segunda-feira, 7 de abril de 2025

Bolama entre paraíso e caos: REDES CRIMINOSAS UTILIZAM ARQUEPELAGÓ DOS BIJAGÓS COMO “PORTO SEGURO” PARA A EMIGRAÇÃO CLANDESTINA


[REPORTAGEM] Redes criminosas aproveitam-se do isolamento e da ausência total de forças de segurança no Arquipélago dos Bijagos para transformá-lo num santuário de emigração clandestina, utilizando portos improvisados dos pescadores locais para embarcar as pessoas que desesperadamente pretendem chegar à Europa, por via da Espanha, de forma clandestina, em busca de uma vida melhor.

O arquipélago dos Bijagós é constituído por 88 ilhas e ilhéus, sendo a maioria despovoada. Algumas ilhas estão completamente desertas em termos de controlo pelas forças de segurança, que também se queixam de falta de embarcações (botes) para fiscalizar a região, razão pela qual é utilizada pelas redes criminosas para as suas atividades.

A nossa equipa de reportagem apurou junto das autoridades locais, do poder tradicional e das organizações não governamentais que operam na região de Bolama, sobre a utilização do Arquipélago pelas redes criminosas como rota movimentada há muito tempo para a emigração clandestina. Este facto foi confirmado por um responsável da associação dos pescadores e também pelo chefe da aldeia de São João, na parte continental de Bolama, que confirmou que, antes da primeira operação desencadeada pelas forças de segurança na sua aldeia, na qual foram apreendidos mais de três dezenas de emigrantes clandestinos e elementos da rede em novembro de 2023, a rede de emigração clandestina já tinha embarcado dois ou mais grupos de emigrantes clandestinos no porto de São João.

REDE DE EMIGRAÇÃO PENETRA NO CORAÇÃO DO ARQUIPÉLAGO À PROCURA DO NOVO PORTO SEGURO

A delegacia marítima e a brigada costeira do setor de Caravela apreenderam, no sábado, 29 de março último, um grupo de 90 emigrantes clandestinos numa piroga que tinha como destino Espanha (Europa). A imprensa nacional noticiou que, deste número de 90 emigrantes clandestinos, 4 são cidadãos guineenses, 66 são da Guiné-Conacri e 20 do Senegal.

Uma fonte do serviço de segurança na região de Bolama informou à nossa equipa de reportagem que a canoa intercetada em Caravela por elementos da guarda costeira, tinha a bordo um total de 75 pessoas que pretendiam emigrar para a Espanha de forma clandestina. Deste número, 60 foram transportadas no mesmo dia para a capital, Bissau, e os restantes 15 saíram no dia seguinte também para Bissau.

A fonte avançou que estes emigrantes clandestinos foram agrupados na aldeia de Correti, uma das tabancas (ilhas) que fazem parte da secção de Caravela. A aldeia de Correti, de acordo com a nossa fonte, dista 18 quilómetros do centro da cidade de Caravela, afirmando que a aldeia está totalmente isolada e com pouca movimentação de pessoas, sobretudo no interior, nas matas. Esta situação explica por que razão a rede utilizou a costa da ilha (aldeia), no fundo da mata, como porto improvisado para embarcar os seus clientes.

Ainda de acordo com a explicação da nossa fonte, cada candidato à emigração clandestina pagou à rede uma soma de 500 mil francos CFA.

PORTO DE PESCA DE BANDIM É O CENTRO DE RECRUTAMENTO DE EMIGRANTES CLANDESTINOS

Uma fonte do serviço de segurança confidenciou à nossa reportagem que a rede dispõe de uma vasta estrutura e de colaboradores que recrutam candidatos à emigração clandestina em diferentes zonas do país, garantindo-lhes que a rede possui uma estrutura segura e que já levou dezenas ou centenas de pessoas para a Europa.

“Muitas vezes, conseguem estabelecer contactos com as pessoas que conseguiram entrar para confirmar que uma determinada rede é segura e que podem pagar o valor solicitado. Às vezes, são as próprias pessoas que conseguiram entrar é que indicam os seus familiares e amigos a entrar em contacto com a rede, porque é segura. A rede tem os seus colaboradores que reúnem os candidatos à emigração em diferentes pontos, sendo um dos principais locais de recrutamento o porto de pesca de Bandim, o mercado de Bandim e outros mercados”, contou a nossa fonte.

Explicou, durante a conversa mantida por telefone, que, geralmente, os candidatos são cidadãos estrangeiros, a maioria dos quais é originária da Guiné-Conacri, Senegal, Serra Leoa e um número considerável de jovens guineenses com o sonho de emigrar para a Europa.

Um membro de uma estrutura de pescadores nacional confirmou a movimentação de elementos da rede no porto de Bandim, acrescentando que os jovens pescadores, escamadores de peixes e vendedores de café que, na sua maioria, são da Guiné-Conacri e também do Senegal, estão entre os maiores clientes da rede, “porque estes têm o sonho de emigrar para a Europa a procura de melhores condições de vida”.

“Estes jovens conversam com os seus colegas que conseguiram chegar à Europa por esta via clandestina e alguns até embarcaram a partir do nosso país e nas zonas da ilha, por isso sentem coragem de tirar o dinheiro angariado para pagar a viagem”, revelou o pescador.

Um responsável do serviço de informação contactado pela nossa equipa de reportagem para falar sobre a forma como funciona a estrutura da rede e se é dirigida por cidadãos nacionais ou estrangeiros, escusou-se a comentar abertamente sobre o assunto, por não ter sido autorizado pelos seus superiores a debruçar-se sobre a matéria.

Em anonimato, explicou que, geralmente, as redes são dirigidas por cidadãos estrangeiros dos países vizinhos, que trabalham em estreita colaboração com cidadãos nacionais. Sublinhou que, no caso da ilha de Bolama, a rede estabelece contactos com os habitantes locais que, na sua maioria, são pescadores e conhecem bem o terreno, além de terem muita experiência em pilotar pirogas.

A fonte lembrou que, em novembro de 2023, uma força-tarefa da Polícia de Investigação Criminal, da Ordem Pública e da Guarda Nacional desmantelou uma rede de emigração clandestina em Sandjon, onde se concentraram 40 pessoas que pretendiam emigrar para a Europa de forma clandestina. Informou que a força-tarefa conseguiu apreender 36 pessoas, enquanto quatro fugiram.

Deste grupo de 36 emigrantes clandestinos, constavam cidadãos da Guiné-Bissau, da Guiné-Conacri e da Gâmbia. Os responsáveis por esta rede foram identificados pelas autoridades: Ussumane, de nacionalidade senegalesa, Braima e Dumbia, da Guiné-Conacri.

“Ussumane recebeu uma soma total de 3.420.000 FCFA, valor total das pessoas que pagaram nas suas mãos. Dumbia recebeu 5.182.000 FCFA e Braima, uma soma de 4.156.000 FCFA”, confidenciou a nossa fonte, através de um documento consultado pela nossa reportagem, sem, no entanto, avançar com mais pormenores sobre o assunto ou se os respetivos valores foram recuperados para devolver aos seus donos.

REDE RECRUTA MARINHEIROS PESCADORES COM EXPERIÊNCIA E CONHECIMENTOS DO MAR E DO GPS

Uma fonte da capitania numa das ilhas contactada pela nossa equipa de reportagem informou que, apesar de a rede se interessar mais pelo dinheiro do que por accionar mecanismos necessários para cuidar da vida dos seus clientes, geralmente prefere recrutar marinheiros com muita experiência e conhecimento do mar e do GPS para pilotar as canoas.

“Essas pessoas interessam-se apenas por dinheiro, pois nem se preocupam em garantir os coletes de salvavidas para os seus clientes (emigrantes clandestinos), pois, no final, todos são descartáveis. A piroga, quando vai não volta, e os próprios marinheiros também não volta, por isso, recrutam marinheiros que também têm interesse de emigrar para a Europa, preferencialmente pessoas com muita experiência de navegação”, contou a nossa fonte acrescentando, neste particular, que os marinheiros estão isentos de pagar o valor estipulado para a viagem, “porque a partida é paga com a sua vida e o seu sacrifício de pilotar a piroga”.

Esse facto foi confirmado por um jovem pescador de uma das ilhas que constituem o setor de Bubaque que, durante a conversa telefónica, disse ter sido contactado pelo amigo do seu colega, perguntando se estaria disponível para conduzir uma piroga com mais de 50 clandestinos para a Espanha.

“Disse à pessoa que não tinha dinheiro para custear a viagem, então ele me disse que não iria pagar nada e que apenas iria dirigir a piroga até ao destino. Pedi-lhes se poderiam dar um certo valor em dinheiro para que eu deixasse com a minha esposa, que estava grávida de cinco meses, para se alimentar, juntamente com os meus três filhos, mas recusaram, alegando que não tinham esse dinheiro. Eu também tenho o sonho de emigrar à procura de uma vida melhor, mas, na altura, não podia assumir o risco de deixar a minha esposa grávida e doente com os meus filhos sozinhos, porque ninguém sabe o que poderia acontecer…”, contou.

Informou que falou com ele durante alguns dias e depois deixaram de o contratar, mas ficou a saber que aquele grupo partiu e que a piroga foi conduzida por um “Nhominca” (pescador senegalês).

“Não sei se conseguiram entrar em Espanha, mas provavelmente entraram, porque não ouvimos nada até hoje”, disse.

Questionado se for contactado novamente, se aceitaria o convite, respondeu que tudo depende (…), mas afiançou que, à semelhança de qualquer jovem pobre, tem o sonho de emigrar para a Europa…


COMITÉ DA ALDEIA CONFIRMA A UTILIZAÇÃO DE PORTO DE SÃO JOÃO PARA EMIGRAÇÃO CLANDESTINA

O comité adjunto da secção de São João, Janilson Armando Cali, confirmou à nossa equipa de reportagem que o porto da sua tabanca tem sido utilizado, nos últimos tempos, para embarcar emigrantes clandestinos, que, segundo a sua explicação, chegam à aldeia como simples trabalhadores ou pessoas que se dirigem à cidade de Bolama.

“A apreensão feita em novembro de 2023 não foi a primeira vez que estas pessoas utilizaram o nosso porto para viajar. Havia um grupo de mais de 20 pessoas reunidas aqui e, após alguns dias, partiram em direção à Europa, mas não sabemos se conseguiram entrar ou não. A única coisa que sei é que, depois daquele grupo, houve outro grupo de mais de 50 pessoas concentradas na nossa tabanca à espera de uma canoa para viajar, mas foram descobertas pelas autoridades, que desencadearam uma operação para desmantelar a rede e fizeram a apreensão de cerca de 40 pessoas. Naquela operação, alguns jovens conseguiram fugir e entrar nas matas”, disse.

Um professor da secção de São João afirmou à nossa reportagem que a movimentação que se regista no porto de São João é assustadora e preocupa muito os habitantes locais. Acrescentou que muitas pessoas utilizam o porto para travessias a qualquer hora, mesmo de madrugada sem, no entanto, saber o que as pessoas carregam ou descarregam.

“Muitas coisas ocorrem neste porto sem o conhecimento dos habitantes das tabancas e nem mesmo as autoridades têm controle sobre este porto. Muitas coisas acontecem aqui e creio que nós mesmos não temos noção o que acontece neste porto…”, contou, exortando o governo a colocar forças de guarda costeira no porto que, no seu entender, deve servir não só para combater a emigração clandestina, mas tambem para combater práticas criminosas que ocorrem no porto, particularmente no período da noite.

ATIVISTA SOCIAL: “ISOLAMENTO DE CARAVELA E AUSÊNCIA DE SEGURANÇA FAVORECEM PRÁTICAS CRIMINOSAS”

Sobre a utilização da ilha de Bolama como porto seguro para a rede de emigração clandestina, o ativista social e secretário executivo da associação dos pescadores profissionais da região de Bolama, Babacar Sarr, afirmou que o isolamento e a ausência total das forças de segurança nas ilhas, associados à falta de embarcações para a atividade de fiscalização pelas forças instaladas em Bolama, são os principais fatores que contribuem para a escolha da ilha por organizações criminosas para a prática das suas atividades.

“Caravela é uma das ilhas mais isoladas do arquipélago e praticamente está desprotegida, por isso é aproveitada pelas redes de crime organizado para as suas atividades”, assegurou, acrescentando que na verdade, existe uma força de fuzileiros da marinha nacional em Caravela, mas que esta força está sem meios de deslocação.

Questionado sobre a utilização da aldeia de São João para o embarque de emigrantes clandestinos, explicou que a aldeia de São João é muito estratégica, dado que o seu porto liga diretamente a outros mares da zona continental e também à ilha de Bolama.

As redes criminosas que operam na região de Bolama são compostas por pessoas nativas, que conhecem muito bem o arquipélago. Apenas alguém que conhece a ilha pode identificar os portos improvisados utilizados para a embarcação de emigrantes clandestinos. A escolha de São João não é feita de forma leviana, pois alguém tinha de saber que a aldeia é a parte continental da ilha de Bolama, com uma viagem de menos de 15 minutos até à cidade de Bolama”, contou.

Relativamente à utilização de pescadores para conduzir a piroga rumo à Europa, explicou que a estrutura da rede sabe muito bem que os pescadores são pessoas com vasta experiência no mar e conhecimento de ferramentas de navegação, razão pela qual recrutam esses profissionais para manobrar as canoas.

“As canoas são construídas em estaleiros locais com a finalidade de transporte público marítimo e, após estarem prontas, são deslocadas para a zona ou ilha onde irão embarcar as pessoas. A canoa permanece naquela área para navegar e reunir os candidatos de uma ilha para a outra e, quando atinge o número necessário, deslocam-se para o destino final, que é a Espanha”, referiu.

Por: Assana Sambú/Litos Sanca
Foto: Jornalista Lassana Cassamá
Conosaba/odemocratagb

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