Avancemos,
juntemos as nossas energias para libertar a descrença que nos ofusca a alma e
gritemos bem alto que é hora de caminharmos de mãos dadas rumo ao progresso e ao
desenvolvimento da nação. E caminharmos de mãos dadas significa estarmos todos
juntos, todo o povo da Guiné Bissau, que inclui uma larga diáspora de
guineenses além-mundo e que hoje, através das redes em que estão inseridos,
representam de forma indispensável a nação na comunidade internacional.
Tenho lido
algumas reflexões, análises políticas, comentários e observações sobre a
situação política atual no que se refere à concertação estratégica entre os
órgãos de soberania e apraz-me, a propósito, tecer algumas considerações. Porém,
antes de mais, seja-me permitido partilhar um sentimento que me extravasa a alma
e me impele para uma reflexão sobre o posicionamento do cidadão comum e sua
participação na esfera política, bem como na discussão dos reais problemas em
que se assenta o edifício da democracia e, consequentemente, o estado da Nação.
Afirmava eu,
em tempos, que não faria questão de trazer para o debate público manifestação
de estados de alma e de preocupações que me levaram a assumir determinadas posições,
às vezes radicais, junto de algumas instituições internacionais, sobre o
processo em que o nosso país se encontrava na sequência da suspensão das relações
de cooperação motivada pela interrupção da ordem constitucional. Partilho essa
preocupação por um dever moral e, também, pelo facto de não suportar a privação
de consciência que, na verdade, se trata da “prisão sem grades” mais letal com que
um ser humano se pode confrontar. Aliás, trago este assunto aqui por entender
que os exemplos do passado não abonam em nada o princípio de uma cooperação
estreita com os nossos parceiros, porquanto entenderem que os sucessivos
problemas institucionais deixarão dúvidas e estigmas nas relações com tais entidades,
francamente indispensáveis ao desenvolvimento da Guiné-Bissau.
Apresentarei,
pois, exemplos de situações com que me deparei, durante o período sabático de
quebra de relações de cooperação com alguns parceiros da Guiné-Bissau, em variadíssimas
reuniões ocorridas, na tentativa de alertar essas mesmas entidades que o povo e
o país não deveriam ser esquecidos pela comunidade internacional. Porém, durante
esse período, tive a oportunidade de me reunir, por iniciativa própria, às
vezes sozinho ou acompanhado, com várias individualidades, entidades oficiais e
internacionais, para falar sobre o processo da Guiné-Bissau. Estas iniciativas
incluíram também o envio de mails e troca
de variadíssimas correspondências sobre o assunto. Resumidamente, em tais encontros,
as conclusões foram praticamente no mesmo sentido. Ou seja, cito, como exemplo (…) “acompanhamos com muita atenção e
preocupação o processo de reflexão sobre o futuro da Guiné-Bissau e do seu povo.
Infelizmente, não se pode reativar quaisquer relações sem uma definição clara
por parte dos seus agentes e responsáveis da situação política, democrática e
estabilidade necessárias para o arranque da cooperação” (…). E mais! (…) “fazemos votos que corra tudo bem, esta
é uma tarefa hercúlea que requer persistência e vontade do povo guineense” (…).
Nada mais, apenas boa vontade demonstrada, nada a acrescentar.
Na verdade,
em 41 anos de história como cidadão de um país que se tornou independente, após
uma luta armada gloriosa, em que muitos combatentes sacrificaram as suas vidas
pela liberdade de eu estar aqui hoje a escrever, é triste e lamentável constatar
esse facto. Porém, não tomei como definitivo o posicionamento das instituições
sem antes dar o meu ponto de vista e argumentar em sede da defesa da pátria, que
é a obrigação de qualquer cidadão, aliás, ninguém precisa de ter mandato outorgado
para cumprir esse dever de cidadania.
No entanto,
apercebi-me que somos NÓS,
antes de mais NÓS, o povo guineense, que temos o dever e a obrigação de equacionar
os nossos problemas a fim de figurarmos definitivamente como partes da solução
dos problemas com que o nosso país tem vindo a debater-se, de modo recorrente,
nos seus quase 41 anos de existência como Estado independente, requerendo de
NÓS, por isso mesmo, uma união fraterna, com vista a ambicionada mudança de
paradigma e, a identificação, tanto quanto possível, das vias promissoras que o
país merece. Defendo essa tese, mais ainda porque constato que parceiro algum procurará
ir ao encontro da Guiné-Bissau caso persistirmos na manutenção do risco de
adiamento da nação e das reformas políticas e públicas que se pretendem urgentemente.
Sempre assumi
que o país percorre o caminho do desenvolvimento apenas com a estabilidade
política, governativa e sentido de Estado, numa ampla estratégia de concertação
entre os Órgãos de Soberania. Aliás, esse desenvolvimento é desejável e só alcançável
com a responsabilidade e competência dos seus atores e, elevada cultura de
Estado, numa ótica de participação através de uma equipa coesa, responsável e
capaz, com energia e vontade de vincar no processo de desenvolvimento. É desígnio
de todos os órgãos de soberania defesa dos interesses do povo.
Em boa
verdade, as eleições gerais de 2014 reacenderam o espírito patriótico que “quase”
se havia extinguido do coração dos guineenses, assumindo-se como uma
oportunidade de afirmação da nação. Creio que assim será, não há como travar
esse ímpeto vitorioso, pois o povo votou e fez a sua escolha recair na elite
que pretende ser o exemplo e referência, com especial enfoque, para a sua
juventude que, através dela, projetará as suas ambições e o desejo de um país com
futuro e de oportunidades para todos.
Depois das eleições
tive a oportunidade de regressar à pátria-mãe para me inteirar da retoma democrática
e estar junto dos intervenientes no processo. Reúne-me com o Primeiro-Ministro
de Transição, também, com um Alto Membro da estrutura Militar, com o atual
Primeiro-Ministro (antes da sua tomada de posse), com o Presidente da Assembleia
Nacional Popular, com organismos internacionais, caso do Embaixador Delegado da
União Europeia na Guiné-Bissau e do Deputado do Parlamento Britânico para os
assuntos da Guiné-Bissau. Não tive o privilégio e a honra de me reunir com o
Presidente da República por, na altura, não se encontrar no País, em virtude da
sua apertada agenda no âmbito dos contactos para a retoma da cooperação com os
parceiros internacionais, e que tão relevantes frutos trouxe para a nossa
terra, graças à Magistratura de influência exercida por S. Exa. junto dos
parceiros regionais.
Em todas
essas reuniões havia uma preocupação latente: unidade, coesão e urgência no
estabelecimento das prioridades para o arranque do país, bem como reorganização
do aparelho do Estado e resolução do programa de urgência e concertação com os
parceiros internacionais.
Mais tarde, a
convite, tão só, da Assembleia Nacional Popular e, também, da Região de
Quinara, atendendo à minha experiência em administração e políticas públicas, desenvolvimento
regional e local, gestão de projetos e financiamentos, fui convidado e
mandatado publicamente por essas duas entidades para apresentar ideias, projetos,
parcerias e geminações, bem como soluções de financiamento, conforme descrevo
no meu recente livro sobre a “Reinvenção
da Governabilidade e Equilíbrio de poder na Guiné-Bissau”, algo que fiz com
muito gosto, responsabilidade e sentido de Estado. É inquestionável o potencial
contributivo e o importante papel que a diáspora pode e deve ter no devir da
Guiné-Bissau, devendo dar o seu contributo de forma séria e responsável, não precisando
para o efeito de tomar parte de qualquer estrutura do Estado ou de ser
remunerado para esse fim. Saliento o facto de que todo o trabalho foi
desenvolvido a título totalmente gratuito, sem quaisquer encargos ou custos
para o erário público. Ao governo, que na altura não era governo, pois ainda não
tinha sido constituído, sugeri, tal como muitos compatriotas nossos, várias
ideias de projetos, que espero um dia ver implementados com sucesso na minha
terra, contribuindo para o desenvolvimento do povo da Guiné-Bissau. Tais
projetos constam do livro atrás citado.
Na verdade sou
otimista por natureza e não entrego de bandeja as minhas convicções e certezas,
confesso que hoje vejo as coisas a acontecerem, a evoluírem; existe um
engajamento por parte das autoridades nacionais; uma aproximação cada vez mais
estreita dos parceiros da Guiné-Bissau; um documento com a visão estratégica para
o país, que aliás se pretende discutir com os organismos doadores, incluindo a
comunidade internacional; um Presidente da República atento e preocupado, que
alerta para as questões da justiça e do combate à corrução, que apela para o debate
e participação cívica; um Presidente da ANP que fala na questão da revisão
constitucional e de criação da comissão nacional para consolidação da Paz na
Guiné-Bissau, que fala ainda em ter mais presente os parlamentares na discussão
dos assuntos estratégicos do país; um Primeiro-Ministro preocupado em fazer uma
arquitetura institucional que seja singular e próprio da dimensão do país; um Povo
com vontade de ver a sua pátria a caminhar rumo ao desenvolvimento; resta-me
dizer apenas o seguinte: AVANCEMOS, JUNTEMOS AS NOSSAS ENERGIAS PARA LIBERTAR A
DESCRENÇA QUE NOS OFUSCA A ALMA.
Porventura
muitos dir-me-ão que as coisas não são bem assim, que existe um poder paradoxal
que impele os homens no sentido contrário à sua vontade, que o próprio sentido
de poder torna embriagante quem a detém. A esses dir-lhes-ei: de passados conturbados
estamos cansados, resta-nos apenas unir as forças, criar consensos, “Nô Miti Mon Na Lama” como nos diz o PR e
levar o barco a bom porto. É isso que esperamos dos nossos dirigentes,
governantes e políticos, cada um contribuindo à sua maneira e de forma positiva.
A luta política deve existir sem dúvida, é importante que exista mas com concertação
e procura do melhor caminho para a pátria. É este o nosso futuro comum. É este
o caminho para o desenvolvimento do povo da Guiné-Bissau.
Lisboa, 19 de fevereiro de 2015.
Luís Vicente
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