N'cok Lama, natural da Guiné-Bissau, apresentou no dia 17 do mês corrente, às 14:30, a sua dissertação sobre o tema: A Ideia de Justiça de Amartya Sen: Uma Reflexão Sobre a Teoria de Justiça, no qual, foi aprovado com distinção por unanimidade, obtendo a classificação de 17 valores
Mestrando: N’cok Lama
Apresentação da dissertação sobre o tema: A Ideia de Justiça de Amartya
Sen: Uma Reflexão sobre a Teoria de justiça
Orientado pelo Doutor Diogo Falcão Ferrer, Professor
Associado com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
A composição do Júri:
Presidente do Júri,
Doutor Luís António Ferreira Correia
Umbelino
Professor Auxiliar da Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra
Senhores Vogais
Doutor Alexandre Guilherme Barroso Matos de
Franco de Sá
Professor Auxiliar da Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra
Doutor Diogo Falcão Ferrer
Professor Associado com Agregação da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
O
objetivo da dissertação é pensar a justiça a partir da obra A Ideia de Justiça de Amartya Sen. Na
obra, o autor reflete sobre os vários desafios decorrentes da nossa sociedade,
tendo em conta a pluralidade de razões e a necessidade de um ponto de vista
imparcial, que vá além do paroquialismo das posições. As diferentes razões e
pontos de vista sobre a justiça refletem diferenças de pensamento, e todas elas
abordadas de formas diferenciadas. Para Sen, a necessidade de transcender as
limitações das nossas perspectivas: “requer uma disciplina relativa à
argumentação ética e política, na medida em que, o requisito da imparcialidade
conserva o seu carácter fundamental e inalterável”, porque o espetador
imparcial pode fazer o seu trabalho e ser fonte de esclarecimento sem que, para
isso, deva ser necessariamente o agente de contratos sociais ou utilitarista
camuflado”. (Sen 2010, p. 202)
O
ponto central do trabalho está assente na questão da justiça social à luz das
perspectivas comparativa e transcendental. Uma das principais referências para
a teoria de Justiça de Amartya Sen tem origem na linha de pensamento de Adam
Smith em a Teoria do Sentimentos Morais
de 1759.
De
certa forma, o livro em estudo apresenta-nos um diálogo continuado com a
filosofia, mas com incidência no pensamento de autores cujas obras tiveram
impacto no pensamento económico, como são caso de Adam Smith; Karl Marx e John
Stuart Mill, todos autores da linhagem seguida por Sen. Embora o principal
interlocutor seja Rawls, Sen move-lhe críticas como uma teoria
neocontratualista (p.71), a partir de um enfoque comparativo inspirado nos
autores acima citados. Ao tecer a sua crítica
com base em Smith, Sen não está a acusar Rawls de “paroquialismo”, mas a sua
questão prende-se com a estratégia adotada por este para alcançar a “justiça
como equidade” por meio da posição original.[1] Para
além desse facto, uma grande parte da sua argumentação, sobretudo Formas
de argumentação racional) (pp. 223 – 291), foi orientada para criticar
o modo como as teorias económicas se apropriaram de conceitos filosóficos para
sustentar a questão da justiça. Ao longo da leitura que realizamos da parte
III: (Os Materiais da Justiça) (p.
391), notamos que Amartya fez uma adaptação ao Desenvolvimento como liberdade, nomeadamente no campo da teoria
moral, no qual defendeu que: “o desenvolvimento pode ser visto como processo de
expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam” (Sen 1999, p. 17), na
medida em que a justiça de um ato deve ser medida em termos de sua capacidade
de promover as liberdades, no qual o resultado é uma identificação entre a
justiça e o desenvolvimento.
Para
terminar, Sen estabelece na parte IV uma relação entre o “uso público da razão”
(425) que considera ser condição necessária para justificar a validade de
juízos morais e a noção de “democracia”, entendida como governo baseado na discussão
pública. Todavia o ponto central nesta discussão sobre a teoria moral é a
oposição entre as perspectivas transcendental e comparativa. Para Amartya Sen,
em uma sociedade onde existe uma coexistência de variados interesses, há sempre
uma possibilidade de se gerar um discurso moral polifónico e com valores que,
embora contrastantes, são legítimos. Sen, seguindo a mesma linha de Marx,
admite que a filosofia não deve apenas cingir-se a interpretar a realidade, e
sim, transforma-la (comparação focada em realizações e não em arranjos” (p. 36)
como fez o “institucionalismo transcendental”. Para Sen a principal prioridade
não é preocupar-se com os debates sobre o fundamento último da justiça, mas
preocupa-o antes a existência de uma teoria que seja capaz de orientar decisões
políticas capazes de dar incremento à justiça social. Apesar da oposição entre
as perspectivas transcendental e comparativa que é um ponto central do livro,
Sen não se desvinculou do iluminismo que, segundo ele, é o “caminho da razão” sob
inspiração de Akbar (Imperador muçulmano de orientação iluminista e pluralista
que governou Índia na década de 1590).
O
apelo ao caminho da razão visa mostrar a capacidade que esta instância possui
para ultrapassar as várias confissões religiosas, permitindo uma orientação
pluralista, tolerante e universalista. Esta aproximação de Amartya Sen aos
enfoques neoiluministas de Rawls visam mostrar os pontos de contato e de
distanciamento entre as perspectivas transcendental e comparativa defendida por
Sen. Para Sen a promoção de uma teoria de escolha racional conduz à promoção de
interesses individuais (p. 63). Enquanto os autores da linhagem transcendental
procuram criar teorias com capacidade de resolução de problemas morais, Sen
cria um conjunto de orientação focada em organizar decisões dentro de um
determinado campo, sem se preocupar com a perfeição dos problemas, mas sim em
desenvolver novas formas de avaliação moral, tendo em conta as mudanças
decorrentes nos valores sociais prevalecentes.
Ao se rever na
posição de espetador imparcial mais liberal (imparcialidade aberta), Sen achou
por bem não se aliar às teorias económicas que visam apenas apoiar interesses
individuais voltadas para as questões da escolha racional. Todavia a
particularidade do discurso de Amartya Sen é a apropriação da distinção
clássica da jurisprudência indiana, entre niti
e nyaya, que são palavras diferentes
usadas pelo sânscrito antigo ligado à ideia de justiça. (Sen 2010, p. 59)
A justiça, segundo Sen, deve ser vista segundo duas definições
diferentes, que correspondem a estes dois termos do pensamento hindú. Entre os
principais usos de Niti encontram-se a “justeza organizacional e correção do
comportamento”, como veremos mais abaixo. Nyaya, em contrapartida, designa “um
conceito abrangente de justiça realizada”. Esta distinção é central para a
conceção de Sen, porque mostra que a correção formal das instituições não é,
por si, só, suficiente para definir a justiça, mas é preciso tomar em atenção o
tipo de sociedade onde essas instituições existem.
A justiça formal e a correção abstrata de instituições
perfeitamente justas de nada servem se essas instituições são cegas para o
outro aspeto crucial da justiça, ou seja, a prevalência de relações justas
entre as pessoas e uma sociedade que realiza concretamente e materialmente a
justiça. Sen fala-nos criticamente do Imperador Fernando I que, no séc. XVI,
terá exclamado “Fiat justitia et pereat
mundus” (“faça-se a justiça ainda que o mundo pereça”)
(p. 60).
Portanto, a
apropriação que faz da distinção clássica da jurisprudência indiana, dos termos
niti e nyaya, mostra que Amartya quer orientar uma reflexão que permita
fazer confluir as pessoas de todas as vertentes sociais, no que diz respeito ao
cumprimento da justiça. Ao orientar a sua reflexão para noções hindus
tradicionais, Sen tem como objetivo garantir espaços de avaliação ética que
ultrapassa os limites impostos pelos utilitaristas e tem em conta a extensão de
liberdade, admitindo que “ao fazermos uma avaliação das nossas vidas, temos
boas razões para nos interessarmos, não apenas pelo tipo de vida que
conseguimos levar, mas também pela liberdade de que efetivamente gozamos para
que possamos escolher entre diferentes estilos de vida ou diferentes maneiras
de viver as nossas vidas” (p. 313). Em Platão, o conceito de justiça envolve todo o comportamento do ser
humano. A propria definição de justiça na perspectiva de Platão assume um
caráter antropológico, uma vez que tem em conta o valor humano, fato esse que
nos leva a acreditar que a forma de pensar de Amartya pode de algum modo ser
conduzida a esta concepção antiga. Porque a sua preocupação inscreve-se
também nessa linha de caráter
antropológico, não do homem enquanto ser solitário, mas do homem enquanto ser
socialmente solidário.
Conlusões:
Conclui-se
que a teoria de Amartya Sen apresenta uma importância acrescida para o estudo
da justiça, na medida em que nos permite perceber as orientações da justiça
dentro de um contexto social atual, sobre o que se prende com a realização da
justiça.
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