Dr. Luís Vicente
A nação precisa refletir sobre a sua dinâmica e desafios
futuros, o que requer, sobretudo, a orientação da sua gestão política para o
bem comum e, por conseguinte, a mobilização das suas lideranças e forças vivas
para uma parceria estratégica saudável e responsável.
Na verdade, assistimos, de algum tempo a esta parte, a evidentes
posicionamentos por parte de atores políticos em virtude da dinâmica que o país
exige. Tal facto é revelador de que não só a componente da abordagem
político-partidária é consagrada a esta ação em particular, mas também de que o
processo de cidadania e participação política que outrora havia sido reservado
ao escrutínio parlamentar e a uma elite específica está a mudar.
O facto de hoje se discutir política em torno da cidadania e
da dinâmica que está assente na participação de todos foi uma grande conquista,
em virtude da vontade de mudança e da necessidade do povo se ouvir e fazer valer
as suas ideias pela liberdade que a democracia lhe reservou. Daí que, presentemente,
muito para além de um diretório político e partidário que define a agenda do
país, o cidadão está mais próximo e mais atento às discussões políticas; intervém
diretamente no sentido de alertar com intento de avaliar “minuto-a-minuto” os posicionamentos dos seus governantes e
autoridades, querendo participar através do exercício da mais importante
ferramenta que a democracia lhe proporciona: a liberdade de se exprimir defendendo os seus ideais de forma coerente
e responsável.
É bem evidente o sentido de responsabilidade na forma como é
vista, hoje, a participação política e o processo de desenvolvimento da nação.
Se o povo exige que não lhe falte energia elétrica durante uma hora isto só
pode ser sinónimo de que experimentou o processo de mudança dentro do espírito
da luta e da defesa da sua condição de cidadão que apenas almeja o seu
bem-estar. Já não se recorda que em quarenta anos de interrupções constantes de
energia lhe restava senão deixar que o Estado, paternalista como sempre, cuidasse
de resolver este problema sem a sua intromissão e preocupação. Se hoje a água jorra
da sua torneira, vindo diretamente de um depósito de abastecimento público,
significa que lutou para que assim fosse, pois há quatro dezenas de anos atrás a
preocupação relativamente a estes aspectos era ínfima. Portanto, o
inconformismo é apanágio de esperança. Tudo isso resulta da conquista de uma
sociedade mais esclarecida e vigilante em relação às dinâmicas políticas e que não
reduz o seu papel a mero espectador mas, sim, participativo e com uma agenda
própria.
O povo voltará a exigir cada vez que lhe faltar a energia elétrica
ou a água, como se de um direito adquirido se tratasse, pelo facto de constatar
que a luta que travou está a produzir resultados concretos no que concerne à satisfação
das suas necessidades quotidianas. Continuará, ainda, a exigir e a fazer valer
as suas preocupações na perspetiva de que possam ser atendidas por quem de
direito. Se em cada demanda de um posto médico não resultar na satisfação da
sua necessidade o Estado será chamado e responsabilizado por não cumprir o seu
papel, outorgado pelo próprio povo e não por um diretório partidário e político.
Tal como defende Rousseau, "cada um de nós coloca a sua
pessoa e sua potência sob a direção suprema da vontade geral”. Assim, no âmbito
do contrato social celebrado entre o cidadão e o Estado, as pessoas abrem mão
de certos direitos com o fim de obter vantagens de ordem social. Ou seja, em
cada cidadão esclarecido existe uma preocupação e vontade de ver o Estado a
assumir cada vez mais responsabilidades, pois a ele cabe realizar certos fins
no exercício do poder político, nomeadamente no âmbito da segurança, da justiça
e do bem-estar social.
Se, por um lado, o cidadão exige que as suas necessidades sejam
satisfeitas, por outro tem a esperança de que quem desempenha cargos de
relevância na sociedade seja portador de sabedoria e de competência para entender
a importância de equilibrar a sua estrutura de poder, conciliando estrategicamente
a abordagem política com os instrumentos de desenvolvimento de que a nação carece.
Tal equilíbrio não significa aceitar, sem nenhum questionamento, o papel de
cada um, a desresponsabilização de quem prevaricou, prescindir do apuramento de
resultados sobre uma decisão que acarretou um bem público, e muito menos sanear
ou condenar as divergências por discordar da opinião de outrem.
Parece-me que o que tem sido feito em prol da nação deve ser
avaliado de forma serena e inteligente, tanto pelos detentores de cargos
públicos como pelo próprio cidadão que tem a obrigação moral de participar em
todo este processo.
Constata-se, em primeiro lugar, que o diferendo que se tem
assistido entre os órgãos de soberania é manifestamente preocupante em termos de
cumprimento estrito do que a Constituição da República prevê. No entanto, a
abordagem que é feita carece de maior cuidado na condenação de tais atos, mesmo
estando munido de autoridade sufragada e legitimada pelo povo. Daí que importa
recordar a alertar para o seguinte: os órgãos de soberania devem fazer refletir
nas suas palavras a vontade do povo confinando-as constitucionalmente e de
forma responsável. Ir para além desse limite é aventurar-se na paródia política
que pode ter consequências imprevisíveis para o próprio povo.
Na verdade, e isto não é segredo para ninguém, tem faltado a concertação
estratégica entre os órgãos de soberania, o que reflete a ausência de
comunicação e definição do melhor rumo para a dignificação da vontade expressa
pelo povo.
Talvez o poder seja ainda visto de forma particular e
específico na óptica de quem o detém e à sua entourage, o que não deixa de ser, porventura, resquício do que tem
sido a nação nos últimos quarenta anos. Por isso, a introdução de sessões de “couching” - recomendo vivamente - podem ajudar
a ultrapassar as divergências no seio de um grupo e criar efeito positivo na
dinâmica que se pretende para qualquer organização. No campo político os
resultados que dessas sessões se podem retirar poderão auxiliar na procura de
respostas para as dificuldades de convivência, tal como revelam os resultados
alcançados por alguns políticos e líderes mundiais que têm recorrido
permanentemente a este treino.
Por último, resta-me apenas deixar o seguinte repto: se um
órgão de soberania ultrapassar a fronteira do poder que a Constituição da República
lhe permite é porque o próprio cidadão tornou isso possível, deixando essa
responsabilidade apenas entregue à representação de quem o elegeu e descurando
o seu papel de guardião do seu próprio destino.
Lisboa,
06-07-2015
Luís
Vicente
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