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Tal como é importante rever
os mecanismos de produtividade e eficiência da administração pública também é
necessário definir a visão e perspetiva de enquadramento no modelo de Estado que
mais se ajusta ao país tendo em conta a função bem estar-social das populações.
Mas, vamos por partes…
As recentes declarações
do responsável pela pasta das Finanças não são indiferentes às preocupações em
matéria de governação e das políticas públicas face aos desafios que o país tem
pela frente, quando refere, cito: (…) “a
existência de funcionários públicos a mais e sem qualificações…o que
impossibilita aumentos dos salários nos próximos tempos...o caminho passa pelo
saneamento do pessoal sem qualificação para desta forma pensar-se nos aumentos
salariais” (...), in Lusa, 05/05/2015.
Na verdade, os encargos
com a administração pública no Orçamento de Estado e na despesa pública são
enormes e, consequentemente, o Estado consome mais de metade da riqueza
nacional produzida. Por um lado, há que emagrecer e redefinir as funções de
Estado que se pretende que deixem de ser executadas e financiadas pelo Estado. Mas,
a ideia não é a de que o Estado deixaria de ser responsável por essas funções,
mas a de que as conseguiria melhor e mais barata.
Contudo, é importante
não fazer a confusão entre funções do Estado e inoperância ou ineficiência
entre departamentos do Estado, mas isso não é função do Estado, parece-se mais
com criar "jobs for the boys"
para justificar a dimensão dos quadros de pessoal que são a verdadeira dimensão
do poder dos dirigentes da administração e governantes.
São várias as funções
que podem ser atribuídas ao Estado, desde a regulação do sistema económico e da
provisão de bens públicos até à redistribuição e intervenção direta na economia.
Das três funções básicas, enumeradas por Adam Smith - defesa, administração da
justiça e provisão de “bens públicos” - até aos sistemas de direção central,
várias têm sido as responsabilidades e funções atribuídas ao Estado. Como e
onde intervir continua ainda a ser foco de discussão entre políticos e
economistas. Porém, deixarei para as próximas reflexões a dissertação sobre as
fronteiras do poder, entre a economia e intervenção política.
Quanto à administração
pública propriamente dita, esta é uma realidade vasta e complexa, como tal, é
entendida num duplo sentido. No sentido orgânico, é o sistema de órgãos,
serviços e agentes do Estado e de outras entidades públicas que visam a
satisfação regular e contínua das necessidades coletivas; no sentido
material, a administração pública é a própria atividade desenvolvida por
aqueles órgãos, serviços e agentes. Portanto, não se pode dissociar a
responsabilidade da atividade pública das funções do Estado uma vez que ela é o
instrumento para cumprimento dos objetivos do próprio Estado por via da
regulamentação e do ordenamento da atividade administrativa.
Falar da reforma, é
necessária sem dúvida mas deve começar, antes de mais, pelo Estado tendo em
conta a importância que deve ser dada o ordenamento jurídico sobre administração
pública, bem como as existências a nível constitucional e a nível legal. Daí
que, tal como defende Ana Carvalho, em Coletânea de Legislação Administrativa
(2007), é apontada a necessidade
de regulamentação da administração pública no que diz respeito à organização
que a sustenta - normas orgânicas; às relações que se estabelecem ou possam
estabelecer com outras entidades mas em especial com os administrados - normas
relacionais; e à atuação que se lhe impõe no cumprimento dessa sua missão, em
sentido lato, de satisfação das necessidades da comunidade em que se insere -
normas procedimentais.
Isto porque, continua…,
Por um lado, constata-se que na
Constituição da República da Guiné-Bissau faltam ainda diversas normas e
sobretudo princípios sobre funcionamento e atividade administrativa e uma
carência grave em matéria de garantias dos administrados. Por outro, a
Constituição guineense não consagra a Administração Indireta mas existe uma Lei
das Bases Gerais das Empresas de Capitais Públicos, o que permite afirmar que,
na realidade, existe uma administração pública tripartida, ou seja, central ou
direta, indireta e autónoma. Tal tripartição não resulta portanto da
Constituição mas confirma-se que verdadeiramente existem entidades
juridicamente distintas do Estado que desenvolvem uma atividade materialmente
estadual.
Uma outra situação verificada, no
sentido do elemento humano que integra a administração pública, deparou-se com
o Estatuto do Pessoal Dirigente da Função Pública, com o Estatuto do Pessoal da
Administração Pública e com o Estatuto Disciplinar dos Serviços da
Administração Pública, leis, todas elas,
da década de 90, que reduzem as carências nessa matéria em termos
legislativos, muito embora falta sobretudo a efetividade prática, ou seja a
implementação e gestão. Significa isto que existe uma carência grave sobre
procedimento administrativo. Fim de
citação.
Concluindo, não existe, neste momento,
um diploma que regule de forma global, sistemática e coerente o modo de
proceder da administração pública perante os particulares, o que se traduz na
vigência de ambiguidades que prejudicam os particulares e põem em causa um bom
e regular funcionamento da Administração.
É, ainda, de assinalar a insuficiência
do Direito por si só para pôr e manter em funcionamento uma Administração
Pública eficaz, eficiente, capaz de responder a todas as questões que lhe são
colocadas. Portanto, melhorar o funcionamento da administração pública passa
também por uma abordagem prática, boa legislação e muito boa vontade política.
Em segundo lugar, é notório que a
administração pública guineense padece de enfermidade grave que já vem de há
muitos e longos anos, não de agora, tal como descreve o então responsável da pasta
da Função Pública, Trabalho e Modernização do Estado em 2011, cito: (…) “o maior handicap da nossa administração
pública é que não se apura responsabilidades, não se faz avaliação para saber
quem trabalha e quem não trabalha, as promoções são feitas de forma
discriminatória ao prazer das amizades, do clientelismo, de favores políticos…isso
tem que acabar na nossa administração pública…temos que selecionar, temos que
abrir espaço só para os mais competentes, mais capazes de dar a sua
contribuição nesta fase do nosso desenvolvimento” (…), in Gazeta de
Notícias (02/03/2011).
Se bem recordam, com a entrada da
Guiné-Bissau na UEMOA, em 1997, foram definidas regras de reforma da
administração pública, mas que não chegaram a ser efetivamente implementadas em
virtude do conflito militar de 1998. Mais tarde, em 2002 e 2005 respetivamente,
foram produzidos os primeiros programas de reforma da administração pública e o
plano estratégico da reforma da administração pública, mas nunca chegaram a ser
implementados, nem materializados.
Em 2008 deu-se o primeiro passo para a
capacitação institucional do país através do programa PARAP – Projeto de Apoio
à Reforma da Administração Pública - cujo diagnóstico da situação apresentava o
cenário que transcrevo: (…) administração
pública com cerca de 12 mil pessoas, um grande desfasamento face às receitas
previstas no orçamento de Estado; mais de 2600 funcionários eram excendentários
e 1600 analfabetos funcionais; crescimento da despesa pública a um ritmo
assustador, essencialmente devido ao peso da massa salarial (133,5%) que ultrapassa
as receitas fiscais, situação devidamente insustentável; uma administração
pública opaca, de difícil acesso, distante, centralizada, desestruturada, não
qualificável, não credível, ineficaz, não responsável e não prestava contas. E
mais, o próprio Estado também não cumpria com as suas obrigações o que permitia
aos funcionários públicos invocassem esse não cumprimento para justificarem a
sua inercia” (…).
Bem, como é do conhecimento público, o
PARAP que decorreu entre os anos 2008 e 2011 era um importante projeto de
reforma da administração pública que beneficiou de cerca de 6,5 milhões de
euros por parte da União Europeia para a reforma da administração pública da
Guiné-Bissau. No entanto, de acordo com o relatório publicado no ano seguinte, o
então Ministro da tutela referia, cito: (…) “o
projeto foi mal desenhado e mal concebido e os resultados estão aquém das
expectativas” (…), in Gazeta de Notícias (31/10/2012).
Em termos práticos, desenvolveu-se um
conjunto de procedimentos e gerou-se uma panóplia de propostas que não deram o corpo
ao projeto na sua plenitude, acabando por ser abandonado tal como se pode ler
ainda na entrevista supracitada (…) “durante todo esse tempo houve vários
projetos de diploma de modernização e inovação da administração pública
elaborados pela consultoria, mas nenhum desses diplomas, infelizmente, foi
aprovado durante a vigência do projeto” (…). Cometidos ou falta de zelo, mas raramente alguém é
chamado à responsabilidade. Por isso a culpa morre solteira e
todos pagam por isso.
Ora bem, os pressupostos de qualquer
reforma são e necessariamente a vontade política. Se não houver vontade
política não há reforma da administração pública. No entanto, para se verificar
uma reforma séria tem de haver a definição de uma visão, ou seja, que Estado é
que se pretende, que administração pública é que se pretende e que compromisso
partilhado é que se pretende tendo em conta a visão de longo prazo. Não se pode
fazer uma reforma por impulso e desfasada da realidade do País.
A reforma da administração pública é uma
realidade transversal a todo o Estado e implica necessariamente uma articulação
com a própria reforma do Estado e revisão das funções associadas. É um processo
contínuo e não se esgota precisamente porque importa dar resposta às questões
de ordem política e orçamental. Por exemplo, não pode haver redução de efetivos
sem ter em conta as funções do Estado e, também, sem ter em conta a dimensão
dos ministérios e de secretarias de estado.
Por último, é importante rever o papel
dos dirigentes. A excelência de uma administração depende dos seus dirigentes e
da forma como eles são recrutados. É importante esclarecer, no debate que se
pretende levar no âmbito da reforma da administração pública, se a escolha dos
dirigentes deverá ser por critérios políticos e partidários ou por critérios de
competência.
“Não
existem países subdesenvolvidos. Existem países sub administrados”. (Peter
Drucker)
Lisboa, 07-05-2015
Luís Vicente
Pós-graduado
em Administração e Políticas Públicas e em Finanças Públicas e Gestão
Orçamental.
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