sexta-feira, 3 de agosto de 2018

«OPINIÃO»"REVOLTA DE PINDJIGUITE DE 1959: OUTRAS INTERPRETAÇÕES POSSÍVEIS" - NEEMIAS ANTÓNIO NANQUE

Revolta de Pindjiguite marca o início da jornada revolucionária da segunda metade do século XX que culminou com a justa proclamação da nossa independência. A sublevação levada acabo pelos estivadores de porto de Pindjiguite mostrava claramente ao poder colonial, que o sistema já tem dias contados e este acto de coragem era um motim, pelo qual, vai alicerçar último reduto contra a ocupação portuguesa no território guineense. Para desviar atenção e invisibilizar esse acto, Portugal o denominou de “massacre”: é este termo que constitui minha preocupação.

A Revolução de Pindjigute começara quando os principais estabelecimentos comerciais da Guiné-Portuguesa, em particular, a Casa Gouveia (CUF), a NOSOCO, a Eduardo Guedes, a Ultramarina e a Barbosas & Comandita, depois de uma longa reivindicação de seus funcionários, essas casas estabeleceram um acordo entre si para aumentar os salários. Ao contrário, a Casa Gouveia não cumpriu com o acordado. Passados meses, os marinheiros foram ter com o subgerente da Casa Gouveia, o cabo-verdiano, António Carreira, que os atendeu sem satisfazer as suas reivindicações. 

Em jeito de resposta, os trabalhadores decidiram não comparecer à estiva a 3 de agosto, continuando suas exigências no cais.

Reunidos no porto de Pindjiguitepor volta das 2 horas da tarde, do dia 3 de agosto de 1959, os grevistas põem o plano em funcionamento. Segundo o relatório do tenente-coronel Luís Alberto Filipe Rodrigues, “um dos líderes da manifestação, começa a expressar em manjaco. Proferiu umas palavras em voz alta e provocou a aproximação dos companheiros no interior das oficinas navais”.Num depoimento, Mário Dias, recruta da tropa portuguesa na altura, afirma que “Nessa tarde, aproveitando a presença do gerente da Casa Gouveia no local, marinheiros e descarregadores reclamaram pelo aumento de salário. Casa Gouveia nada fez. As coisas começaram azedar. Chamou-se a polícia. Um subchefe que para lá se dirigiu, foi agredido com um remo na cabeça. Entretanto, o comandante-militar, tenente-coronel Luís Alberto Filipe Rodrigues, chegado ao local, inteirou-se da situação e ao ver aquele grupo “armado” de remos, paus etc., a marchar agressivamente em direção à Casa Gouveia, deu ordens aos polícias para dispararem por ser a única forma de os deter”. Foram esses disparos que ceifaram vidas desses marinheiros.

Dentro desse acontecimento, um facto curioso e menos visibilizado, tem que a ver com a presença de mulheres depois da Revolta. Segundo Daniel dos Santos, no seu livro, “Amílcar Cabral: Um outro olhar”, no dia seguinte ao da greve, uma multidão, essencialmente composta de mulheres, dirigiu-se ao palácio do governador a fim de obter deste o aval para a retirada dos corpos e consequentemente, a realização de cerimónias culturais para o inteiro de seus ente queridos: o pedido foi, de pronto, concedido.Podemos comparar este actode coragem de mulheres guineenses com a tomada do palácio real de Versalhes pelas mulheres parisienses durante a revolução francesa de 1789. Estes actos recebem menos atenção no tratamento de informações sobre essas revoluções. Quanto ao número exato dos mortos, está longe de ser consensual. Para o Comando Militar da Guiné, foram 7 mortos e cerca de 20 feridos e 20 prisioneiros. 

O PAIGC, em 1960, falava em 50 mortos. No mesmo ano, numa carta enviada à Lúcio Lara, do MPLA, Amílcar Cabral falou em 24 mortos e a 35 feridos.

Entretanto, findo esse apanhado histórico, minha preocupação aqui é sobre o termo “massacre”. Segundo o filosofo ganês, MolefeKeteAssanteque defende sempre que o processo colonial não foi simplesmente “colonizar as terras, mas também, informações”.  Põe nos em reflexão que, lugar onde passavam os colonizadores, eles faziam de tudo para fazer do espaço uma tabua rasa, como forma de poder justificar suas políticas de civilizar os outros. Neste sentido, tratar uma ação de tamanha coragem, levada acabo por pessoas instruídas na época como um simples desastre, é mais uma forma de fazer dessa Revolução de uma tabua rasa. À meu ver, o termo oculta o valor ideológico da ação; a tamanha coragem de enfrentar o poder hostil colonial; a capacidade organizacional dos grevistase entre outros valores sindicais que orientam a classe proletária.Relegando o acontecimento a um simples desacato que se desembocou em massacre.

É óbvio, que não há nenhuma revolução (se houver, são poucas) sem massacre, mas o termo “massacre” não deve ser a única bandeira hasteada sobre uma Revolução que abriu portas para independência do país.À esse respeito, pergunto: alguém ouviu se chamar de “Massacre Francesa de 1789”? Ou “Massacre de Cravos de 1974”? É certo que em todos esses acontecimentos, centenas de pessoas foram dizimadas, mas eles (ocidentais) só olham para o resultado desses acontecimentos. E nós... guineenses, porque não mudar o termo “massacre de Pindjiguite” para Revolta de Pindjiguite de 1959?

Importa sublinhar que minha intenção não é de desmerecer vidas perdidas, mas sim, puxar essa reflexão e mostrar que o termo “massacre” não consegue dar conta do verdadeiro sentido da manifestação, porque os revolucionários estavam cientes da realidade cruel da época; eles planejaram e previam que a greve pode custar vidas, mas decidiram em não conformar com a exploração de homem para homens.Do outro lado, por mais incrível que pareça, Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa, Constantino Teixeira, Rui Djassi e Inocêncio Kani, estavam presentes durante a manifestação enquanto soldados do exército português. O que não se sabe, é se eles participaram diretamente nos disparos ou não. Mas, o que se pode concluir desses destacados combatentes e dirigentes do PAIGC, é que a Revolução de Pindjiguite de 1959 os fizeram abandonar o exército português para ingressar na fileira do PAIGC.

Em suma, ao que se pode concluir, é que: a Revolta de Pindjiguite de 1959, serviu para politizar a situação colonial; influenciou, sobremaneira, a consciência política dos guineenses; fê-los ganhar a convicção de que, de facto, tinha chegado a hora de lutar pela independência, fossem quais fossem os custos a suportar. Este acto de coragem marcou também o momento de viragem do nacionalismo guineense e constitui, neste contexto, o ponto de partida diante do qual não se admitia qualquer inversão na marcha anticolonial.

Por: Neemias António Nanque
SFC, 03/08/2018.


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