quinta-feira, 10 de julho de 2025

Estreia em França de filme "O riso e a faca" rodado na Guiné-Bissau, de Pedro Pinho• RFI Português

Actores Jonathan Guilherme, Cleo Diára e Sérgio Coragem do filme "O riso e a faca" com o realizador Pedro Pinho (de camisa amarela) em Montreuil a 8 de Julho de 2025. © rfi/Miguel Martins

A longa metragem "O riso e a faca" do português Pedro Pinho estreou nesta quarta-feira em França. O filme que na secção "Un certain regard" do Festival de cinema de Cannes, em Maio passado, tinha obtido o prémio de melhor actriz para a luso cabo-verdiana Cleo Diára. A obra, filmada essencialmente na Guiné-Bissau, conta o percurso de Sérgio, jovem engenheiro ambientalista português, que vem trabalhar no projecto de uma estrada a ligar o deserto à floresta.

Sérgio vai envolver-se num triângulo amoroso com dois habitantes, e fica apreensivo ao se aperceber de que o seu antecessor tinha desaparecido misteriosamente.

A equipa deslocou-se a França para esta estreia.

Falámos com os actores Jonathan Guilherme, do Brasil, Sérgio Coragem, o protagonista, de Portugal, e Cleo Diára, luso cabo-verdiana, bem como com o realizador luso Pedro Pinho, à margem de uma ante estreia na região de Paris.

Este começa por se referir à importância desta primeira estreia, fora do circuito do Festival de Cannes.

Pedro Pinho: Esta é a primeira estreia. A seguir a Cannes. Ou seja, é o primeiro território, o primeiro país onde vamos estrear o filme em sala, comercialmente. E até agora está a correr muito bem. A reacção da crítica é maravilhosa. Temos tido uma presença muito boa em tudo o que são canais de comunicação, jornais. É graças à Meteore que são parceiros desde há muito tempo. Mathieu e Simon são os distribuidores franceses. Temos uma estreia em 9 salas em Paris e 65, 66 salas em toda a França. Portanto, há muitas possibilidades para toda a gente vir ver o filme. É um filme que diz muito a toda a gente, mas que eu acho que é especialmente apelativo a toda a gente que partilha esta língua nossa comum, pelo menos dos actores que estão aqui presentes, que é o português. E portanto, convidamos a vir, a vir ver o filme e depois, eventualmente, partilhar connosco essas impressões. E pelas redes sociais e por aí fora.
O riso e a faca estreou na mostra Un certain regard do Festival de cinema de Cannes e agora chega aos cinemas franceses. © Festival de cinéma de Cannes 2025

Jonathan Guilherme, você veio da América do Sul, do Brasil, atravessou o Atlântico para ir até à Guiné-Bissau. Como é que foi esta primeira experiência africana, com este elenco sob a batuta do Pedro Pinho?

Jonathan Guilheme: Uau! Foi muito especial. Tem sido muito especial, muito interessante, porque eu nunca imaginei que eu conseguiria estar onde eu estive na Guiné-Bissau e conhecer pessoas com quem eu tenho partilhado essa trajectória. O Sérgio Coragem, a Cleo Diára. Foi um encontro muito bonito, que já começou em Portugal, porque ali a gente começou fazendo nosso laboratório dos actores. E aí logo eu fui para Bissau passar 15 dias. E esses primeiros 15 dias aí eu conheci a Marcelina, que também tá no filme. Ali eu conheci o Cleiton, conheci todo aquele núcleo que tá muito partilhado comigo no filme. E foi ancestral. Acho que a palavra que define muito isso é o encontro de ancestralidade. Acho que ali a gente conseguiu encontrar mais que os nossos corpos, nossas mentes, nossas ideias. A gente conseguiu encontrar os nossos espíritos e curar feridas também.
Actores Jonathan Guilherme, Cleo Diára e Sérgio Coragem do filme "O riso e a faca" com o realizador Pedro Pinho (de camisa amarela) em Montreuil a 8 de Julho de 2025. © rfi/Miguel Martins

O Brasil tem muito de africano. Há ali uma conversa importante no filme onde se fala de graduação cromática. "Eu sou mais negro do que tu. Tu és branco porque és só mulato, ou és só mestiço". Como é que isso mexeu consigo e com a forma como os brasileiros numerosos de origem africana, se vêem?

Jonathan Guilherme: Eu acho que isso nunca vai deixar de mexer comigo, porque sempre vai mexer quando eu entro nesse assunto. Porque eu fui para lá com essa perspectiva minha, de pessoa negra, de uma pessoa do Brasil que sempre escutou que eu sou daquele continente, que eu fui escravizado, trazido para o Brasil. Então eu fui para lá com essa consciência de que eu era essa pessoa. Mas chegando lá, eu também entendi que eu sou uma pessoa branca, também. Então, basicamente é um pouco esse encontro que me parece até um pouco difícil de assumi lo. Mas a Marcelina falou que eu tenho que falar.

Sérgio Coragem: Você foi, então, numa epopeia de Portugal até à Guiné-Bissau. Agora está a ver o filme a germinar e estrear nos ecrãs internacionais. Em que estado de espírito em que se encontra agora? Como é que digeriu esta experiência toda? Agora que já passaram alguns meses sobre a pressão de Cannes, por exemplo.

Sérgio Coragem: Então o que eu posso dizer é que parece que estou a viver um pouco algo virtual. Parece que é um sonho, ao mesmo tempo que é bastante real, porque estamos neste momento em França e a viver essa experiência. De facto, é muito importante que possamos também estar aqui presentes juntos, não só a partilhar com o país e com o mundo. Mas a partilhar entre nós o que vai reverberando da experiência de cada um das histórias que cada um vai vivendo. Quanto à digestão do que foi não só fazer o filme e estar em Cannes, acho que é uma digestão que vai durar quase até eu morrer, penso eu.

O riso e a faca de Pedro Pinho (aqui Jonathan Guilherme e Sérgio Coragem) © Festival Cannes

Cleo Diára, o seu país de origem e acabou de festejar 50 anos de independência. No próximo sábado será São Tomé e Príncipe. Estamos nessa saga, não é, é meio século ?! 

Eu sei que você reivindica muito a sua africanidade e a sua pertença à ilha de Santiago, Cabo Verde. Como é que é? Cannes já está a mudar a sua vida. Imagina em relação à visibilidade que isso lhe está a dar?

Cleo Diára: Eu reivindico muitas coisas, não só Cabo Verde como também Portugal. 

Acho que ficou esse mal entendido sobre algo que eu disse que vinha com muitas outras coisas, mas eu gosto sempre de frisar isso. Acho que sou um corpo do mundo e não quero que o mundo me coloque em caixinhas, porque eu sei aquilo que sou e eu decido aquilo que sou. Não é o olhar externo que decide aquilo que sou. Antes de comentar isso, queria só acrescentar outras coisas daquilo que o Pedro disse que para além do português, temos também o cabo verdiano, o guineense. Temos muitas outras línguas que possam também trazer outras pessoas. Que nos interessa também que a comunidade africana venha, que se sinta representado porque estão representados no filme como a comunidade brasileira.

Então atrevo-me a dizer que temos aqui os PALOPs todos podem vir, que há espaço para todos nós, para todas nós. Relativamente ao mudar a minha vida, eu não sei. Sou uma pessoa muito pé no chão e eu acredito muito que o meu trabalho é que me tem levado a sítios. E é sobre isso que eu vou estar sempre ancorada, é continuar a trabalhar, continuar a sonhar, continuar a co-criar e continuar a fazer trabalhos que eu acredito e a dar o melhor de mim. A única coisa que eu posso fazer é dar o melhor de mim, aquilo que vem a seguir são sempre presentes que a vida vai nos dando. Então, eu acredito muito no trabalho, no trabalho muito bem feito. E esse trabalho foi reconhecido.

Só é possível porque eu trabalhei com essas pessoas, porque eu trabalhei com esse realizador. Um actor não é sozinho. Mesmo que eu esteja a fazer um monólogo, vou sempre precisar de olhar de fora. 

E eu queria mesmo que ficasse assente que não é o prémio da Cleo Diára 
É um prémio do Riso e da Faca. E de um conjunto de pessoas que fizeram esse trabalho.

"O riso e a faca" de Pedro Pinho. © Festival de Cannes
Vocês parecem uma família tão coesa !

Cleo Diára: É por isso temos realmente um grande filme, porque foi um trabalho que muita gente deu muita coisa. Todos nós aqui demos muito de nós, deixamos muito de nós. Atrevo-me a dizer, é um trabalho de sete anos do Pedro Pinho que ele coloca nesse filme. É um trabalho de muitos meses do Sérgio e é um trabalho de muitos meses do Jon. 

É um trabalho de muitos meses meus. Trabalhámos antes do filme. Trabalhámos durante o filme. Então, é um trabalho incansável de pessoas que acreditavam muito naquilo que estavam a fazer. 

Eu acho que isso se vê no filme. Acho que também o filme traz esse acreditar de uma equipa inteira que deslocou-se da sua casa e que foi para lá atrás de um sonho que começou com o Pedro Pinho e que foi indo para cada uma das pessoas que estão nesse filme. E queremos todos, e acho que posso falar por nós todos, agradecer à produção, à distribuição desse filme por termos sentido super bem tratado, super acarinhados, super bem nutridos. 

E não é todas as vezes que trazem actores de Portugal ou de Espanha para virem a uma estreia. Então deixamos aqui a nossa gratidão por tudo que temos vivido e pela forma como temos sido tratados.

Então Pedro, esta família vai continuar a trabalhar junta ?

Jonathan Guilherme: Gostámos ! Gostámos !
Pedro Pinho: Infelizmente isso não depende só de mim. Ou seja, eu acho que é muito importante também que esta projeção e esta visibilidade de um filme português contribua para este tipo de trabalho ser valorizado em Portugal. E se perceber que todo o esquema de financiamento do cinema em Portugal é uma coisa sem a qual não é possível fazer estes filmes. Porque o mercado português é muito pequeno e porque nós precisamos mesmo de ter um conjunto de políticas que apoiem a produção cultural, não só do cinema, mas também do teatro e por aí fora. E, portanto, isso não depende só de mim. Mas a verdade é que eu acho que, mais uma vez, também como a Cleo dizia, acho que posso falar por todos nós, porque os laços que criámos ao longo deste processo são coisas que vão ficar para o resto da vida, num lugar do coração muito especial e que nos havemos de encontrar muitas vezes, em muitos lugares.

Sem comentários:

Enviar um comentário