quinta-feira, 7 de março de 2019

«OPINIÃO» "PENSAMENTO ECONÓMICO GUINEENSE: UM PEQUENO DADO HISTÓRICO" - SANTOS FERNANDES


A par da maioria dos países, outrora, recém-independentes (quer africanos, quer latino-americanos), a Guiné-Bissau adotou, nos anos 1970, uma matriz económica "socialista", logo nos primeiros anos da sua independência, na qual havia enorme intervenção do Estado-partido na economia, por quanto era o Estado o único agente económico e social.

Durante a década de 1970, a Guiné- Bissau dispunha de uma estrutura económica planificada e "centralizada à figura do Estado", ou seja, uma economia desprovida de uma classe empresarial forte à altura do empreendedorismo privado e que pudesse dar corpo e impulsionar a economia nacional, significa que esse Estado tinha o cariz, pura e simplesnente, do açambarcamento de (bens/serviços) do erário público, na medida em que a referida figura do Estado "barrigudo" capturava todo o imaginário económico da "nova nação guineense", através do seu corpo operacional: Armazéns do Povo, Socomi, CUP, DICOL, etc. 

Entretanto, o então produto estratégico de exportação era (Algodão, Amendoim, Coconote, Óleo de palma, entre outros), e, portanto, o Estado chegava a recolher receitas provenientes da exportação dos produtos agrícolas, na ordem de 103 000 000 USD.

E relativamente aos anos 1980, houve uma mudança do regime político, na qual verificou-se a alteração da liderança do Estado-partido, através de golpe de ESTADO, contudo essa mudança a curto prazo não produziu mudanças de fundo.Também, a mesma década de 1980 ficou marcada por algumas reformas estruturantes: (política, legislativa, económica), culminando com uma série de negociações com as instituições de Bretton Woods (BM/FMI), no âmbito do "Programa de Ajustamento Estrutural", destinado aos países recém-independentes e que apresentavam défices e desequilíbrios em relação às suas dívidas públicas, por estas estarem acima das suas capacidades de arrecadação de receitas.

Houve, porém, nesta altura, uma tentativa de financiamento à economia guineense, através do BCN - Banco de Crédito Nacional que se revelou num fracasso, tendo em conta à falta de "cultura financeira" da classe do empresariado guineense, em conluio com o então regime monolítico do PAIGC, que o suportava em forma de paternalismo.

Em 1986, as negociações com Banco Mundial culminaram com a abertura económica e a consequente abertura do mercado guineense.

Todavia, com o advento da Guerra Fria cujo efeito precipitou a queda do muro de Berlim (1989), o modelo económico socialista adotado pela Guiné-Bissau entrou em "crise" e fez renascer um outro modelo da economia do mercado, no qual era suposto que o comércio de bens/serviços/mercadorias seja acessível a toda gente, a Guiné também sentiu os efeitos e os ventos dessa mudança...

Assim sendo, em 1991, através do decreto presidencial do General João Bernardo Vieira 
"Nino", institui-se o liberalismo económico (comercial livre) como modelo económico para fazer face aos novos desafios que o país, ora, enfrentava...

A par da tão propagada "liberalismo económico" abundou-se situações de falta de emprego, falta de centros de formação técnico-profissional, falta de uma planificação voltada à estruturação e fortificação de setor privado que emergia e, como consequência, proliferou-se a informalidade da economia da Guiné-Bissau, em grande parte, devido à "frustração" que o modelo da economia do mercado criou e tem criado, sobretudo, entre as populações jovens (rural e urbana).

No final dos anos 1990, como se não bastasse, houve a nossa adesão da Guiné-Bissau à UEMOA, mercado comum da África Ocidental Francesa, que a trouxe novos desafios (regulação, integração, novos entrantes...).

Outrossim, nos finais dos anos 1980 e princípios dos anos 1990, houve mormente a criação e o surgimento das primeiras empresas privadas na Guiné-Bissau (e.g Geta Bissau SA, Petromar, Euro-Comercial, Totta & Açores, BIGB, Mavegro, etc que coincidiu com o início da produção da castanha-de-cajú, em pequena escala, destinado essencialmente à Portugal e Singapura.

Deste modo, o setor privado começou a contribuir, por exemplo, para o crescimento do consumo privado (das famílias e das empresas/PIB).

Nos anos 2000, por conseguinte, a nossa castanha-de-cajú consolidou-se como o "único" produto estratégico de exportação, sendo a Índia o seu principal mercado que chega a absorver cerca de 90% desse produto.

O sistema financeiro nacional tem arrecadodo todo seu proveito a volta do financiamento à campanha de comercialização da castanha-de-cajú, uma vez que o crédito à economia constitui cerca de 80% dos resultados líquidos da banca.

Em relação aos anos 2010, houve, digamos assim, a consolidação da "monocultura e a monodependência" da castanha-de-cajú, considerando que a nossa exportação atingira o volume de 200.000 toneladas/ano, gerando receitas de centenas e milhões de dólares (USD).

Nao obstante a Guiné-Bissau continuar a revelar-se "incapaz" de transformar ao menos 5% da quantidade anualmente produzida de castanha-de-cajú...!

No entanto, recentemente, fala-se, um pouco por toda África, da "imperiosa necessidade" da diversificação das nossas economias, por forma à evitar a dependência de um único produto e, no entanto, tirar melhor proveito dos nossos recursos naturais que constituem cerca 40% do nosso PIB.

Contudo a diversificação da economia não se deve limitar só e apenas aos produtos agrícolas mas, quiçá, aos setores de serviços e da industrialização, com o propósito de criação de mais valias, mão-de-obra e emprego, sobretudo, a favor dosnnossos jovens e mulheres (60% e 52% da nossa população, respectivamente).

Ora, a criação de mecanismos de financiamento para fazer face às necessidades da diversificação económica, tornou-se precioso visando à dinamização das nossas economias. E, portanto, os programas e as estrategias devem e precisam ser direcionados neste caminho.

Em suma e em jeito de reavivar e reanimar nossa memória coletiva, em tempos de "propaganda político-eleitoral", eis a síntese de um pequeno exercício sobre a situação, não menos importante da nossa história económica, que me oferece investigar, sistematizar e divulgar sobre o pensamento económico guineense...!

Santos Fernandes (economista guineense)

Apenas uma opinião! 

SF

Bissau, 7/3/2019

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