segunda-feira, 21 de março de 2022

Diretor-Geral de APGB: “GUINÉ-BISSAU ESTÁ A SOFRER BASTANTE COM A RETIRADA DA EMPRESA MAERSK DOS PORTOS DE BISSAU”

[ENTREVISTA_março_2022] O diretor-geral da Administração dos Portos da Guiné-Bissau (APGB), Félix Nandunguê, revelou que, em termos económicos, a Guiné-Bissau está a sofrer “bastante” com a retirada da empresa dinamarquesa Maersk dos portos de Bissau. A Maersk, uma gigante de transporte marítimo que opera rotas de transporte de contentores decidiu abandonar os portos de Guiné-Bissau na sequência de uma polémica judicial.

Em agosto de 2020, a empresa dinamarquesa viu-se envolvida numa polémica judicial em Bissau, que culminou com o arresto preventivo de um navio da companhia [As PAMIRA], que acabou por ser libertado mais tarde.

Na sequência do contencioso que motivou a ordem de apreensão do navio, entretanto não cumprida, o juiz acusou o então ministro dos Transportes da Guiné-Bissau Jorge Mandinga, de ter mandado libertar “ilegalmente o navio, a Maersk decidiu abandonar o país.

A saída da companhia, que opera em mais de 130 países e é uma das principais transportadoras de contentores no mundo tem afetado a atividade do comércio na Guiné-Bissau.

Dados estatísticos indicam que em período normal, a Maersk disponibiliza dois navios de transporte de mercadorias para a Guiné-Bissau e durante a exportação da castanha do caju aumenta o número das embarcações para quatro.

“MAIOR PARTE DA CASTANHA FOI EXPORTADA VIA TERRESTRE PARA O SENEGAL”

Em entrevista exclusiva ao jornal O Democrata para falar da situação dos portos da Guiné-Bissau, após a retirada da empresa dinamarquesa da Guiné-Bissau, Félix Nandunguê disse que a Maersk deixou de operar há dois anos, depois de ter trabalhado no país durante mais de 20 anos, exportando e importando cargas e mercadorias.

A polémica judicial em causa teria envolvido a Maersk e um cidadão nacional levando a empresa a abandonar o país, na sequência da sentença do tribunal.

O diretor-geral da Administração dos Portos da Guiné-Bissau frisou que essa situação preocupou bastante a administração dos portos que sempre está ligada a economia do país, porque “mais de 80 por cento dos produtos que entram e saem, chegam por via marítima, de maneira que estamos preocupados com essa situação”.

“Quando recebemos informações de partida da Maersk, a administração dos portos fez diligências para se sentar à mesa com os responsáveis da empresa para analisar o assunto e ter melhor informação, mas como é um caso que estava sob alçada da justiça, APGB não podia interferir. Como parte da solução, a administração da APGB exortou o governo a procurar soluções para sanar aquela situação, tendo em conta o impacto que tem tido e continua a ter na economia nacional”, sublinhou.

Félix Nandunguê informou que o maior impacto da saída da empresa Maersk do país começou a ser sentido no processo de exportação da castanha de caju, no ano agrícola 2021, com falta de contentores derivada da situação da pandemia da Covid-19, fato que deixou os exportadores e importadores sem capacidade e nem condição para receber contentores vazios para embarcar a castanha.

Segundo Félix Nandunguê, a partir do mês de agosto e setembro do mesmo ano, a maior parte da castanha foi exportada via terrestre para o Senegal, porque a empresa Maersk já tinha deixado de operar no país.

O diretor-geral da APGB notou que quando terminou processo de exportação, constataram que, apesar de sucesso alcançado na exportação, com um volume nunca visto na Guiné-Bissau, em termos de proveitos e de receitas para a administração dos portos da Guiné-Bissau, o rendimento foi muito baixo, tendo em conta à falta de contentores.

“Novembro e dezembro são meses mais difíceis para a APGB. Começámos a sofrer em termos financeiros, porque apenas um navio faz transporte de mercadorias Lisboa/Bissau por mês e várias instituições começaram a sentir muito com a saída da empresa. Essa situação atingiu as alfândegas, que deixaram de recolher receitas. O conselho de administração dos portos já enviou uma carta ao governo a informar da situação”, disse.

De acordo com o diretor-geral dos portos, a Guiné-Bissau tem dois momentos, nomeadamente o momento alto de exportação da castanha de cajú e momento morto que começa de novembro até abril, um período em que o fluxo de navios baixa.

Apesar desta tendência, disse Nandunguê, a Maersk tem funcionado sempre com um ou dois navios durante esse período, incluindo o navio que faz a ligação Lisboa/Bissau, o que permitia funcionamento estável do porto de Bissau.

Lamentou que a ausência de Maersk tenha afetado muitas instituições de receitas, porque “desde que a empresa se retirou da Guiné-Bissau, as coisas não têm corrido bem e quem tem tirado proveito disso, com essa crise que estamos a enfrentar, é o Senegal e a Gâmbia”.

Félix Nandunguê informou que, para além da saída da empresa, o que mais afetou a Administração dos Portos da Guiné-Bissau foi o fato de ter perdido duas máquinas de embarque de contentores, que apoiavam muito nos trabalhos.

“Neste momento temos apenas uma máquina”, disse, para de seguida afirmar que o porto não pode funcionar só com uma máquina, porque poderá complicar todo o trabalho.

Para ultrapassar esse vazio, Félix Nandunguê disse ter entrado já em contato com uma empresa que deverá reparar as duas máquinas do porto que estão com avarias e paradas há muito tempo.

O responsável da APGB garantiu que a sua direção está a trabalhar “arduamente” para conseguir tudo que é necessário para não comprometer a exportação de castanha de caju do presente ano agrícola.

“ESTAMOS A ENFRENTAR DIFICULDADES, É PRECISO FAZER DILIGÊNCIAS PARA PAGAR SALÁRIOS”

Félix Nandunguê sublinhou que com a saída da empresa dinamarquesa, a Guiné-Bissau perdeu bastante em termos económicos e quem passou a ganhar e a tirar proveito disso são os dois países vizinhos [Senegal e Gâmbia], porque “os clientes que desembarcavam as suas mercadorias no país abandonaram também e passaram a fazê-lo nesses países”.

“Portanto, a Guiné-Bissau perdeu muito, sobretudo neste momento em que as alfândegas e APGB estão com problemas em termos das receitas”, lamentou.

“Neste momento, estamos com problemas de pagamento de salários aos funcionários da APGB. Até ao momento não conseguimos pagar o mês de fevereiro, algo que nunca aconteceu nos portos de Bissau na história da APGB “, disse, revelando que em janeiro deste ano apenas um navio atracou.

“Habitualmente, no período morto trabalhávamos com dois navios, mas desta vez ficamos sem navio até ao dia 29 de janeiro. Temos várias despesas no porto e se ficarmos um mês sem faturar nada, é óbvio que vamos ter problemas graves como está a acontecer neste momento”, salientou.

Sobre o prejuízo causado com a ausência da empresa Maersk no porto, Félix Nandunguê não especificou o valor monetário que a Guiné-Bissau perdeu até aqui, mas afirmou que se trata de uma grande soma em dinheiro.

Nandunguê disse que um navio normal da empresa Maersk neste período, no mínimo que poderia pagar ao porto são 50 ou 60 milhões de francos CFA e se tivesse dois navios durante um mês renderia para os cofres da APGB mais de 100 milhões de francos CFA.

Félix Nandunguê frisou que a APGB nem consegue hoje faturar esse valor em dois anos, pelo que é um prejuízo que não se pode calcular não só para o porto, como também para o comércio em geral, o que acaba por afetar os consumidores em termos de subida dos preços dos produtos, tendo em conta a trajetória que os comerciantes fazem para introduzir os produtos no mercado nacional.

Nesse sentido, Nandunguê pediu a ponderação entre as entidades que estão envolvidas no processo judicial com a empresa Maersk para salvaguardar a economia nacional.

Perante estes fatos, defendeu que o governo deve acionar mecanismos e procurar uma solução para esta situação de uma vez para sempre, permitindo o regresso da empresa dinamarquesa para operar no país.

Acrescentou ainda que, para além das diligências que estão a ser feitas pelo governo para o regresso da Maersk, APGB já entabulou contactos com uma empresa francesa denominada CEMA, que costuma trabalhar no país no momento da exportação da castanha de caju, que há um mês atracou dois navios nos portos de Bissau.

“Já é um bom sinal, porque está a colmatar a lacuna deixada pela Maersk”, notou, salientando que, para além da carta que a administração enviou ao governo para manifestar a sua preocupação face à saída da empresa dinamarquesa, pessoalmente reuniu-se comalguns atores políticos ligados a esse setor para lhes informar do sucedido.

“Nos últimos tempos, temos estado a procurar uma solução. Reunimo-nos com o vice-primeiro-ministro e o ministro das finanças sobre esse assunto. É uma situação que tem preocupado as autoridades nacionais e a APGB não pode ficar de fora, por isso estamos a trabalhar para que haja uma solução para o bem da economia do país”, garantiu.

Félix Nandunguê exortou os funcionários da APGB para não transformarem o porto numa empresa ou empurrá-la para falência, porque as suas reformas estão no porto de Bissau.

Informou que durante os dois anos que a pandemia assolou a Guiné-Bissau e o mundo, a APGB exportou apenas durante três meses no período da castanha de caju, produto de maior exportação, e recebeu três navios em cada mês.

“Mas quando fomos confrontados com a situação da pandemia, o fluxo de importação baixou, porque não podia esperar milagre acontecer e usamos a nossa massa cinzenta, caso contrário tornar-se-ia difícil pagar salários”, assinalou.

O diretor-geral da Administração dos Portos da Guiné-Bissau revelou que o governo não apoia a APGB e nem sequer subvencionou-a durante a pandemia, como aconteceu em vários portos do mundo, sobretudo a nível da sub-região, que receberam subvenções dos respetivos governos na vigência crítica da Covid-19.

“Estamos a enfrentar enormes dificuldades, mas é preciso fazer várias diligências para poder pagar salários aos funcionários, cobrir as despesas, os encargos com saúde e segurança social, portanto há um esforço enorme que está a ser feito pela direção para que não contraia dívidas aos trabalhadores da APGB”, assegurou.

Félix Nandunguê disse que a direção da APGB fez vários contatos, realizou sessões de formação interna, enviou alguns jovens para Gana para serem formados na área de pilotagem e assinou acordos com alguns parceiros portuários no âmbito de formação e capacitação dos seus técnicos para substituir antigos quadros que estão na idade de reforma.

Apesar da retirada há mais de um ano, as autoridades guineenses estão a tentar “a todo o custo” o regresso da empresa de transporte de cargas marítimas Maersk, disseram fontes do Governo e do setor privado.

A saída da companhia dinamarquesa de Bissau também é tema de conversa na Administração dos Portos da Guiné-Bissau (APGB), sobretudo, dizem as fontes daquela empresa estatal, a partir do mês de Janeiro último, quando a Maersk comunicou oficialmente a sua decisão de desmontar uma das suas duas máquinas de embarque e desembarque de contentores.

Vários empresários guineenses ligados ao setor do caju explicaram que a esperança reside nas diligências em curso por parte da APGB, que tem desenvolvido contactos com a sucursal africana da dinamarquesa e as autoridades guineenses, no sentido de encontrar um entendimento que possibilite a retoma das atividades da Maersk.

Por: Aguinaldo Ampa
Foto: A.A
Conosaba/odemocratagb

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