A dentista Inês Raposo durante uma consulta em Catungo (Canchungo)
Inês Raposo, dentista, está desde 22 de fevereiro na Guiné-Bissau a fazer voluntariado pela ONGD Mundo a Sorrir. Além de aulas e palestras de higiene oral, já fez tratamentos em aldeias isoladas onde ninguém sabia o que era tirar um dente sem dor.
Não é a primeira nem a segunda vez que Inês Raposo, 23 anos, partiu em missão. Em 2012 teve a primeira experiência de voluntariado com a Equipa d’África quando foi para o norte de Moçambique durante um mês e meio. “Fiquei com o ‘bicho’ da missão”, diz a jovem dentista ao i.
Quando voltou para Portugal, o bicho não se acalmou. Pelo contrário, ficou bem colado à pele. “Soube que não ia ficar por aí. Não fazia sentido, depois de viver coisas tão intensas. Durante os três anos seguintes pude fazer voluntariado no Bairro 6 de maio [Lisboa] e na Casa de Saúde do Telhal. No verão de 2014 voltei a Moçambique por dois meses, para Metoro.”
Nestas experiências, Inês Raposo - assim como o grupo de voluntários em que estava inserida - deu aulas de português e apoiou os projetos já existentes no terreno (como as escolinhas, ou seja, os jardins-de-infância). No entanto, no último ano da faculdade - cursou Medicina Dentária - decidiu que “queria ter uma experiência de missão na minha área”. Nessa altura já fazia voluntariado em Lisboa pela ONGD Mundo a Sorrir, que promove a saúde oral como direito universal. “Fazia ações de sensibilização em escolas, mas queria voltar a África. Senti que precisava de dar aos outros tudo aquilo que tinha aprendido e ajudar no pouco que pudesse. Queria dar o melhor de mim à população que fosse encontrar. Surgiu então a oportunidade de vir em missão para a Guiné-Bissau por seis meses!”
Perante o desafio, nem hesitou e desde 12 de fevereiro que está neste país. Se em experiências passadas viajou inserida num grupo, desta vez está sozinha, mas espera ajuda para breve. “Vou poder ter ajuda de mais voluntários que virão para o terreno por pequenos períodos de tempo, quando o trabalho aperta só para duas mãos. Iremos um mês para as ilhas Bijagós e vamos viajar por toda a Guiné-Bissau”, contou ao i. “O projeto que estou a integrar, Saúde a Sorrir na Guiné-Bissau, visa a criação de uma clínica dentária aqui em Bissau, bem como a capacitação de profissionais de saúde. Estamos a construir uma disciplina de Saúde Pública e Oral para o curso de Enfermagem e para as parteiras. Quando não estou em Bissau vou às aldeias fazer atendimento clínico em ambulatório, e aí é trabalhar desde que o sol nasce até se pôr. Para além disso, tentamos melhorar não só a saúde oral mas a saúde em geral da população guineense através da promoção de palestras de higiene oral e escovagem, hábitos alimentares, palestras e a realização de tratamentos em ambulatório nas aldeias mais desfavorecidas.”
Sobre o trabalho nestas aldeias, a dentista já tem um rol de histórias para contar. A semana passada esteve em Catungo (Canchungo), onde para lá chegar é uma aventura por si só. “Demorei seis horas e meia de candonga (o transporte local da Guiné), meia hora de moto, 15 minutos de caminhada com lama até ao joelhos, atravessei o rio com crocodilos de canoa e depois mais 20 km de caminhada com a carga às costas e a correr, porque o sol já estava a desaparecer.” No fim do percurso esperava-a “uma tabanca (aldeia) onde nunca ninguém tinha visto um dentista na vida!”. Mas a aventura estava ainda a começar. “Atendi pacientes durante dois dias inteiros, mais de 40 pessoas que vieram das aldeias ali ao pé, debaixo de uma mangueira. A maior parte dos tratamentos foram extrações dentárias, porque não há meios nem materiais para fazer mais do que isso. Foi a primeira vez que muitas pessoas souberam o que é tirar um dente sob o efeito de uma anestesia. Foram inacreditáveis esses quatro dias que vivi, sem luz nem água em casa, e sempre com a sensação de que há tanto para fazer aqui.”
A primeira reação de quem nunca viu um dentista é sempre de medo, conta Inês. “Assim que cheguei a Catungo tinha imensas pessoas à minha volta para ver o que trazia comigo e que materiais estranhos e de tortura eram aqueles que trazia na mala. Por isso, as primeiras pessoas que atendi foram crianças, obrigadas pelos pais, para eles próprios verem que não havia problema. Depois de verem que não havia sofrimento nem dor, começaram a chegar os adultos! Muitos têm receio porque nunca sentiram o que é realizar uma extração dentária ou porque, quando o fizeram, foi a sangue frio e estão à espera de dores agonizantes. Quando digo para abrirem os olhos porque já acabou, choram de alegria e agradecem muito e pedem para voltar! Não há como explicar essa sensação”, conclui a voluntária. A data de regresso a Portugal já está marcada: até 22 de julho, Inês Raposo continuará a pôr a Guiné a sorrir.
ionline.pt/conosaba
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