Nos últimos cinco anos, a África tem sido palco de diversos golpes de Estado, particularmente a África Ocidental. Vejamos a cronologia recente de eventos de golpes de Estado.
Em junho de 2020, a população maliana realizava protestos, pedindo a renúncia do presidente Ibrahim Boubacar Keita, sob alegada insurgência do grupo rebelião separatista tuaregues e grupos islâmicos fundamentalistas na região de Azauade, no deserto do Sara. Também a população reclamava da corrupção generalizada do governo Keita, com uma economia em crise. Em agosto do mesmo ano, uma operação liderada pelo Coronel Major Ismael Wagué depôs o presidente Ibrahim Boubacar Keïta. Nove meses após, houve um novo golpe de Estado, desta vez liderado pelo Coronel Assimi Goïta e pelo Coronel-Major Ismael Wagué.
Em setembro de 2021, o Coronel Mamadi Doumbouya liderou ação militar que depôs o ex-presidente Alpha Condé, que tentava o seu terceiro mandato para Presidência da Guiné-Conakri. Antes do golpe, houve pressões a nível sub-regional, no sentido do ex-presidente Condé não alterasse a Constituição de forma a se recandidatar a um terceiro mandato. Até hoje, o regime militar controla o poder na Guiné-Conakri.
Em janeiro de 2023, na Burkina Faso, uma ação liderada pelo oficial militar Paul-Henri Sandaogo Damiba, depôs o então presidente Roch Mark Christian Kaboré. Logo em seguida, dissolveram o parlamento e demitiram o governo do presidente Kaboré. Os motivos para o golpe foram às sucessivas crises jihadista no país e a falta de segurança. Até hoje, o regime militar controla o poder em Burkina Faso.
Ainda em 2023, já em mês de julho, no Níger, guardas presidenciais do Níger detiveram o ex-presidente Mohamed Bazoum, e o comandante da guarda presidencial, general Abdourahamane Tchiani, proclamou-se líder da junta militar. Os motivos para golpe de Estado foram alto custos de vida e a corrupção generalizada do governo Bazoum. Após a confirmação do golpe, vários países e organizações condenaram o golpe com força mais repressiva.
E mais recentemente, não menos importante, no final de agosto de 2023, no Gabão, o ex-presidente Ali Bongo, que se reelegeu para o terceiro mandato, sofreu golpe de Estado, sob alegada fraude e falta transparência nas eleições de agosto deste ano. Após o golpe, a população saiu às ruas, festejando o golpe contra Bongo. De salientar que família Bongo governava Gabão a mais de 50 anos.
Com toda essa cronologia, gostaria de focar no golpe de Níger, já que mereceu toda atenção dos líderes da África Ocidental. O Níger é um país membro pleno da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). O país enfrentou seu quinto golpe de Estado este ano. Os líderes continentais e mundiais, particularmente da África Ocidental e União Europeia, condenaram o golpe militar no Níger, posição que eu também apoiaria.
Vejamos bem, nos últimos cinco anos, o Níger não foi o primeiro país na nossa sub-região que teve golpe de Estado. É verdade que os golpes que citei logo no começo foram condenados por toda parte do mundo. Entretanto, apenas no golpe de Níger que CEDEAO decidiu realizar intervenção militar para restabelecer a ordem Constitucional. Eu penso que atualmente não devemos aceitar qualquer subversão da ordem Constitucional, ainda bem quando é por via da força. Também entendo que o império da Democracia deve prevalecer.
Quando a CEDEAO tomou decisão de realizar a intervenção miliar no Níger, algo me chamou atenção. Eu realmente fiquei preocupado com essa decisão, por isso eu gostaria de refletir sobre algumas questões: Por que a CEDEAO não declarou intervenção militar quando Mali, Burkina Faso e Guiné-Conakri tiveram golpe de Estado, já que o golpe no Níger não foi primeiro deles? Por que caso de Níger chamou tanta atenção até ao ponto de a CEDEAO declarar ação militar no Níger? Por que o governo Francês e União Europeia apoiam as decisões da CEDEAO com relação ao golpe militar no Níger? Por que União Africana apoiava a decisão da CEDEAO para reconduzir, a qualquer via, o ex-presidente Bazoum, e depois voltou atrás? Por que União Africana agora não apoia a intervenção militar no Níger?
Nos desdobramentos da situação, as forças militares do Mali e Burkina Faso vieram ao público, afirmando que apoiarão as forças militares do Níger, caso houver alguma intervenção militar por parte da CEDEAO. Esta situação particularmente me preocupa. Me preocupa, sobretudo, quando se vê apoio à CEDEAO de instituições fora do continente africano. A Rússia, por exemplo, apelou a resolução do problema por meio de diálogo, e se posiciona contra qualquer intervenção militar para restaurar a ordem Constitucional (segundo a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova). Diante disso, qual seria o interesse da Rússia nesse conflito?
Por outro lado, sabe-se que há grupos armados atuando na região de Sahel. Também há centenas de contratados do Grupo Wagner no Mali a convite da junta militar do país, para reprimir uma insurgência islâmica que se forma em uma área onde as fronteiras do Mali, Burkina Faso e Níger se encontram. Também o líder golpista do Níger se reuniu com a junta aliada do Grupo Wagner no Mali, aquando da reunião entre delegação militar nigeriana e junta militar no Níger. Assim, eu volto com a última questão que coloquei: qual seria o interesse da Rússia nesse conflito?
Diante de tudo isso, será que uma possível intervenção militar no Níger não permitiria que grupos armados ativos na região do Sahel expandissem seu alcance? E não só isso, uma possível intervenção militar não ocasionaria que grandes potências mundiais apoiassem partes em conflito (uma parte ao lado regime militar e a outra parte ao lado da CEDEAO)? Com essa situação, será que a guerra na Ucrânia não seria transferida para o Níger?
Portanto, na minha modesta opinião, entendo que CEDEAO poderia voltar atrás com a decisão tomada para resolução do problema no Níger. Penso também que a CEDEAO poderia coordenar os esforços juntamente com seus parceiros, nomeadamente a União Africana, já que é superior e ela (CEDEAO) a nível continental, no sentido de aplicar sanções severas ao Níger e a todos países que tiveram a subversão da ordem Constitucional por via da força. Também compreendo que, num mundo globalizado, em que as nações estão entrelaçadas economicamente, não há país que consegue viver de forma isolada. Ou seja, as sanções econômicas, diplomáticas, ou isolamento total do Níger, obrigaria aos militares a entregarem o poder aos civis e, consequentemente, o restabelecimento da ordem Constitucional. Ou também poderiam estudadas outras decisões que sejam diferentes da intervenção militar.
Noutro quadrante, especificamente no Gabão, onde o regime que pendurava por mais de 50 anos teve seu declínio. Depois do golpe, a população aplaudiu a atitude das forças de segurança. Com isso, me perguntei: será que a população africana está cansada de regimes que dependuram por mais de 40 anos sem nenhuma mudança positiva no país? Por que gaboneses aplaudiram a queda do regime Bongo? Que indicativo o golpe de Estado no Gabão deu para os regimes do tipo que ainda penduram no continente (refiro-me particularmente a Guiné-Equatorial, Congo-Brazaville e Camarões)? Por que o presidente dos Camarões, Paul Biya, remodelação as chefias do exército camaronês, nomeando novos oficiais da defesa, logo depois de golpe no Gabão?
A ilação que eu tiro diante de toda situação, é que a população africana almeja novos rumos para seu futuro, e quer ser protagonista de decisões sobre seu destino. Também a população africana deseja líderes republicanos, que estão para povo e pelo povo. A juventude africana, principalmente, começa a formar consciência crítica sobre a governação de seus respectivos países. Entendo também que, daqui para frente, os líderes africanos precisam remodelar a formula de governação e zelar pelo bem-estar do seu povo. Penso que só assim que poderemos honrar os panafricanistas que se já foram.
Muito obrigado!
Por: Alexandre da Silva
Engenheiro Ambiental e Sanitarista
Mestrando em Engenhara Ambiental pela Universidade Federal do Espírito Santo
Conosaba/odemocratagb
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