quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Também sou incoerente

Sinto-me incoerente, pela primeira vez, ao tentar escrever uma crónica. Na anterior, fiz tudo direitinho para que não houvesse incoerência nenhuma e, claro, não houve. Por isso, caros leitores, peço a vossa compreensão. Ora, vamos! A minha incoerência prende-se com o facto de defender duas opiniões opostas, para o mesmo assunto, o que acho normal. Eu, como cidadão, tenho uma opinião acerca de assuntos de meu interesse e do público. Como quem se aventura em escrever crónicas, tenho outra.

Até porque, uma coisa é escrever aquilo que pensamos, com ou sem alindamentos.

Outra é dizermos o que pensamos ou não, num debate ou numa bancada. (Para assim dizer, sendo um apreciador do professor, jurista, advogado e deputado Nelson Moreira, é o mínimo que poderia fazer: várias opiniões sobre mesmo assunto, em nome daquilo que falo).

Este sábado o Debate Nacional foi extraordinário. Aliás, tem sido. Houve muitos pareceres, sobre vários temas discutidos, extraordinariamente louváveis. Entre eles: visita do PR, insegurança no país e ensino. Dos dois primeiros, penso que estamos entendidos: o presidente Umaro Sissoco Embaló foi recebido por dois grupos em Lisboa. 

Enquanto um grupo gritava “viva general do povo, Umaro Sissoco…”, o outro: “bandido, bandido, golpista, autoproclamado…”. E isso de manifestações, na democracia, é normal. Que as pessoas apoiem determinadas posições aceito, desde que se baseiem na convicção, sobretudo nas ideologias. Porém, basear-se nas pertenças étnicas, religiosas ou em qualquer coisa do género, é antidemocrático e antipatriótico.

Sobre a segurança, estamos também convencidos que está aquém. E apesar dos factos (sucedidos raptos, vandalização da rádio Capital FM), para o deputado Nelson estamos a viver numa tranquilidade que é de louvar. 

E defende que não se deve achar que o presidente está em dia das chicoteadas dos dois ativistas, que “são como seus filhos”, na Presidência da República. Tem toda a razão, senão imaginemos: um ladrão rouba-nos quando estamos a dormir, e só horas depois é que sabemos. 

No fundo é isto que terá acontecido, embora as declarações do presidente ponham em dúvida esta tese: «isto é para todos vermos que nem filho de presidente está em cima da lei. Se alguém não “assegurar a sua boca”, ser-lhe-á assegurada por outros».

Falemos então da discussão renhida sobre a problemática de uso de uniforme e trajes escolares nas escolas. Para professor e jurista e deputado da nação, Nelson Moreira, é de bater as palmas a decisão do Ministro da Educação que determinou que nenhuma escola pública, privada ou de autogestão, na Guiné-Bissau, pode confecionar ou vender uniformes e/ou trajes que não sejam da orientação do seu ministério. 

E segundo Nelson Moreira (que apoia o governo em função, embora não resultante das eleições), o uso de “um uniforme/traje para todos” reduzirá as desigualdades sociais, na medida em que tanto os filhos da gente rica como os da gente não rica, ou pobre, usarão a mesma roupa para ir a escola, o que não permitirá a ninguém exibir as suas roupas de marca. Com isso concordo. 

Mas uma nota: Professor, jurista, advogado do presidente da República e deputado da nação, no mínimo, não faz parte da classe média, se tomarmos em consideração o seu salário enquanto deputado da nação, professor universitário, mais ganhos ainda de advocacia, etecetera. Ele é mais de que uma ficha tripla, como se diz. E o seu posicionamento tem que ter isso em conta. Reparai: não questiono ocupação de muitos cargos por ele, que até é um grande profissional, e acho que é um ganho para o país que tem falta de quadros. Só temo pelas pessoas que o seguem, sobretudo pelos seus alunos…

No fundo, esta sua posição é mesmo que dizer: “mbo, o meu filho, sendo filho de um deputado, jurista, advogado e professor universitário, vai usar o mesmo uniforme que o teu filho, que é filho de uma bideira de Mercado de Bandim. Só não vão a mesma escola, porque o meu vai estudar na Escola Portuguesa, e o teu no Liceu Agostinho Neto.” Reparai: Não sei em que escola estuda o filho de Nelson Moreira, mas todos nós sabemos que ser filho de um deputado (de um professor universitário, jurista e advogado) é sinónimo de ter regalias diferentes de um filho de um agricultor, um feirante, um mecânico, um “cidadão comum… também é sabido quais as diferenças existem entre estudar na Escola Portuguesa, João 23 (entre várias outras de renome e privadas) e estudar no Liceu Nacional Kwame N’krumah, Agostinho Neto (sem falarmos das escolas sediadas no interior do país).

Outro argumento do deputado Nelson sobre esta questão é: os militares têm fardas, que são como seus uniformes. Só que o professor Nelson esqueceu-se de que na Guiné-Bissau não há militares privados, o que é diferente das escolas. Portanto, comparar as fardas dos militares com uniformes dos alunos é um “problema júnior”, e só defende essa posição quem na verdade não entende dos verdadeiros problemas que existem no ensino da Guiné-Bissau. E com isso que não posso concordar, daí a minha incoerência. Porque achar que um *legós vai acabar com desigualdades sociais nas escolas públicas e privadas mais de que investir em melhoramento de condições das mesmas, sobretudo das públicas, piores que as privadas, começando pelas infraestruturas, formação de qualidade dos professores em diferentes áreas, pagamento de salário digno, só pode ser opinião vinda de barracas, a tomar copos de cadju ou aguardente. Também não posso simpatizar com a decisão do ministro da educação, Arsénio Abdulai Jibrilo Baldé, de ensinar a língua árabe como forma de “igualar os filhos dos muçulmanos com os filhos de outras pessoas das outras confissões religiosas”. Da igualdade, não abro a mão. E, felizmente, para o seu plano tosco de igualdade, o presidente diz que vai vetar essa proposta, porque a Guiné-Bissau é um estado laico, ainda que a mesma esteja no programa do governo que o próprio promulgou, segundo afirmam os analistas no Debate Nacional.

Então um paralelismo: deve-se agora é fazer uniformes para todos os ministros, secretários de estado e deputados (talvez para o ano, todos os cidadãos). Contrata-se sete alfaiates que farão sete *sabadoras e sete *mukés para cada um, a ver se alguns deles deixem de usar fatos enormíssimos. Aqui fica a sugestão do ano.

Ah, já me esquecia de dizer que concordo com o advogado Nelson Moreira quando diz que “há muitos marginais que estão na política e que querem mandar nos bons políticos”, e que não aceita que estes mandem nele. Também não aceito. 

Mas a verdade é que, se todos os guineenses se reverem nesta ideia, muitos deputados, ministros… – políticos em geral – vão é para as suas casas. Que diabo, estes marginais!

Ronaldo Mendes

Porto, 12/10/2020

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