terça-feira, 29 de setembro de 2020

Combatentes da liberdade da pátria de Morés sentem-se abandonados


 Os combatentes da liberdade da pátriadaSecção de Morés mostram-se arrependidos por terem participado ativamente na luta de libertação nacional porque o sacrifício consentido em cerca de 11 anos não reverteu a favor do sossego dos filhos de Morés conforme o prometido e nem para o próprio desenvolvimento da Guiné-Bissau.    

A Secção de Morés, pertencente ao Setor de Mansabá, Região de Oio, encontra-se em completo estado de esquecimento devido à inexistência de quase tudo, nomeadamente vias de acesso, hospitais, escolas, água potável, escassez de pessoal médico e degradação das infraestruturas deixadas pela administração colonial.

Ao longo dos 46 anos de independência, a Secção de Morés anda de mal a pior, ao contrário das linhas mestras outrora traçadas no quadro do seu desenvolvimento, isto é, como zona libertada, houve promessas de construção de grandes obras suscetíveis de elevar a importância dos sacrifícios consentidos pelos combatentes durante os 11 anos de luta em Morés.

Justamente num período em que o furto de gado se faz sentir em quase todas as tabancas, a Secção de Morés não dispõe de um único agente de segurança em toda a área habitada,oque consubstancia a inexistência do Estado. Portanto, as eventuais desavenças que se registam no seio da população é ao chefe de tabanca a quem se recorre para resolver os problemas. 

As estradas que ligam a vila ao centro comercial estão intransitáveis, pelo que os habitantes são obrigados a palmilhar quilómetros de distância a fim de transportar os seus produtos que vão vender.

A secção que contribuiu imenso para a independência da Guiné-Bissau dispõe apenas de quatro professores, uma escola do Ensino Básico Unificado de quatro turmas que alberga menos de 300 alunos de 1.ª a 6.ª classe e funciona em três turnos.

As oportunidades dos alunos prosseguirem os estudos são pequenas, visto que não há liceus na localidade. Como tal, os interessados com meios e possibilidades mudam-se para Mansoa ou Bissau, enquanto os que não reúnem condições interropem simplesmente os estudos.

Morés não se lembra do uso da rede elétrica pública, isto porque uma única central elétrica ali colocada por Luís Cabral e que fornecia eletricidade foi de lá retirada nos anos 80 do século passado pelas  autoridades de então, razão pela qual até 2020 a escuridão continua a caracterizar o quotidiano daquela população.

A necessidade de consumo de água potável faz-se sentir naquela vila devido ao elevado número de pacientes com diarreia no centro de saúde local.

A atividade económica baseia-se na venda de produtos locais e daqueles adquiridos em Bissau pelos pequenos comerciantes que operam na área. Este facto cria enormes problemas aos habitantes devido ao seu fraco poder de compra.

Um aspeto preocupante e digno de nota é o facto de todas as infraestruturas construídas na década de 80 do ultimo século, nomeadamente o conecido Internato, Armazém do Povo, residências, espaços históricos, estão em total abandono e no meio de um montão de palha.

As instalações do internato, construídas com o melhor propósito, pois muitos dos atuais ministros e secretários do Estados são produtos desse estabelecimento, mas hoje só as paredes se mantêm de pé, não havendo qualquer projeto capaz de reerguê-lo.

Os Armazém do Povo deixou de existir há muito tempo, obrigando um número significativo de cidadãos a enfrentar dificuldades alimentares.

Em relação aos espaços históricos que compõem a Secção de Morés, encontram-se todos em péssima condição de conservação, inclusive as próprias campas dos combatentes da liberdade da pátria, assim como espaços onde se realizavam as reuniões entre os guerrilheiros do PAIGC e locais secretos de encontros de portugueses com os colaboradores nacionais.

Aliás, nesses lugares nada demonstra o quão importante foi o papel que tiveram ao longo de 11 anos de luta, restando simplesmente o simbolismo na memória dos anciões.

À nossa reportagem e em nome dos antigos combatentes, Talibo Seide mostrou-se arrependido por ter participado ativamente na luta de libertação nacional, porque os sacrifícios consentidos não refletem na vida dos filhos de Morés.    

“Não constitui segredo par ninguém da valentia dos guerrilheiros da frente Norte, razão pela qual os colonialistas portugueses concentravam a sua atenção nas operações em Morés. Daí os intensos bombardeamentos realizados sobre esta secção, como forma de amedrontar os guerrilheiros”, afirmou Seide.

 Este combatente lamentou o desprezo a que os sucessivos Governos  demonstraram  por aquela secção, ignorando por completo o papel que desempenharam pela causa da independência, deixando ao abandono os filhos dos próprios combatentes da liberdade da pátria.

“No último encontro entre Amílcar Cabral e os populares, ele deixara a promessa de transformar Morés numa área suscetível de atrair muitos turistas”, revelou Talibó Seide.          

O chefe da Secção de Morés, Mussa Djancó, afirmou que o motivo da degradação das escolas, hospitais e outros serviços sociais outrora garantidos, deve-se ao desrespeito das orientações deixadas por Amílcar Cabral aos seus camaradas.

Campa de Simão Mendes

Contudo, com a morte do pai da nacionalidade guineense, Luís Cabral tentou implementar as promessas feitas a Morés mas, de repente, tudo começou a regredir com o golpe de Estado de 1980.

“Tínhamos a certeza de que Guiné-Bissau se desenvolveria caso Luís Cabral permanecesse no poder durante os anos em que João Bernardo Vieira esteve à testa do Estado guineense porque, na altura, criou muitos projetos que refletiam ganhos para o povo”, demonstrou.

De acordo com aquele responsável, no espaço de seis anos de liderança de Luís Cabral, Morés dispôs de uma central elétrica que distribuía corrente e água 24 sobre 24 horas. O internato e o Armazém do Povo funcionavam em pleno, assim como o centro de saúde com médicos, enfermeiras e parteiras a altura das necessidades. Havia também ambulância para evacuação de pacientes. Portanto, o referido dirigente fez obras impressionantes, incluindo a reabilitação do troço que liga Cutia a Morés e que vai até Tancrual.

“Hoje em dia todas essas infraestruturas foram por água abaixo, tudo por causa da falta de consideração e de projectos bem sucedidos, por isso atribuo culpas ao PAIGC”, lamentou.

Disse que os colonialistas portugueses odiavam aquela aldeia, pois a dedicação e a entrega dos homens e mulheres durante todo o período da luta conseguiu travar o progresso dos tugas na base central.

“Na verdade, os colonialistas enfrentaram uma feroz réplica impostas pelos combatentes e isso deveu-se ao plano estratégico de guerra muito bem montado pelo comandante Osvaldo Vieira em toda a frente norte”, disse Mussá.

Transformação de Morés em cidade da independência

Questionado se valeu a pena a independência da Guiné-Bissau, Djancó  fez saber que, de um lado, não houve arrependimento porque os objetivos foram alcançados, mas que do outro lado houve promessa de transformar Morés em cidade da independência, o que não se concretizou.

Relevou que Osvaldo Vieira sempre teve uma convivência sã com os citadinos de Morés, na medida que ele sentia-se como filho daquela secção, tendo trabalhado de forma incansável na unificação dos seus camaradas de trincheira.

“Os populares prestaram apoio de grande envergadura, pois abasteciam os combatentes com munições no campo da batalha, assim como contribuíam na evacuação dos feridos da frente de combate”, lembrou.

Em relação à contribuição de povo, Mussa Djancó disse que o antigo chefe da tabanca de Morés, Salón Chefon, havia lançado uma palavra de ordem em que toda as famílias devem disponibilizar um número significativo dos seus membros para ingressarem nas fileiras da guerrilha.

Afirmou que os moreenses precisam de muito apoio do Governo, mas nunca deixaram cair os braços, destacando a contribuião efetiva de jovens na reabilitação de troços que ligam a secção a outros setores e secções. Embora os trabalhos continuem a ser como outrora, através do carregar de pedras colocados à cabeça.

Djancó revelou que a sua equipa, coadjuvada pelo seu superior hierárquico a nível da região, encetaram inúmeros contatos junto das autoridades do governo central, mas sem sucesso.

“A luta armada ficou para trás mas o povo de Morés não se sente livre, porque o país, ao invés de desenvolver regrediu muito”, lamentou.        

O chefe de tabanca, Iaia Bodjam, lamentou o facto de que, desde a independência não se registou qulquer progresso, pois até então os desentendimentos no seio da comunidade costuma ser mediados por ele. Na eventualidade de não conseguir consenso entre os desavindos, a solução passa por encaminhar os processos para Mansabá.

“O maior problema po rque enfrentam os populares de Morés deve-se à disputa de terra e roubo de gado”, revelou Bodjam.

Este responsável lamentou a precária condição laboral em que os técnicos de saúde trabalham, a começar pela falta de material médico, medicamentos, pessoal médico suficiente e funcionamento integral de todos os serviços de atendimento do centro, incluindo o internamento. Aliás, o internamento pós-parto constitui o único atendimento assegurado naquele hospital.

“Em várias ocasiões as nossas mulheres grávidas acabam por morrer no trajeto até Cutia, tendo em conta a distância que separa as tabancas do hospital, sem contar com as péssimas condições de troços”, lembrou. 

Um dos estudantes do internato que foi entrevistado disse que o atual estado de abandono do internato traz sentimentos de melancolia devido ao futuro promissor que Morés oferecia na altura. 

“Naquela altura havia internato, hospital, armazém do povo a funcionar em pleno, proporcionando uma vida melhor aos populares, pelo que ninguém imaginava assistir ao regresso desta secção a este nível”, lamentou.

Julciano Baldé

Conosaba//jornalnopintcha.gw/


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