença do gerente da Casa Gouveia no local, marinheiros e
descarregadores reclamaram pelo aumento de salário. Casa Gouveia nada fez. As
coisas começaram azedar. Chamou-se a polícia. Um subchefe que para lá se dirigiu,
foi agredido com um remo na cabeça. Entretanto, o comandante-militar,
tenente-coronel Luís Alberto Filipe Rodrigues, chegado ao local, inteirou-se da
situação e ao ver aquele grupo “armado” de remos, paus etc., a marchar
agressivamente em direção à Casa Gouveia, deu ordens aos polícias para
dispararem por ser a única forma de os deter”. Foram esses disparos que ceifaram
vidas desses marinheiros.
Dentro desse
acontecimento, um facto curioso e menos visibilizado, tem que a ver com a
presença de mulheres depois da Revolta. Segundo Daniel dos Santos, no seu livro,
“Amílcar Cabral: Um outro olhar”, no dia seguinte ao da greve, uma multidão,
essencialmente composta de mulheres, dirigiu-se ao palácio do governador a fim
de obter deste o aval para a retirada dos corpos e consequentemente, a
realização de cerimónias culturais para o inteiro de seus ente queridos: o
pedido foi, de pronto, concedido.Podemos comparar este actode coragem de
mulheres guineenses com a tomada do palácio real de Versalhes pelas mulheres
parisienses durante a revolução francesa de 1789. Estes actos recebem menos
atenção no tratamento de informações sobre essas revoluções. Quanto ao número
exato dos mortos, está longe de ser consensual. Para o Comando Militar da
Guiné, foram 7 mortos e cerca de 20 feridos e 20 prisioneiros.
O PAIGC, em 1960,
falava em 50 mortos. No mesmo ano, numa carta enviada à Lúcio Lara, do MPLA,
Amílcar Cabral falou em 24 mortos e a 35 feridos.
Entretanto,
findo esse apanhado histórico, minha preocupação aqui é sobre o termo “massacre”.
Segundo o filosofo ganês, MolefeKeteAssanteque defende sempre que o processo
colonial não foi simplesmente “colonizar as terras, mas também, informações”. Põe nos em reflexão que, lugar onde passavam
os colonizadores, eles faziam de tudo para fazer do espaço uma tabua rasa, como
forma de poder justificar suas políticas de civilizar os outros. Neste sentido,
tratar uma ação de tamanha coragem, levada acabo por
pessoas instruídas na época como um simples desastre, é mais uma forma de fazer
dessa Revolução de uma tabua rasa. À meu ver, o termo oculta o valor ideológico
da ação; a tamanha coragem de enfrentar o poder hostil colonial; a capacidade
organizacional dos grevistase entre outros valores sindicais que orientam a
classe proletária.Relegando o acontecimento a um simples desacato que se
desembocou em massacre.
É óbvio, que não
há nenhuma revolução (se houver, são poucas) sem massacre, mas o termo “massacre”
não deve ser a única bandeira hasteada sobre uma Revolução que abriu portas
para independência do país.À esse respeito, pergunto: alguém ouviu se chamar de
“Massacre Francesa de 1789”? Ou “Massacre de Cravos de 1974”? É certo que em
todos esses acontecimentos, centenas de pessoas foram dizimadas, mas eles
(ocidentais) só olham para o resultado desses acontecimentos. E nós...
guineenses, porque não mudar o termo “massacre de Pindjiguite” para Revolta de
Pindjiguite de 1959?
Importa sublinhar
que minha intenção não é de desmerecer vidas perdidas, mas sim, puxar essa
reflexão e mostrar que o termo “massacre” não consegue dar conta do verdadeiro
sentido da manifestação, porque os revolucionários estavam cientes da realidade
cruel da época; eles planejaram e previam que a greve pode custar vidas, mas decidiram
em não conformar com a exploração de homem para homens.Do outro lado, por mais
incrível que pareça, Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa,
Constantino Teixeira, Rui Djassi e Inocêncio Kani, estavam presentes durante a
manifestação enquanto soldados do exército português. O que não se sabe, é se
eles participaram diretamente nos disparos ou não. Mas, o que se pode concluir
desses destacados combatentes e dirigentes do PAIGC, é que a Revolução de
Pindjiguite de 1959 os fizeram abandonar o exército português para ingressar na
fileira do PAIGC.
Em suma, ao que
se pode concluir, é que: a Revolta de Pindjiguite de 1959, serviu para
politizar a situação colonial; influenciou, sobremaneira, a consciência
política dos guineenses; fê-los ganhar a convicção de que, de facto, tinha
chegado a hora de lutar pela independência, fossem quais fossem os custos a
suportar. Este acto de coragem marcou também o momento de viragem do
nacionalismo guineense e constitui, neste contexto, o ponto de partida diante do
qual não se admitia qualquer inversão na marcha anticolonial.
Por: Neemias
António Nanque
SFC, 03/08/2018.
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