domingo, 10 de dezembro de 2017

ENTREVISTA A NAOMI KLEIN. AO ATAQUE CONTRA TRUMP


Entrevista publicada pelo periódico uruguaio Bitácora, em novembro de 2017.

Há dez anos, em seu livro A Doutrina do Choque, você demonstrava que o capitalismo do desastre se aproveita de grandes traumatismos para aplicar as reformas econômicas ou sociais, apresentadas como terapias de choque. Com outro livro, This Changes Everything(“Isto Muda Tudo”, em tradução livre”), você analisa porque a crise climática é a mais recente até agora em ser objeto deste gênero de exploração. Seu novo ensaio, No Is Not Enough (“Não Basta Dizer Não” em tradução livre), aborda a estratégia de Donald Trump. O presidente estadunidense é produto da doutrina do choque ou é o próprio produtor de choques?

Seu método consiste em produzir comoção várias vezes por dia, através do twitter e de outros canais. Todo o mundo aguarda o novo choque, a última declaração provocadora. E isso ajuda o seu programa econômico, o qual avança nos bastidores, de forma bastante discreta, graças a estas distrações. Ele está rodeado por executivos da Goldman Sachs e sua política econômica foi basicamente terceirizada, entregue a eles. Não há uma dissociação dos seus próprios interesses de empresário privado. O mesmo vale para o grupo de pressão dos combustíveis fósseis, muito arraigado no entorno presidencial; este grupo de pressão é controlado por Scott Pruitt, a quem Trump entregou a gestão da Agência Nacional de Proteção Ambiental (EPA). Ele acaba de abandonar o projeto de energia verde, a principal medida de Obama a respeito do acordos de Paris sobre o clima. E isso funciona, porque toda a atenção da imprensa se concentra no circo de Trump.

Mas ele é igualmente um produto da doutrina do choque, desde os Anos 70. Seu primeiro grande golpe como promotor imobiliário, quando se desligou do amparo paterno, consistiu em adquirir um hotel em condições extraordinariamente vantajosas, praticamente isento de impostos, pois a cidade de Nova York estava a um passo da falência, quase como a Porto Rico de hoje, e entregue às mãos de gestores privados mais que dos representantes democraticamente eleitos. É um perfeito exemplo de exploração da crise em beneficio da elite.

Como definir a marca Trump?

A novidade de Trump é que ele representa um modelo empresarial que existe somente há duas décadas. Outros dirigentes já haviam usado estratégias de marca ao estilo empresarial, como Tony Blair, ao rebatizar o Partido Trabalhista britânico como “Novo Trabalhismo”, ou ao lançar o lema CoolBritannia. Mas o fato de que um presidente se transforme em marca e se lance ao mercado, confundindo essa marca com a política presidencial, isso é algo inédito.

Em outros tempos, as empresas se apresentavam como fabricantes de produtos ou provedoras de serviços, e eram esses produtos ou esses serviços os que criavam uma identidade para se distinguir da concorrência. Quando escrevi (o livro) No Logo, há 20 anos, descobri um novo gênero de empresas, que vendiam não mais um produto ou serviço e sim uma identidade, um modo de vida. Para essa nova tribo comercial, a produção era o próprio marketing, e a identidade da marca se fundia na cultura através da referência aos esportes ou à música, inclusive à revolução. A Nike foi uma empresa pioneira nesse sentido: não tinha sequer vontade de possuir suas próprias fábricas. É o que chamei de “marcas vazias”. Essas empresas estavam em todas as partes e em nenhuma ao mesmo tempo, indiferentes à sua mão de obra, terceirizando sistematicamente sua produção. A Nike vende a ideia de transcendência através do esporte, a Starbucks vende a ideia de uma comunidade, a Apple vende a ideia de revolução. Trump aplica esse processo: se lançou no setor imobiliário graças à sua fortuna familiar, mas rapidamente parou de construir e de vender imóveis para vender seu nome e sua imagem associados a um modo de vida, a outros promotores que arcavam com todos os riscos concretos e financeiros ligados à construção imobiliária. Trump encarna a fusão entre o homem e a grande empresa, da mega marca de um só personagem, cuja mulher e filhos são suas marcas derivadas.

Quais são os valores associados à marca Trump?

A imagem que Trump vende é a da impunidade graças ao dinheiro, uma liberdade e um poder inacessíveis às pessoas comuns. Este sonho capitalista é acompanhado do último signo de poder em nosso mundo: estar rodeado de mulheres. Ele se gaba de suas amantes, dá a deixa dos rumores sobre seus problemas conjugais e infidelidades para as revistas de escândalos. Seu discurso eleitoral era: viva a mesma vida de fantasias que eu vivo. Chegou a criar uma universidade paga que prometia ensinar os métodos para se chegar ao seu mundo. Seus cassinos ofereciam a mesma promessa. Essa experiência resultou em seu reality The Celebrity Apprentice, onde exibia sua fortuna, seu poder e seu luxo, os quais eram prometidos como prêmio ao único vencedor do jogo. Promoveu ideia de riqueza pela riqueza, a ideia de que todos buscamos ser vencedores num mundo de perdedores, uma luta para ser o predador ideal. E para ele, o significado supremo do poder é o poder de abusar das mulheres. Trump é guiado pelos seus desejos: passa por cima de tudo em seu caminho, desonra, humilha que quer e quando quer, é o rei dos predadores.

A ascensão de Trump acompanha o triunfo do neoliberalismo desde os Anos 80, no governo de Reagan. Nesse contexto de precarização e de alienação das classes ele conseguiu vender esse sonho de se livrar de todas as regras, de viver em sua própria realidade, de negar até mesmo as constrições do mundo real ou da ciência. Por isso sua fascinação pela luta livre e outros shows falsificados. Utilizou essa mesma lógica em sua campanha eleitoral. Prometeu ao seu eleitorado de classe média inferior a mesma revanche que aos competidores de seu jogo televisado: o poder de esmagar os perdedores: os imigrantes, os negros, as mulheres.

Trump é uma síntese perfeita do que você denuncia em seus três livros?

Efetivamente. Em No Logo eu descrevia a forma como as supermarcas invadem o espaço público: Trump representa o topo simbólico desta tendência ocupando o Salão Oval. A ideia da impunidade do poder sempre definiu a política exterior norte-americana: o excepcionalismo estadunidense, a negativa em ter que prestar contas diante do Tribunal Penal Internacional e das demais instituições da ONU. Com relação a (o livro) A Doutrina do Choque, Trump explora crises para exacerbar as divisões econômicas em benefício de uma elite minoritária e riquíssima. Adora desestabilizar as pessoas e distrair sua atenção sobre o que verdadeiramente está em jogo por meio da trivialidade: é, ao mesmo tempo, a doutrina do choque e a doutrina do blefe! Seus ultrajes são tão aditivos como a comida gordurosa… Enquanto isso, ninguém fala que ele reduz os impostos às empresas, incluindo as imobiliárias, o que beneficiará diretamente a sua família e os multimilionários que compõem seu gabinete, esses “mestre do desastre” que construíram seus impérios a partir da expropriação dos mais pobres em meio a crises financeiras, e uma das maiores envolvidas nisso é a Goldman Sachs, que se beneficiou dessas mesmas crises depois. Esses excessos histriônicos de Trump são a perfeita ilustração de um “capitalismo do desastre” ou da catástrofe. Um escândalo igual ao da indústria petrolífera, que mantém uma crise crônica da qual tira proveito: a Exxon promove a desinformação sobre a crise climática visando aproveitar o descongelamento dos polos para efetuar novas prospecções. Derrubaram todas as regulamentações de controle energético e ecológico. A modificação do nosso sistema de produção energética e de transporte significa eliminação de impostos que a direita não quer mais.

Você fala em três D´s: destruição, desregulação, desconstrução

Ao escrever A Doutrina do Choque, eu deveria ter insistido no fato de que o neoliberalismo explora a xenofobia e a ojeriza aos imigrantes. É verdade que Trump, Marine Le Pen e os partidários do “brexit” são resultado disso. Não se pode compreender o auge do neoliberalismo sem destacar o quanto ele exacerba as fraturas raciais para dividir os trabalhadores. Desde Reagan, mas também com Clinton, os imigrantes e as minorias étnicas nunca deixaram de ser alvo de acusações, por supostamente abusar das ajudas sociais, de viver às custas da sociedade.

Reagan dizia que “o Estado não é a solução aos nossos problemas: o Estado é o problema”. Trump é seu herdeiro ou o produto de uma nova cultura empresarial que tem um fetiche por esses personagens causadores de rupturas, os inovadores que fazem fortuna ignorando as leis de forma flagrante?

Trump é as duas coisas ao mesmo tempo. A herança de Reagan consiste em considerar os diretores executivos como a força vital dos Estados Unidos, em apagar as fronteiras entre o mundo dos negócios e o mundo político. Reagan não inventou este processo, mas o acelerou. Trump agregou a este ação anti Estado, e inclusive anti sociedade civil, uma verdadeira diabolização dos poderes públicos, explorando o desgosto, às vezes legítimo, do eleitorado cansado da corrupção na esfera política.

Por outra parte, ele compartilha com esses “quebradores de paradigmas” o culto à inovação brutal, com o desprezo a toda e qualquer regra e uma indiferença total à qualquer objeção ou acusação. Sua filosofia prega que quando se chega a um certo grau de riqueza é possível eludir qualquer pergunta invocando a suposta “forma ilegal” na qual se chegou a ela. É a mesma impunidade reivindicada por Google, Facebook e Uber.

O fenômeno Trump é a encarnação desse clichê de que os milionários seriam os únicos capazes de resolver nossos problemas? 

Queria principalmente dissipar um mito, que despeja toda a responsabilidade nos republicanos, como se houvesse duas correntes que correram caminhos muito diferentes. Os democratas também contribuíram bastante com este sistema. Embora Trump saiba explorar de modo mais eficiente o racismo, a misoginia e a homofobia, nunca teria alcançado o poder sem a ajuda dos meios de comunicação (incluindo os considerados um pouco mais progressistas) dedicados à informação-espetáculo, com sua forma de tratar a campanha eleitoral como um reality show. Ele entrou em cena mas não construiu essa cena. Simplesmente, é o melhor ator para este gênero que os políticos tradicionais. O espetáculo sensacionalista é o seu universo.

Este mito do milionário filantropo, que sugere que os problemas políticos mais preocupantes (os do meio ambiente ou da educação, por exemplo) podem ser resolvidos graças às esmolas desses oligarcas, mais ricos que alguns muitos estados, existe também entre os progressistas dos Estados Unidos. A Fundação Clinton é um bom exemplo disso. Em vez de defender instituições transparentes e democráticas, apela à benevolência desses multimilionários, e oferece a eles a resolução desses problemas, mesmo que eles não tenham nenhuma experiência nesses âmbitos. Sua fortuna substitui a necessidade de conhecer e saber como lidar com a área em questão. São esses supostos progressistas, como os Clinton, Bill Gates, Richard Branson ou Michael Bloomberg, os que prepararam o terreno para Trump.

Mas, por outro lado, as campanhas de Bernie Sanders (nos Estados Unidos) e Jeremy Corbyn (no Reino Unido) demonstram que é possível ter um impacto político real se o conteúdo do programa traz soluções concretas às necessidades das pessoas em termos de saúde, moradia, educação, transportes, etc. Nesse sentido, Corbyn como o “anti marca” por excelência. É a sua espetacular ausência de credibilidade (eleitoral) a que lhe garante a confiança e o fervor dos jovens, e o que, paradoxalmente, lhe entrega essa aura de estrela de rock. Os exemplos de Sanders e Corbyn confirmam que ainda se pode fazer política sem se aderir a este perigoso modelo da marca política que no fundo é oca, e que é adotado tanto pela esquerda quanto pela direita. Por Trudeau (primeiro-ministro canadense) e por Macron (presidente francês), entre outros dedicados aos lemas vazios.

Para você, Trump foi capaz de manter um clima de crise essencialmente graças à sua retórica cheia de excessos. A que catástrofe ou série de catástrofes estamos sujeitos como consequência dessa lógica? Choques bélicos, choques econômicos, choques climáticos?

Todos esses riscos me inquietam. As primeiras comoções produzidas durante a presidência de Trump estão ligados ao clima: os incêndios florestais da Califórnia costumam durar às vezes todo o verão, mas nunca chegaram a prosseguir até o outono, e continuam piorando. E logo vieram os furacões. Imensos territórios, como toda a ilha de Porto Rico, precisam se reconstruir. A entrega de verbas públicas para essas obras constitui uma aposta crucial. A reconstrução de Houston foi entregue a um antigo presidente da Shell…A doutrina do choque aplicada em Porto Rico está destinada a permitir a privatização da eletricidade e da rede viária, invocando a dívida pública local. Mas se constata uma resistência, tanto sobre o terreno quanto por parte dos porto-riquenhos residentes nos Estados unidos. Esta crise ilustra a articulação entre o perigo climático, a herança do neoliberalismo e a do colonialismo, pois Porto Rico continua sendo uma colônia desprovida de direitos, sobretudo eleitorais. A gestão da crise foi entregue a uma equipe privada, não eleita. Eu pertenço a um grupo que milita por uma reconstrução justa de Porto Rico, pela anulação da dívida e uma participação democrática nas decisões. Uma dinâmica onde a população é a que contribuiria a criar empregos, sobretudo por meio de uma política agrária, uma menor dependência das energias fósseis, a fim de favorecer a autossuficiência energética.

E estou aterrorizada pelas tensões com a Coreia do Norte. É claro que Trump, nesse caso, está surfando numa crise pré existente, mas dispõe unilateralmente do poder de desencadear uma guerra nuclear. Creio que está fascinado pela dimensão espetacular da guerra. Resistirá à tentação de explorar o arsenal militar norte-americano para fazer o “show dos shows” de violência apocalíptica?

Finalmente, a presença de membros da Goldman Sachs ao seu redor me faz temer por uma nova crise financeira, e a forma em que esta gente poderia explorá-la.

Você defende uma mobilização transversal devido a que Barack Obama decepcionou os que tinham esperanças de mudanças. Sugere alguma formas de resistência a Trump que possa ser eficaz?

Em outro livro (No Is Not Enough, ou “Não Basta Dizer Não” em tradução livre), eu comento que se nos contentamos com somente resistir voltaremos simplesmente ao punto em que estávamos com Obama: um período de precariedade econômica e social, de expulsão massiva de imigrantes, de forte violência policial contra a população negra, de piora da crise climática. Nossa missão agora é mais difícil e mais ambiciosa: associar à resistência as propostas concretas para mudar as coisas. Trump foi eleito, e isso não se deve somente aos votos que obteve mas também à desmobilização e o abstencionismo. Foi Hillary Clinton que perdeu as eleições, pois boa parte de sua base eleitoral não se reconhecia no programa proposto pelos democratas. O que me traz esperança é a constatação de que um número cada vez maior de gente capaz de dizer que não e que sim, lutando para preservar o serviço público de saúde. Vemos que surge uma onda a favor da cobertura médica universal, tanto na escala federal quanto nos estados, e dezessete senadores, até alguns outrora neoliberais, que agora querem aderir à proposta de Bernie Sanders, pressionados por seu eleitorado. Do mesmo modo, os jovens imigrantes não só resistem às medidas de expulsão de Trump como também criticam o sistema de proteção de menores imigrantes estabelecido por Obama, argumentando que promoveria o distanciamento entre os menores e seus padres, que continuam ameaçados de expulsão. Defendem o mesmo direito para ambos.

A mobilização dos indígenas e ecologistas do movimento da reserva Standing Rock contra o capitalismo ecocida e o supremacismo branco é outro exemplo a seguir. Vemos também centenas de municípios que, inspirados no prefeito de Pittsburgh, se negam a retirar dos acordos de Paris sobre o clima e tomam iniciativas ecológicas a escala local. O problema é que todos esses assuntos continuam estando muito separados: o meio ambiente, a justiça racial, a justiça social… Em vez de haver uma convergência de lutas, o que se constata é uma espécie de privatização (um panorama meio neoliberal) do ativismo político.

Há uma série de problemas que levam a isso, como a debilidade dos sindicatos, que se contentam com defender seus afiliados a partir de conceitos corporativos, em vez de proporcionar uma infraestrutura para reagrupar as lutas e a contestação. É preciso criar um espaço sem barreiras, onde os representantes de diversas causas possam planejar o depois de Trump sobre a base de uma visão global, holística e uma definição dos valores de uma sociedade fundada na solidariedade, na ajuda mútua, no viver juntos e na preocupação pelo planeta.

Você é coautora do The Leap Manifesto, documento que propunha um programa sem partido que defendesse uma política econômica que abolisse o uso de combustíveis fosseis. Por que?

Estávamos em plena campanha eleitoral canadense e constatamos que os programas dos grandes partidos estavam dissociados dos grandes problemas: desigualdades econômicas, crise climática, direitos dos povos indígenas… E seu foco sobre a crise climática era o mesmo da surdez para com os alertas dos cientistas, e apoio ao lobby das energias fósseis. Nosso grupo reunia sindicalistas, representantes de movimentos ecologistas como Greenpeace, além de militantes de base que atuavam em favor do direito à moradia e dos direitos dos imigrantes. Demos prioridade a uma discussão positiva, que vá além da contestação, e seja capaz de propor soluções, uma visão nova. Uma das armas do neoliberalismo é a guerra cultural contra a opinião, tentando impor a ideia de que não existe alternativa, que hemos chegamos no final da história.

Conseguimos criar esse debate, e alguns partidos acolheram nossas propostas, apesar da perplexidade dos meios por este ser um programa sem partido. Precisamos mudar o paradigma: substituir uma ideologia fundada na especulação financeira e no consumo massivo, que considera as pessoas e o planeta como recursos inesgotáveis e descartáveis, por uma cultura que proteja e respeite cada pessoa e cada lugar. Para isso, é preciso chegar a um 100% de energias renováveis durante os próximos 30 anos. E nesse intervalo, temos que construir também um sistema econômico mais justo, uma gestão democrática e equitativa da energia, em vez de deixá-la nas mãos das grandes empresas. Fundos públicos devem ser entregues aos povos indígenas e aos imigrantes, para que possam controlar seu acesso à energia, ou para que não estejam mais expostos à contaminação.

É o que nós entendemos como linhas básicas. Temos que estabelecer uma política de cuidado e reparação, de reconstrução. Há muitas atividades não contaminantes que ainda não são reconhecidas como ecológicas: a puericultura, as ajudas aos idosos e até mesmo algumas atividades de criação artística. Reconhecê-las como tais é importante para que elas tenham melhor remuneração, e que não sejam presa de um sistema de exploração. Precisamos de um modelo econômico capaz de financiar tudo isso, tendo como princípio evitar todas as desigualdades ecológicas. Pois se os trabalhadores hoje se mostram hostis à ecologia é porque seus benefícios são entregues somente aos ricos, que sequer a financiam. E nosso manifesto tem inspirado outras iniciativas parecidas em outros lugares, movimentos locais dentro do Canadá e também nos Estados Unidos, onde esses debates são acompanhados com grande interesse.

Pode nos falar dos avanços do People´s Summit, a Conferência dos Povos de Chicago, em junho passado, da qual você participou?

Esta cúpula foi organizada pelo sindicato nacional das enfermeiras dos Estados Unidos. Se trata do maior sindicato do país, onde mais de 150 mil de suas afiliadas são mulheres negras, e há também muitas imigrantes. Estabelecemos formas de colaboração frutíferas com movimentos como Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”), Fight For $15 (que exige o aumento do salário mínimo) e dezenas de outras organizações. As enfermeiras são uma classe especial, porque se expressam em favor delas mesmas e também pelos direitos dos seus pacientes, muitos deles que carecem do direito de cobertura médica, e também ligam a saúde à preservação do meio ambiente. Portanto, lutam ao mesmo tempo a favor do novo modelo de saúde de Obama, contra o lobby das empresas de saúde privadas, contra a proliferação dos oleodutos e minas de carvão, contra a expulsão das enfermeiras porto-riquenhas, e sempre com uma energia incrível. Afirmam o valor de toda a vida. Um movimento gestionado por um grupo assim, e não pelos sindicatos das indústrias tradicionais, traz uma nova dinâmica muito positiva.

Portanto, você é otimista?

Na verdade não! Mas me nego desistir por causa desse pessimismo. O que está em jogo agora é importante demais, e não podemos ceder ao derrotismo. Em vez de ficarmos falando somente para nós mesmos, devemos utilizar todas as nossas vozes, as pessoas que possuem alguma tribuna e a possibilidade material, social e cultural para se expressar têm o dever de fazê-lo, para podermos redesenhar o mapa político. Deposito muitas esperanças nas novas gerações, nesses jovens partidários de Sanders e de Corbyn, que já não acreditam no conto de fadas neoliberal. Sua imaginação é maior que a nossa, e sua cólera mais forte. Me impressiona muito o compromisso, a vontade de transplantar seu ativismo do terreno da sociedade civil à arena política, ao seio dos partidos e do processo eleitoral.

É um momento crucial de mobilização: todo o mundo, a fazer barricadas! Precisamos de uma contra estratégia de choque. Reencontrar o fervor utópico que costumava animar os grandes movimentos sociais. Atuar partindo da base para melhorar radicalmente a vida das pessoas. Derrotar a cólera para seguir adiante coletivamente. Se negar a entrar no jogo do antagonismo e do ódio que tentam impor contra nós. Mas propondo como alternativa uma visão afirmativa e positiva.

* Naomi Klein é jornalista e escritora canadense, autora de diversos livros, entre ele o clássico A Doutrina do Choque.

Conosaba/cartamaior

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