terça-feira, 25 de março de 2025

"Daniel Chapo deveria explicar os contornos deste acordo com Mondlane"

Daniel Chapo, Presidente de Moçambique.
O chefe de Estado de Moçambique, Daniel Chapo, reuniu-se neste domingo, 23 de Março, com o ex-candidato às eleições presidenciais, Venâncio Mondlane. Num comunicado, a presidência moçambicana explica que o encontro insere-se num esforço de promover a estabilidade nacional do país. Venâncio Mondlane falou num acordo assumido para o fim da violência, sublinhando que “aderir ao diálogo não representa abandonar a causa”. Em entrevista à RFI, Edson Cortez, director-geral do Centro de Integridade Pública de Moçambique, afirma que este compromisso é um sinal positivo, porém considera que Daniel Chapo deveria explicar aos moçambicanos os contornos deste acordo.

Que comentário lhe merece este acordo feito entre o Presidente moçambicano, Daniel Chapo, e o ex-candidato às eleições presidenciais, Venâncio Mondlane?

Acho que é um sinal positivo para aquilo que todos os moçambicanos esperavam, que era a inclusão de Venâncio Mondlane no diálogo político que está a acontecer após a crise das eleições de Outubro de 2024.

Porém, tenho pena que o Presidente da República, depois desse acordo, não tenha vindo a público falar sobre o que foi discutido. Penso que seria importante, num contexto de total descredibilização da classe política e das instituições públicas, que o Presidente comunicasse, para não criar falsas expectativas. [Ele] devia dizer o que é que falaram, as medidas que vão ser tomadas, quando será o próximo encontro e qual será a agenda do próximo encontro.

No entanto, os detalhes da conversa foram revelados por Venâncio Mondlane, que falou num acordo assumido para pôr fim ao clima de violência, nas garantias de assistência médica aos feridos, compensações dos familiares dos mortos, indultos a detidos no contexto dos protestos. Como é que vê estas garantias?

Venâncio Mondlane falou desses compromissos, mas não sabemos se Daniel Chapo vai respeitá-las. Pela minha experiência, os acordos feitos com a Frelimo só podem ser avaliados pela sua implementação, porque, caso contrário, podem ser letra morta. Daí a importância de o Presidente da República vir a público falar, uma espécie de compromisso com os moçambicanos, para podermos monitorizar se ele cumpre ou não as promessas que faz. Estamos cansados de acordos entre grupos de elites que depois não se reflectem na vida dos moçambicanos. Os moçambicanos querem ser incluídos.

Venâncio Mondlane é acusado de conspiração para a prática de crime contra a segurança do Estado. Acredita que este assunto foi abordado durante o encontro, podendo estes indultos englobar o ex-candidato às eleições presidenciais?

Acho que a Frelimo tem todo o interesse em ver a justiça moçambicana a actuar nesse sentido para a eliminação de Mondlane, uma vez acusado, criando sérios entraves para um político que constitui, neste momento, o principal adversário na arena política da Frelimo. Recorde-se que a Procuradoria-Geral da República em Moçambique comporta-se como se fosse um departamento jurídico do partido Frelimo.

O ex-candidato às eleições presidenciais de Moçambique afirmou que “aderir ao diálogo não representa abandonar a causa”. Venâncio Mondlane está aqui a enviar um sinal ao silêncio do Presidente?

A meu ver, está a mandar um recado à sua base de apoio. Está a dizer que não foi comprado e que vai continuar a lutar pela causa que defende. Acho que Venâncio também sabe que os moçambicanos não têm memória curta e que nos lembramos como foram os diálogos políticos entre os líderes da Frelimo e os líderes da oposição. Esses diálogos foram sempre mais de acomodação. Na altura de Afonso Dhlakama, houve a troca de favores financeiros, benesses, em detrimento do interesse dos moçambicanos.

Então, se Venâncio cair nessa armadilha e, após os diálogos, não tiver a transparência suficiente para vir dizer ao seu eleitorado o que é que realmente está a discutir com o Presidente, pode ser conotado com os outros líderes da oposição.

Venâncio Mondlane, quando diz que assumiu o compromisso de acabar com a violência, está também a ter uma postura de estadista?

Não diria de estadista, mas de defesa dos interesses do grupo que representa. Porque o grupo que mais sofre com a violência policial — porque a polícia funciona como um exército do partido no poder — são aqueles que defendem a causa da verdade eleitoral. E estas pessoas estão a ser mortas. Isso é uma verdade.

Venâncio Mondlane, que fala nomeadamente na violência das forças de segurança, diz também que tudo isto começou porque houve eleições fraudulentas, reiterando que ganhou as eleições. Daniel Chapo afirmou que, se o problema é a lei eleitoral, terá que se rectificar o problema. O que quer dizer o Presidente de Moçambique com estas palavras?

Provavelmente está a abrir espaço para a reforma da legislação eleitoral. Mas não podemos esquecer que uma reforma da legislação eleitoral implicaria, acima de tudo, mudar uma lei que beneficia a Frelimo. Não sei até que ponto a Frelimo está preparada para participar em eleições livres e transparentes, porque eleições livres e transparentes em Moçambique, neste momento, tenho quase certeza absoluta que a Frelimo não ganha.

O Governo assinou um acordo político com os partidos com assento no Parlamento, assembleias provinciais e municipais, com o objectivo de acabar com a crise política e eleitoral no país, deixando de fora Venâncio Mondlane. Com este encontro, o Presidente de Moçambique percebeu que, neste xadrez, faltou a peça mais importante, ou seja, Venâncio Mondlane?

Espero bem que tenha percebido, porque deixá-lo de parte era perder a oportunidade de resolver, de uma vez por todas, este problema que arrasta o país para um abismo económico-financeiro e político sem precedentes. Moçambique está numa crise financeira profunda, e os investidores nacionais e estrangeiros não investem quando há incerteza política. O país não está em condições de continuar a enveredar por esse caminho da desestabilização. (…) Não há emprego, não há investimento. Os bancos, todos os dias, anunciam aos moçambicanos que, se viajarem para o estrangeiro, o valor que podem usar diariamente é reduzido. Não há divisas. Então é preciso começarmos a pensar seriamente no que é que queremos como país.

Que força tem Venâncio Mondlane? Neste momento está sem partido. Tem a força do povo?

É só ver o que está a acontecer em Moçambique. O país para quando ele dispara. É sintomático que tem poder suficiente para desestabilizar Moçambique. Neste momento, é uma força que, se não for ouvida, pode contribuir para a destabilização de Moçambique.

O Presidente de Moçambique tem essa consciência? Num comunicado, a Frelimo escreve que Daniel Chapo tem demonstrado que a governação deve “assentar na inclusão, na justiça social e no respeito mútuo, promovendo um país onde a dignidade humana seja um valor central e inegociável”.

Bem, isso são chavões que a Frelimo usa sempre. Já estamos habituados. A Frelimo diz que traz um futuro melhor, que luta contra a corrupção, mas a realidade mostra que é totalmente diferente. É um partido intolerante, anti-democrático, que rouba eleições, mantém-se no poder e, acima de tudo, não faz nada para o desenvolvimento do país. Se fosse diferente, não teríamos milhões de moçambicanos nas ruas para demonstrar o desagrado às políticas públicas que este partido tem implementado ao longo destes 50 anos de um Moçambique Independente.

Conosaba/rfi.fr/pt/

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