quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Guiné-Bissau e Cabo Verde, um novo começo

 

Professores, pilotos aviadores, técnicos de várias especialidades, empreendedores do pequeno comércio ... - configurando, ao longo das últimas décadas, um espectro largo que inclui, como se pode facilmente constatar -, pessoas desde as mais qualificadas profissionalmente até aos trabalhadores menos qualificados, é este, em traços largos, o perfil socioprofissional da comunidade guineense radicada em Cabo Verde.

Em contas aproximadas, estima-se que sejam mais de dez mil o número de guineenses que escolheram Cabo Verde para viver, trabalhar, proteger a família. Ouvi dizer que, numericamente, é a primeira comunidade imigrante em terras cabo-verdianas, o que já diz muito.  Ora, tratando-se de um pequeno país (medido pela dimensão da sua população) não será exagerado reconhecer alguma relevância económica resultante deste fluxo migratório guineense direcionado para Cabo Verde.

Curiosamente, esta mobilidade da força de trabalho guineense e sua paulatina inserção e sedimentação social em Cabo Verde, contrastou muito com a cristalização de relações políticas e diplomáticas a um nível claramente insatisfatório. É um défice que travou o desenvolvimento de mecanismos institucionais de cooperação, máxime, de construção de parcerias, públicas, privadas, socioculturais, mutuamente vantajosas.  

É certo que, no andamento das relações guinéo-cabo-verdianas nos últimos quarenta e cinco anos, houve de tudo: altos e baixos, registos de empenhamento militante ou, mais pesadamente, aquela inércia prolongada de deixar andar as coisas ao “sabor dos ventos”. Contudo, o momento promissor que estamos hoje a atravessar, não é propriamente de fazer balanços, nem de tecer críticas ou, menos ainda, de proferir recriminações, não. Embora contem sempre as lições da história das últimas décadas, porém, não é, seguramente, com a matéria desse passado que os novos tempos se vão construir.

Presume-se, contudo, que, a um dado momento, terá havido algum excesso de partidarização politica das relações entre os dois Estados, o que – como não raras vezes acontece -, acabaria por inibir muita coisa de parte a parte. Diga-se, contrariamente às boas intenções, aliás, indiscutíveis, de relançamento institucional de relações bilaterais, então, longamente congeladas.

A importância desta visita presidencial – cujo mérito tem de ser inteiramente creditado aos Presidentes Úmaro Sissocó Embaló e Jorge Carlos Fonseca -, deve-se ao facto simples, mas expressivo, de se ter conseguido estabelecer um novo começo. Que se quer não apenas promissor – porque já o é -, mas que seja realmente catalisador de relações guinéo-cabo-verdianas profícuas, porém, devendo ser cuidadosamente protegidas de agendas partidárias redutoras ou de monopólios ideológicos contraproducentes. 

Visto deste ângulo, o evento que os Presidentes da Guiné-Bissau e de Cabo Verde souberam protagonizar em Bissau, – porque não dizê-lo? -, anuncia a “idade adulta” no relacionamento entre os dois Estados, agora focados inteiramente na construção do presente e do futuro de cooperação e de relações económicas mutuamente vantajosas. O Comunicado Conjunto apontou o caminho. A vontade política das partes será decisiva, mas algum pragmatismo inteligente vai sempre fazer diferença. Agora, têm a palavra os governos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde...

Bissau, 1 de fevereiro de 2021                                                      

F. Delfim da Silva  

nô pintcha


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