Protesto defronte do Parlamento português esta quinta-feira (12.02)
Moradores da Cova da Moura, na periferia de Lisboa, saíram esta quinta-feira à rua para protestar contra a repressão policial. Dizem-se cansados da "forma preconceituosa" como a polícia portuguesa trata cidadãos negros.
A população residente na Cova da Moura, no concelho da Amadora, está indignada com a atuação da Polícia de Segurança Pública (PSP), que continua a praticar atos de violência e discriminação racial durante as patrulhas que faz àquele bairro da periferia de Lisboa, habitado na sua maioria por imigrantes de origem africana.
O mais recente episódio ocorreu na quinta-feira da semana passada (05.02), na esquadra da PSP de Alfragide. Cinco habitantes da Cova da Moura foram detidos quando, segundo dizem, tentavam obter informações sobre um jovem, habitante no mesmo bairro, que tinha sido preso nessa tarde. De acordo com a versão da polícia, o jovem terá atirado uma pedra contra uma carrinha policial.
Segundo relatos de jovens, os moradores, alguns deles ativistas defensores da tolerância e da não-violência, foram espancados naquela esquadra, sendo depois assistidos no hospital local.
Para reclamar justiça, apuramento de responsabilidades e respeito pela dignidade, muitos habitantes do subúrbio realizaram esta quinta-feira (12.02) uma manifestação pacífica em frente à Assembleia da República, em Lisboa.
"Atuação desumana" da polícia
Jakilson Pereira, um dos dirigentes da Associação Cultural "Moinho da Juventude", na Cova da Moura, presenciou o ocorrido na semana passada. A "atuação desumana" da polícia é preocupante e reflete claramente uma atitude racista, disse à DW África.
"São acontecimentos bastantes graves porque incluem um problema de racismo, um ódio racial muito forte, que levou à violência extrema contra algumas pessoas." Por isso, defende que "é preciso tomar medidas para um problema que já se arrasta há muitos anos."
Jakilson Pereira, que trabalha na área social, lembra que o Código Penal português não permite a tortura e lamenta que a polícia nunca tenha sido condenada pelos seus atos quando matou jovens negros. "Os agentes intimidam os residentes. Às vezes, para pedir uma identificação, encostam-te uma caçadeira ao peito", afirma.
O dirigente não quer que os jovens da comunidade cheguem a "um ponto de esgotamento de todas as soluções", sublinha. "Trabalhamos diariamente para mudar a vida desses jovens e não queremos que o nosso trabalho fique comprometido por alguém que simplesmente veio implantar esse ódio. Ninguém quer que a polícia deixe de vir aqui e ninguém quer interferir no trabalho da polícia. Essa violência tem de parar."
Mamadou Ba, da SOS Racismo
"Comportamento injustificado"
Mamadou Mba, dirigente da SOS Racismo, também denuncia o "comportamento injustificado" dos agentes policiais nos bairros habitados por negros. "A área metropolitana de Lisboa é a única área do país onde há bairros periféricos, mas a atuação da polícia pública em Portugal, uma actuação violenta, só se verifica nos bairros da área metropolitana de Lisboa. É um facto", argumenta o ativista.
Das dezenas de jovens mortos nos últimos dez anos por atuação arbitrária e abusiva da polícia, metade é de ascendência africana, acrescenta Mamadou Mba. Daí a manifestação pacífica, reforça o dirigente associativo.
O protesto também pretendia desafiar os partidos com assento parlamentar "para que definitivamente se perceba que não é aceitável que as forças de segurança que têm a incumbência de atuar em casos excepcionais atuem de forma permanente nos bairros periféricos onde residem negros. E sobretudo que o façam de uma forma racista". Por isso, sublinha, é importante definir "políticas que possam pôr cobro a isto".
Por outro lado, Mamadou Mba critica o posicionamento de alguns órgãos de comunicação social em Portugal, que a seu ver têm tentado criar uma narrativa contra os factos, estigmatizando os jovens negros, alguns da associação "Moinho da Juventude", a quem chamaram de "bando de vândalos".
Apelo ao Governo
Mamadou Mba e Jakilson Pereira apelam ao Governo português para tomar medidas para travar as agressões nos chamados bairros problemáticos, onde são violados sistematicamente os direitos humanos.
As associações exigem justiça, querem que os autores da tortura contra os jovens sejam responsabilizados e que o julgamento dos factos não seja levado a cabo com base em "mitos do passado" criados sobre o bairro.
Várias associações e organizações não-governamentais, como o Observatório do Controlo e da Repressão, que acompanharam os acontecimentos na Cova da Moura, também exortam as instituições do Estado a obedecerem aos princípios de respeito pelos direitos humanos.
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