Há histórias que a história oficial não conta. São vidas ocultas nas entrelinhas dos livros, silenciadas pelas narrativas oficiais. Histórias de homens e mulheres cuja coragem moldou os alicerces de uma nação, mas cujos nomes acabaram soterrados pelo esquecimento. Mbana Cabra é um desses nomes. Um guerreiro, cuja luta contra o domínio colonial português foi marcada pela ousadia, pela coragem e por uma determinação feroz.
Mbana Cabra nunca conheceu Amílcar Cabral, a figura mais emblemática da luta de libertação nacional - Cabral que, recentemente, tem sido alvo de críticas levianas, proferidas por vozes mal informadas ou mal-intencionadas. Mas se Mbana Cabra não cruzou com o líder, partilhou do mesmo ideal: a libertação da pátria. E o fez à sua maneira, moldado não por formações em países socialistas, mas pela escola dura da mata, pela urgência da sobrevivência e pela coragem instintiva de quem decide enfrentar o opressor.
Sua entrada na luta não foi projetada. Aconteceu por acaso - ou por destino. Num dia aparentemente comum, um chefe de posto colonial chegou à sua aldeia, acompanhado de cipaios, para registrar moradores e cobrar impostos. Quando Mbana Cabra declarou seu nome, o chefe suspeitou de fraude - prática comum na época para escapar da tributação arbitrária. A desconfiança gerou agressões brutais. Mas Mbana Cabra não era homem de se dobrar. Revidou. Venceu os cipaios. E, sabendo que a retaliação colonial seria implacável, fugiu em direção às zonas libertadas, onde encontrou seu lugar na resistência armada do PAIGC.
Nas matas, revelou-se um combatente implacável. Os soldados portugueses o temiam, especialmente nas regiões de Biambi, Bula e Cobiana, onde operava com destreza e audácia. Dizem que liderou diversas operações, muitas delas sozinho. A mais ousada foi o ataque ao aeroporto de Bissau - uma ação simbólica que abalou a confiança do inimigo e provou que, com coragem e estratégia, mesmo um só homem podia desafiar um império.
Com a independência, no entanto, veio uma amarga constatação: a pátria nem sempre reconhece todos os seus filhos. Muitos heróis das matas, que deram tudo pela liberdade, foram deixados para trás. Mbana Cabra foi um deles. Silenciado. Esquecido. A poeira do tempo cobriu sua história, como tantas outras.
Viveu o pós-independência em silêncio. Talvez relembrando os companheiros tombados, talvez tentando entender os caminhos da ingratidão. Não buscou cargos, nem recompensas. Queria apenas justiça - a mesma que o movera a lutar.
Mbana Cabra é mais que um nome. É símbolo. É memória viva dos anônimos que fizeram a liberdade possível. Sua história nos lembra que a independência da Guiné-Bissau não foi apenas uma conquista política, mas um ato coletivo, tecido com sacrifício, sangue e sonhos.
Que seu legado não se perca na sombra. Que sua coragem nos inspire. E que nunca esqueçamos que a liberdade tem um preço - e que ele foi pago, em silêncio, por heróis como Mbana Cabra, que nunca buscaram glória, apenas justiça.
Armando Mussá Sani
Foto: Midana Bidissa

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