quinta-feira, 28 de novembro de 2024

«Opinião» Guiné-Bissau: as forças armadas e a luta política no contexto actual



Nós (homens e mulheres na política) não nos devemos intimidar com as opiniões políticas de um militar em activo, seja ele um general ou um simples soldado.

Não serei o primeiro a admiti-lo. Presenciar um desfile militar é sempre uma maravilha. Homens e mulheres sincronizados. Uniformizados. Alinhados. Bem trajados. Botas a brilhar. Boinas à medida de cada cabeça. Olhos fixos. Rostos sérios. Corpos em movimento, mas com as bandeiras bem firmes nas mãos. Os tais desfiles despertam em cada um de nós o nacionalismo, o patriotismo e o sentimento especial de pertença, uma identidade própria, dentro de um Estado ou uma nação.

A minha primeira experiência com um espetáculo idêntico foi logo após a independência, nas matas de uma tabanca recôndita da Guiné-Bissau, durante a cerimónia de apresentação das novas autoridades (do PAIGC) à população local. Bandeiras foram içadas aqui e acolá – com ou sem o hino nacional, assinalando-se assim a entrada triunfante do PAIGC no resto do território guineense. E o resto da história está registado na memória colectiva de guineenses e cabo-verdianos.

Neste ano em que as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP) completam sessenta anos de existência, é imperativo relembrar que a sua fundação se deveu ao I Congresso do PAIGC em Cassacá (Fevereiro de 1964) com o objectivo de reorganizar a luta armada, reestruturar e redistribuir as forças armadas. Dessa reorganização surgiu a Guerrilha, a Milícia Popular e o Exército Popular. Assim foi durante a maior parte do processo da luta de libertação nacional e até às reformas de 1971, quando o Exército e a Milícia populares foram integrados nas FARP.

Para começar, as FARP nunca devem cair na tentação de serem arrastadas para uma “ruptura” fictícia ou real com o resto da sociedade guineense, ou seja, o povo. E num espírito de um diálogo aberto, democrático e genuíno, hoje, nós (homens e mulheres na política) não nos devemos intimidar com as opiniões políticas de um militar em activo, seja ele um general ou um simples soldado. Antes pelo contrário, devemos incentivar a exteriorização dos sentimentos de cada um, mesmo quando vindos de uma pessoa como o general Biaguê Na N'Tan, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau. Apesar do alerta de Cabral sobre os riscos de “militarismo”, nos tempos que passam e no espírito de inclusividade, não devemos estar obcecados com as tais exteriorizações vindas de qualquer elemento em uniforme militar. Ao mesmo tempo, não devemos minimizar a importância delas, sobretudo quando podem por em causa um eventual carácter republicano das forças de defesa e segurança.

Ontem, nas matas da Guiné, uma das grandes prioridades dos Comités Políticos das Forças Armadas era desenvolver trabalho político (sublinho, político) e conduzir frequentes reuniões políticas (sublinho, políticas) sob a liderança de comissários políticos com o objectivo de informar, formar e capacitar os antigos combatentes para os propósitos de luta e as expectativas da independência. Em tempos da democracia, a Guiné-Bissau deve continuar essa tradição de educação política no seio das FARP, para compreender mais e melhor o limite das suas funções e do seu juramento e “participar activamente nas tarefas da reconstrução nacional” (CRGB, art.º. 20, ponto 2).

A Guiné-Bissau deve continuar essa tradição de educação política no seio das FARP, para compreender mais e melhor o limite das suas funções e do seu juramento

Assim, a Guiné-Bissau precisa de um investimento sério na formação e capacitação política (combatente) de cada militar para que, colectivamente, estes sejam capazes de “salvaguardar, por todas as formas, as conquistas do povo e, em particular, a ordem democrática constitucionalmente instituída” (CRGB, art.º. 19, ponto 1). As armas, mesmo continuando sendo um dos símbolos da soberania nacional ao lado da bandeira e do hino, só devem sem empunhadas com a devida “prontidão combativa completa” para defender a integridade do território nacional. Sendo importantes membros da sociedade guineense, as nossas contemporâneas FARP devem estar empenhadas para combater pronta e patrioticamente – quiçá gradualmente – a indiferença, a insegurança, a ignorância, o obscurantismo, o medo e tantos outros “ismos” e cancros que têm assolado o país.

Conosaba/publico.pt

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