quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

"O FUTURO DA NAÇÃO ESTÁ NAS MÃOS DOS GUINEENSES"

Avancemos, juntemos as nossas energias para libertar a descrença que nos ofusca a alma e gritemos bem alto que é hora de caminharmos de mãos dadas rumo ao progresso e ao desenvolvimento da nação. E caminharmos de mãos dadas significa estarmos todos juntos, todo o povo da Guiné Bissau, que inclui uma larga diáspora de guineenses além-mundo e que hoje, através das redes em que estão inseridos, representam de forma indispensável a nação na comunidade internacional.

Tenho lido algumas reflexões, análises políticas, comentários e observações sobre a situação política atual no que se refere à concertação estratégica entre os órgãos de soberania e apraz-me, a propósito, tecer algumas considerações. Porém, antes de mais, seja-me permitido partilhar um sentimento que me extravasa a alma e me impele para uma reflexão sobre o posicionamento do cidadão comum e sua participação na esfera política, bem como na discussão dos reais problemas em que se assenta o edifício da democracia e, consequentemente, o estado da Nação.

Afirmava eu, em tempos, que não faria questão de trazer para o debate público manifestação de estados de alma e de preocupações que me levaram a assumir determinadas posições, às vezes radicais, junto de algumas instituições internacionais, sobre o processo em que o nosso país se encontrava na sequência da suspensão das relações de cooperação motivada pela interrupção da ordem constitucional. Partilho essa preocupação por um dever moral e, também, pelo facto de não suportar a privação de consciência que, na verdade, se trata da “prisão sem grades” mais letal com que um ser humano se pode confrontar. Aliás, trago este assunto aqui por entender que os exemplos do passado não abonam em nada o princípio de uma cooperação estreita com os nossos parceiros, porquanto entenderem que os sucessivos problemas institucionais deixarão dúvidas e estigmas nas relações com tais entidades, francamente indispensáveis ao desenvolvimento da Guiné-Bissau.

Apresentarei, pois, exemplos de situações com que me deparei, durante o período sabático de quebra de relações de cooperação com alguns parceiros da Guiné-Bissau, em variadíssimas reuniões ocorridas, na tentativa de alertar essas mesmas entidades que o povo e o país não deveriam ser esquecidos pela comunidade internacional. Porém, durante esse período, tive a oportunidade de me reunir, por iniciativa própria, às vezes sozinho ou acompanhado, com várias individualidades, entidades oficiais e internacionais, para falar sobre o processo da Guiné-Bissau. Estas iniciativas incluíram também o envio de mails e troca de variadíssimas correspondências sobre o assunto. Resumidamente, em tais encontros, as conclusões foram praticamente no mesmo sentido. Ou seja, cito, como exemplo (…) “acompanhamos com muita atenção e preocupação o processo de reflexão sobre o futuro da Guiné-Bissau e do seu povo. Infelizmente, não se pode reativar quaisquer relações sem uma definição clara por parte dos seus agentes e responsáveis da situação política, democrática e estabilidade necessárias para o arranque da cooperação” (…). E mais! (…) “fazemos votos que corra tudo bem, esta é uma tarefa hercúlea que requer persistência e vontade do povo guineense” (…). Nada mais, apenas boa vontade demonstrada, nada a acrescentar.

Na verdade, em 41 anos de história como cidadão de um país que se tornou independente, após uma luta armada gloriosa, em que muitos combatentes sacrificaram as suas vidas pela liberdade de eu estar aqui hoje a escrever, é triste e lamentável constatar esse facto. Porém, não tomei como definitivo o posicionamento das instituições sem antes dar o meu ponto de vista e argumentar em sede da defesa da pátria, que é a obrigação de qualquer cidadão, aliás, ninguém precisa de ter mandato outorgado para cumprir esse dever de cidadania.

No entanto, apercebi-me que somos NÓS, antes de mais NÓS, o povo guineense, que temos o dever e a obrigação de equacionar os nossos problemas a fim de figurarmos definitivamente como partes da solução dos problemas com que o nosso país tem vindo a debater-se, de modo recorrente, nos seus quase 41 anos de existência como Estado independente, requerendo de NÓS, por isso mesmo, uma união fraterna, com vista a ambicionada mudança de paradigma e, a identificação, tanto quanto possível, das vias promissoras que o país merece. Defendo essa tese, mais ainda porque constato que parceiro algum procurará ir ao encontro da Guiné-Bissau caso persistirmos na manutenção do risco de adiamento da nação e das reformas políticas e públicas que se pretendem urgentemente.

Sempre assumi que o país percorre o caminho do desenvolvimento apenas com a estabilidade política, governativa e sentido de Estado, numa ampla estratégia de concertação entre os Órgãos de Soberania. Aliás, esse desenvolvimento é desejável e só alcançável com a responsabilidade e competência dos seus atores e, elevada cultura de Estado, numa ótica de participação através de uma equipa coesa, responsável e capaz, com energia e vontade de vincar no processo de desenvolvimento. É desígnio de todos os órgãos de soberania defesa dos interesses do povo.

Em boa verdade, as eleições gerais de 2014 reacenderam o espírito patriótico que “quase” se havia extinguido do coração dos guineenses, assumindo-se como uma oportunidade de afirmação da nação. Creio que assim será, não há como travar esse ímpeto vitorioso, pois o povo votou e fez a sua escolha recair na elite que pretende ser o exemplo e referência, com especial enfoque, para a sua juventude que, através dela, projetará as suas ambições e o desejo de um país com futuro e de oportunidades para todos.

Depois das eleições tive a oportunidade de regressar à pátria-mãe para me inteirar da retoma democrática e estar junto dos intervenientes no processo. Reúne-me com o Primeiro-Ministro de Transição, também, com um Alto Membro da estrutura Militar, com o atual Primeiro-Ministro (antes da sua tomada de posse), com o Presidente da Assembleia Nacional Popular, com organismos internacionais, caso do Embaixador Delegado da União Europeia na Guiné-Bissau e do Deputado do Parlamento Britânico para os assuntos da Guiné-Bissau. Não tive o privilégio e a honra de me reunir com o Presidente da República por, na altura, não se encontrar no País, em virtude da sua apertada agenda no âmbito dos contactos para a retoma da cooperação com os parceiros internacionais, e que tão relevantes frutos trouxe para a nossa terra, graças à Magistratura de influência exercida por S. Exa. junto dos parceiros regionais.

Em todas essas reuniões havia uma preocupação latente: unidade, coesão e urgência no estabelecimento das prioridades para o arranque do país, bem como reorganização do aparelho do Estado e resolução do programa de urgência e concertação com os parceiros internacionais.

Mais tarde, a convite, tão só, da Assembleia Nacional Popular e, também, da Região de Quinara, atendendo à minha experiência em administração e políticas públicas, desenvolvimento regional e local, gestão de projetos e financiamentos, fui convidado e mandatado publicamente por essas duas entidades para apresentar ideias, projetos, parcerias e geminações, bem como soluções de financiamento, conforme descrevo no meu recente livro sobre a “Reinvenção da Governabilidade e Equilíbrio de poder na Guiné-Bissau”, algo que fiz com muito gosto, responsabilidade e sentido de Estado. É inquestionável o potencial contributivo e o importante papel que a diáspora pode e deve ter no devir da Guiné-Bissau, devendo dar o seu contributo de forma séria e responsável, não precisando para o efeito de tomar parte de qualquer estrutura do Estado ou de ser remunerado para esse fim. Saliento o facto de que todo o trabalho foi desenvolvido a título totalmente gratuito, sem quaisquer encargos ou custos para o erário público. Ao governo, que na altura não era governo, pois ainda não tinha sido constituído, sugeri, tal como muitos compatriotas nossos, várias ideias de projetos, que espero um dia ver implementados com sucesso na minha terra, contribuindo para o desenvolvimento do povo da Guiné-Bissau. Tais projetos constam do livro atrás citado.

Na verdade sou otimista por natureza e não entrego de bandeja as minhas convicções e certezas, confesso que hoje vejo as coisas a acontecerem, a evoluírem; existe um engajamento por parte das autoridades nacionais; uma aproximação cada vez mais estreita dos parceiros da Guiné-Bissau; um documento com a visão estratégica para o país, que aliás se pretende discutir com os organismos doadores, incluindo a comunidade internacional; um Presidente da República atento e preocupado, que alerta para as questões da justiça e do combate à corrução, que apela para o debate e participação cívica; um Presidente da ANP que fala na questão da revisão constitucional e de criação da comissão nacional para consolidação da Paz na Guiné-Bissau, que fala ainda em ter mais presente os parlamentares na discussão dos assuntos estratégicos do país; um Primeiro-Ministro preocupado em fazer uma arquitetura institucional que seja singular e próprio da dimensão do país; um Povo com vontade de ver a sua pátria a caminhar rumo ao desenvolvimento; resta-me dizer apenas o seguinte: AVANCEMOS, JUNTEMOS AS NOSSAS ENERGIAS PARA LIBERTAR A DESCRENÇA QUE NOS OFUSCA A ALMA.

Porventura muitos dir-me-ão que as coisas não são bem assim, que existe um poder paradoxal que impele os homens no sentido contrário à sua vontade, que o próprio sentido de poder torna embriagante quem a detém. A esses dir-lhes-ei: de passados conturbados estamos cansados, resta-nos apenas unir as forças, criar consensos, “Nô Miti Mon Na Lama” como nos diz o PR e levar o barco a bom porto. É isso que esperamos dos nossos dirigentes, governantes e políticos, cada um contribuindo à sua maneira e de forma positiva. A luta política deve existir sem dúvida, é importante que exista mas com concertação e procura do melhor caminho para a pátria. É este o nosso futuro comum. É este o caminho para o desenvolvimento do povo da Guiné-Bissau.
Lisboa, 19 de fevereiro de 2015.

Luís Vicente

Sem comentários:

Enviar um comentário