segunda-feira, 1 de setembro de 2014

«2ª PARTE» DE UMA GRANDE ENTREVISTA COM DR. JULIAO SOARES SOUSA: "VOCÊ, POR MAIS INTELIGENTE QUE SEJA, NÃO CONSEGUE CONVENCER NENHUM EMPRESÁRIO SÉRIO A INVESTIR NUM PAÍS ONDE NÃO HÁ ENERGIA ELÉCTRICA"


Historiador e investigador guineense, especialista em História Política da Guiné e de Cabo Verde, Prof. Doutor Julião Soares Sousa.

1-Conosaba: Atualmente, a influência da China em África é impressionante! A China está a fomentar profundos laços económicos, políticos e militares com a maioria dos 55 países da África, concorda? O que diz sobre abate de árvores (Pau de Sangue, transportado para China) de forma indiscriminada na Guiné-Bissau? 

Julião Soares Sousa: Sim, é verdade que a China é hoje um dos primeiros parceiros da África no seu processo de desenvolvimento. Tem os seus tentáculos em quase todos os países africanos e frequentemente encontramos funcionários chineses a trabalharem em diversos empreendimentos apoiados pela cooperação chinesa. Para entender essa presença chinesa em África seria necessário recuar até meados dos 50 do século passado ou examinar, sobretudo, a forma como se preparou ao longo de toda a década de 60 e 70 para chegar a situação confortável em que se encontra no nosso continente nos dias de hoje. Foi um trabalho paciente que merece ser destacado. Quando na primeira parte desta nossa entrevista referíamos à defesa dos interesses nacionais, o caso da China é paradigmático e pode servir de bom exemplo. Os países que não têm noção do que representam esses interesses nacionais não conseguem arregimentar forças para defender esses interesses. Porque não os reconhecem ou pura e simplesmente ignoram o que isso significa. Agora uma coisa é certa. Não há nada que nos obrigue, a conta do auxílio e da solidariedade que recebemos de qualquer país deste mundo, a devastar o nosso património natural, apenas por ganância e falta de carácter de alguns filhos da nossa terra. E aqui a culpa não é de ninguém, de nenhum país em particular. A culpa vai inteiramente para quem vende ou ordena a delapidação do nosso património público. A culpa só pode ser atribuída ao guineense ganancioso e que não olha a meios para atingir fins ilícitos. E quando mete dinheiro se for necessário até vendemos o que nos faz falta, deixamos de ser racionais. À custa desta cultura de irresponsabilidade no espaço de menos de 50 anos já perdemos uma importante mancha florestal do Oio e do Cantanhez. E estamos a falar de um país que se encontra numa zona crítica que já sofre a influência do Sahel. E com isso estamos a colocar em perigo o futuro do nosso país. É evidente que quando um país permite determinado tipo de abusos que partem dos seus próprios filhos acaba por pagar uma fatura elevada como nós estamos a pagar (e vamos continuar a pagar) nos próximos tempos. Também entristece muito ver o que se estava a passar em Varela. É evidente que tem havido um aproveitamento das nossas fragilidades como seres humanos e péssimos filhos da nossa terra. E mais! Sabem que nos podem comprar com dinheiro e outras benesses, o que não deixa de ser feio. Concordo inteiramente com as medidas que estão a ser tomadas pelas autoridades. Talvez os guineenses que se deixam comprar comecem a fletir na sua ação diabólica e devastadora. Temos de estar atentos e vigilantes na defesa do nosso património e do nosso país.

2-Conosaba: A União Africana (UA) foi fundada em 2002 e é a organização que sucedeu a Organização da Unidade Africana. Baseada no modelo da União Europeia (mas atualmente com atuação mais próxima à da Comunidade das Nações), ajuda na promoção da democracia, direitos humanos e desenvolvimento econômico na África, especialmente no aumento dos investimentos estrangeiros por meio do programa Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD). Que tal da União Africana? Adotou novas estratégias para desenvolver a nossa África! É para confiar?

JS: Mal de nós se não confiássemos nas organizações que criamos. È claro que a OUA, desde a sua fundação, em Maio de 1963, passou por momentos conturbados. Não é fácil a uma organização do género funcionar no contexto em que emergiu como instituição charneira, que visava, entre outros objetivos utópicos e inalcançáveis para muitos naquele tempo, a unidade do continente. Mas devemos salientar ainda que esse contexto foi muito complexo. Havia países independentes, mas cuja independência foi negociada com as antigas potências colonizadoras sem necessidade de recurso à violência, e havia territórios, como era o caso de Angola, Moçambique e do nosso, que ainda se encontravam sob o jugo colonial e que tiveram que passar por uma longa e dolorosa guerra de libertação. Mesmo no quadro de países então independentes e dependentes havia grandes diferenças, fruto de diferentes tipos de colonização (colónias francesas, inglesas, portuguesas e espanholas) com tudo o que isso implicava em termos de diferentes tipos de mentalidades e especificidades. Isso fez com que ao longo de muito tempo a organização se ressentisse na hora de lograr consensos em determinadas matérias. Por isso mesmo a luta de libertação nas colónias portuguesas durou muitos anos por falta de solidariedade. Havia países que em lugar de defenderem os interesses dos territórios dependentes colocavam-se muitas vezes ao lado das potências colonizadoras. Foi também por isso (e por outras muitas razões) que a OUA nunca foi capaz de resolver verdadeiramente nenhum conflito em África. E houve muitos como sabe. Mas as coisas começaram a mudar em parte devido às profundas alterações que também se registaram nas últimas décadas no Mundo e em África. Creio que num futuro muito próximo a UA, sucedânea da OUA, será capaz de gerar mais consensos em várias matérias que interessam ao nosso continente. Só a criação do NEPAD e de outras instituições e a existência de consensos sobre o desenvolvimento africano devem constituir motivo para que todos os africanos se sintam hoje orgulhosos dessas transformações. A UA é uma organização que interessa a África e à paz mundial e deve, naturalmente, merecer todos os nossos incentivos para que continue a promover maior integração do continente de modo a acabar com a pobreza, a miséria e o sofrimento. Sente-se que cada vez mais a África está ganhar importância no plano internacional. Isso traz responsabilidades acrescidas à organização continental, mas também importantes desafios.

3-Conosaba: Frantz Fanon nasceu em 20 de Julho de 1925, em Forte-de-France, capital da colónia francesa de Martinica. Era negro e descendia de escravos deportados de África para Antilhas. Ele reivindicava para o Terceiro Mundo a possibilidade de se desenvolver independentemente das nações desenvolvidas (industrializadas), sejam elas capitalistas ou socialistas. É possível isso? Os países subdesenvolvidos se desenvolverem a conta própria? Como? 

JS: Como sabe, esta posição não é nova e ainda hoje é defendida por muitos intelectuais africanos e não africanos. Frantz Fanon, não foi propriamente um pensador qualquer. Empenhou-se denodadamente na libertação dos povos oprimidos, tendo influenciado decididamente muita gente da sua geração e ainda hoje recorrentemente regressamos às suas ideias e à leitura das suas obras mais emblemáticas que são sempre inspiradoras. Contudo, devemos contextualiza-las. É difícil, nos tempos que correm, a um país, a um continente desenvolver-se isolado dos restantes. Apesar de precisarem, no seu processo de desenvolvimento, de um impulso primordial que é o seu próprio esforço, a sua vontade interna, as suas próprias forças e sacrifício. São impulsos que ninguém de fora nos pode insuflar. Mas sabemos também que o Mundo se transformou num circuito fechado, numa aldeia global que, involuntariamente, gera solidariedades e, por (muitas) vezes, dependências. Por isso tenho dúvidas de que algum país se possa desenvolver contando ainda assim apenas com a sua vontade interna, isolado do resto do mundo e das nações mais industrializadas do globo. Os países africanos (e o nosso em particular) precisam de transferência de tecnologia. Precisam de melhorar as dinâmicas do funcionamento das instituições de ensino a vários níveis para que isso tenha reflexos imediatos e decisivos na formação de quadros e precisam sobretudo de reforçar os seus desempenhos macroeconómicos. E isso simplesmente é irrealizável isolado. 

4-Conosaba: É óbvio que estou a falar da escravatura! Os colonizadores e os Europeus devem pagar em dinheiro aos países africanos por escravidão? Neste caso, na sua opinião, Portugal deve pagar bem a Guiné-Bissau?

JS:Se assim fosse não seria possível quantificar esse grande equívoco da história. O que lhe quero dizer para responder a essa sua pergunta provocatória é que para além da liberdade e da própria vida nada é mais importante. Não há dinheiro que pague a redução a escravatura de um ser humano. A escravatura foi um erro crasso da história da humanidade como o foi também o holocausto, o genocídio no Ruanda, a mortandade que se tem experimentado em muitos países africanos (até mesmo no nosso). A escravatura teve consequências que todos conhecemos. O importante nesta altura é ensinar as pessoas a evitarem os erros cometidos no passado. Mas, já agora é preciso situar as coisas para que elas sejam inteligíveis aos que nos vão ler. É que naquele tempo da escravatura também não havia nenhum país que se chamava Guiné-Bissau. Estamos a falar de uma extensão territorial que na realidade se chamava “Guiné” ou que tinha várias outras designações (Etiópia Menor, Beled Al Abid, etc) e onde o nosso país atual se situa. Portanto, Portugal teria de pagar a quem? Acho que ninguém tem de pagar nada a ninguém. O importante é que esses fenómenos que envergonharam a humanidade não mais se repitam. Mas há mais! Sabe que em África, antes mesmo da chegada dos europeus, havia escravatura. Havia gente que vendia ou permutava os seus prisioneiros de guerra. Mas, além destas guerras que eram uma importante (provavelmente a primordial) fonte de escravos havia também a chamada escravatura doméstica. Havia, como dizia anteriormente, gente que era vendida e permutada porque cometeram “crimes” (adultério, roubos, furtos, etc.), mães ou pais que vendiam os próprios filhos. Chegaram-nos relatos desumanos. Portanto, a guerra não era o único e exclusivo meio de obtenção de escravos e gerador de lucros para mercadores africanos e europeus. A grande diferença que a escravatura europeia veio introduzir nisso tudo é a retirada das pessoas das suas regiões e do seu meio ambiente natural, com tudo o que isso implicou em termos de destruturação das famílias, violência física e psicológica, racismo puro, etc., etc. Sim, porque numa determinada fase da história da humanidade as pessoas eram sujeitas à escravatura porque eram negras. O que me perturba é que ainda hoje no nosso meio há seres humanos, nossos irmãos, a sofrer todo o tipo de vexames, de escravatura, que trabalham no duro para não auferirem nenhum salário condigno que lhes permita viver com alguma dignidade junto das suas famílias. Mas há muita gente que fica contente explorando os seus próprios irmãos ou permitindo que os seus irmãos sejam explorados. Há muito boa gente a dormir um sono profundo diante do sofrimento dos seus irmãos. Essa é que é a realidade. Agora pergunto. Foi para isso que nós conquistamos as independências? Vale a pena por vezes olharmos para o nosso próprio umbigo antes de apontarmos o dedo a outros. Nós hoje admitimos coisas na nossa terra que ninguém aceitaria na sua terra. Devemos olhar às vezes para dentro de modo a libertar-nos dos complexos e preconceitos quando se trata de defender os nossos interesses. Conquistamos a independência a custa de sacrifícios muito grandes, mas para deixar os nossos povos na miséria, na escravidão

5-Conosaba: O arquipélago de Cabo Verde constituía há séculos um dos mais importantes entrepostos do tráfico negreiros: indivíduos capturados nas enseadas dos rios e na costa da Guiné eram trazidos até ali para serem embarcados em condições miseráveis em direção à América e à Europa, onde faziam todo o tipo de serviços pesados e desprezíveis. Gente levada de África, nomeadamente da Guiné, foi colocada em Cabo Verde, como escrava. Os cabo-verdianos são nossos irmãos de sangue, concorda com essa afirmação? Como está hoje a relação Guiné e Cabo verde? 

JS: Bom, uma vez que insiste nesse ponto vamos primeiro esclarecer o seguinte. O fenómeno da escravatura foi muito complexo como dizia anteriormente. Provavelmente este não será até o lugar indicado para desenvolvermos melhor este tema. Todavia, é importante referir que quando as caravelas portuguesas chegaram ao rio Senegal (isso ocorre num contexto muito particular) uma série de conflitos assolavam não só os reinos do Senegal como também o próprio império do Mali em desagregação. Esses conflitos alimentaram o comércio de escravos para a península ibérica e depois para as américas. No fundo, a progressão das caravelas em direção ao sul do continente acompanharam em parte as guerras que aconteciam nos reinos e impérios do interior e da costa litorânea. Foi nesse contexto que Cabo Verde apareceu como repositório de escravos na sua rota para a Europa e para o chamado Novo Mundo. Quanto à pergunta se os cabo-verdianos são nossos irmãos eu sei que há ainda muita gente que torce o nariz quando se fala nisso, mas estão enganados. Acho que hoje ninguém tem dúvidas de que temos ligações históricas (desde a Bula Romanus Pontifex, do Papa Nicolau V, de 1455) e consanguíneas também. Há muita gente em Cabo Verde que reconhece essa ligação com a África e especialmente com a Guiné. Da mesma forma que há muita gente na Guiné, por exemplo, que tem ligações consanguíneas com Cabo Verde. Mesmo muita gente. Uns sabem-no e outros nem por isso ou procuram ignorá-las. E vice-versa. Não houve só guineenses a irem para Cabo Verde. Também muitos cabo-verdianos vieram para a Guiné. Isso devia ser uma razão muito forte, gerador de outro tipo de ligações mais estreitas que tenho defendido para os dois países. O primeiro aliado da Guiné-Bissau em África e no Mundo deve ser Cabo Verde e o primeiro aliado de Cabo Verde em África e no Mundo dever ser a Guiné-Bissau, naturalmente. Ignorar isso é deturbar a realidade. São os únicos países que falam português e o crioulo no quadro da CEDEAO e nesse âmbito (e até noutros, do ponto de vista internacional) podem, apesar das suas naturais especificidades, concertar posições na defesa dos seus interesses essenciais. Estou em crer que a maturidade dos políticos cabo-verdianos e guineenses vai forçar certamente uma aliança de novo tipo em benefício dos dois povos. 

6-Conosaba: Se o Amílcar Cabral estivesse vivo...a Guiné-Bissau estaria hoje nesta situação? 

JS: É sempre muito difícil responder a perguntas desse género. A Guiné-Bissau já se tornou independente há 41 anos. Já teve tempo de se reencontrar com os caminhos do progresso e da elevação do nível de vida dos seus filhos. Penso que o que é mais relevante nesta altura é saber se seremos capazes de dar o salto em frente e corrigir. Todos os guineenses já se aperceberam que chegou a altura de virar a página. Amílcar Cabral cumpriu com a sua parte e deixou um legado que nunca soubemos aproveitar. Falta-nos a nós cumprir com a nossa parte inspirando-nos no seu legado. Temos agora mais uma oportunidade soberana para corrigir de modo a que o nosso país recupere o prestígio que já teve no mundo.

7-Conosaba: O Amílcar Lopes Cabral nasceu ou não, na Guiné-Bissau (Bafatá)? A quem questiona a nascença dele no nosso solo. Isso tem alguma relevância, se nasceu, ou não na Guiné?

JS: Eu sei que há pessoas que colocam esta questão porque têm uma grande curiosidade de conhecer a história de vida de Amílcar Cabral. Mas também há outras que insistem muito nessa temática por causa de motivações políticas. Argumentam que o assunto teria implicações jurídicas. A verdade é que também não apresentam provas para defenderem os seus argumentos. Nós ainda temos a mania do “fulano tal disse isto ou ouvi isto”, etc. E ficamos por ali. Às vezes até por pura maldade. A única prova documental que existe e que não deixa dúvidas nenhumas é de que nasceu. Portanto, é com isso que devemos operar. Mesmo que não tivesse nascido, por acaso já ouviu algum cubano a questionar a naturalidade de Che Guevara? O regresso recorrente a este tema só revela uma coisa: continuamos irresistivelmente a gastar muita energia que devíamos concentrar na melhoria dos desempenhos do nosso país, a tornar o nosso país respeitado no Mundo, a lutar com todas as nossas forças para mudar o curso sinuoso da história do nosso país, que, como sabe, desde que se tornou independente, tem sido uma história recheada de fracassos a todos os níveis: golpes de estado, assassinatos, de crueldade inimagináveis, de ódios e de traições, de pobreza e de miséria. Por causa da nossa desmobilização e preocupações com assuntos acessórios (como este) temos assistido impávidos a muitos abusos na nossa terra por parte de gente que em circunstâncias normais não deveriam ter a oportunidade para abusarem da bondade dos nossos povos. Em 40 anos fomos capazes de anular tudo o que foi conquistado com sacrifício por Amílcar Cabral e todos os seus correligionários. O que lhe digo é que por causa de motivações políticas, pura maldade ou até por caprichos pessoais não se pode anular o valor das pessoas que, pelos seus atos e pelos sacrifícios que fizeram em prol de outros, deveriam merecer no mínimo o nosso respeito e admiração. 

8-Conosaba: Numa das declarações (recentes) do novo Presidente da República, pediu o regresso imediato dos guineenses na diáspora à terra natal! Baseando nestes pedidos do novo Presidente, pensa um dia voltar a sua terra para contribuir?

JS: Sabe, muita gente passa ao lado do sofrimento dos outros, mas há nesta altura muitos compatriotas a sofrerem em Portugal e na Europa com a crise, de modo que é sempre bom ouvir declarações dessas. Pelo menos você sente que não é órfão ou apátrida como, infelizmente, muitos guineenses realmente sentem. Se passear por alguns bairros nos arredores de Lisboa e contactar os compatriotas que lá vivem consegue entender e contextualizar o apelo. Infelizmente são declarações que você não houve com muita frequência, vinda dos nossos políticos. Muitos ainda não se convenceram que só de mãos dadas e espírito de corpo é que lograremos combater todas as adversidades e levantar bem alto o nome do nosso país. O pior inimigo do nosso país é aquele que não quer reconhecer esse facto … E digo-lhe com toda a franqueza: o primeiro político a assumir esse desígnio, como um desígnio nacional (porque, efetivamente, o é) será de facto um herói. É verdade que há muita gente lá dentro com capacidade para levar aquele país para diante. Mas estou convencido (aliás este é a convicção de muitos amigos da Guiné-Bissau) de que se houver uma estreita aliança entre os que estão fora e aqueles que estão lá dentro, sem complexos, seriamos capazes de definitivamente arrancar aquele país da situação em que se encontra. E não seríamos o primeiro exemplo em África. Veja o caso de Cabo Verde. Sabe como é que chegou a situação atual? Através da valorização dos seus recursos humanos. Da valorização daqueles que estão dentro e daqueles que estão fora. Mesmo fora, muitos quadros guineenses poderão, se forem convocados, colaborar na afirmação do nosso país. E por vezes o que faz falta é defender os seus interesses dos nossos concidadãos nos países em que se encontrar para que sejam de facto respeitados. E isso tem faltado.

9-Conosaba: O Estado guineense atravessa sérias dificuldades financeiros (com um grave deficit orçamental) que vão sendo resolvidos com base no crédito externo e na solidariedade internacional, certo? Até quando o nosso país vai continuar nesta situação? Será que o novo governo guineense vai colmatar de vez esta situação precária

JS: Sabe, já tenho dito isso noutras circunstâncias. A Guiné-Bissau chegou a ter uma dívida externa astronómica. Foram os governos de Carlos Gomes Júnior que lograram o perdão dessa dívida, porque se não estaríamos hoje numa situação muito desconcertante. O que choca é que muita dessa dívida contraída ao longo de décadas não trouxe nenhum progresso para o nosso país. Não se vêm escolas, estradas, os hospitais continuam na mesma miséria, os funcionários estatais continuam a trabalhar e a passar vários meses sem salários…. Já viu ao ponto em que o nosso país chegou? Devo dizer-lhe que se o país vai contrair mais dívida, deve fazê-lo com critério, mas para servir os interesses do país e das populações. Seria um erro gravíssimo repetir os erros do passado. E estou a falar muito seriamente. Além do mais, a aposta do país deve ser no sentido de gerar receitas internas para reduzir substancialmente a dependência exterior, que acaba por trazer outro tipo de dependências e até de outros condicionamentos da nossa ação interna e externa como país soberano. A Guiné deve procurar libertar-se dessa dependência orçamental e de outras muitas dependências. Há muita coisa que nós poderíamos produzir internamente e assim evitar o desperdício de divisas e os elevados deficits na balança comercial. E isso só se consegue promovendo a agricultura e não com a monocultura do caju, com seriedade no trabalho e uma vontade férrea na defesa dos interesses do nosso país e das nossas populações, que depois de décadas de elevados sacrifícios já merecem o Olimpo. 

10-Conosaba: Como é possível um país desenvolver sem eletricidade? 

JS: Simplesmente não é possível. Sabe, quando há várias décadas ouvia um professor meu da cadeira de História da Educação a falar da importância da energia no processo de desenvolvimento pensava que essa perspetiva era muito redutora. Mas a verdade é que é mesmo assim. É claro que a isso haveria que associar outros aspetos: água corrente e mão-de-obra qualificada, etc. É uma grande falácia pedir aos empresários para investirem num país que não tem condições para um sério investimento. Você, por mais inteligente que seja, não consegue convencer nenhum empresário sério a investir num país onde não há energia elétrica e também mão-de-obra qualificada. E no mundo em que vivemos em que há cada vez mais concorrência ou você está preparado ou então fica para trás. Se você calculasse o grande desperdício de anos em que as coisas não funcionaram por falta de energia elétrica você estaria aqui a fazer contas durante vários dias. É que no mundo de hoje atrofia tudo. Acha normal um país que conquistou a sua independência há 40 anos ter passado os mesmos 40 anos da sua existência sem energia elétrica? Eu não acho normal. Agora pergunte a um empresário sério o que é que acha? É demasiado tempo perdido, meu caro. Um país não é propriamente um brinquedo. Há muita gente que pensa que é mas não é. Nós, para sermos um país respeitado no mundo e com capacidade de atrair investimento exterior (o que é absolutamente indispensável e urgente para colmatar os elevados índices de desemprego, sobretudo entre a população jovem) devemos fazer bem o trabalho de casa. Devemos ser capazes de criar condições internas (boa rede de estradas e de acessos até com os países vizinhos e ter um importante nó rodoviário e até ferroviário) e externas para isso. Temos que ser capazes de formar bem os nossos quadros, desde o ensino primário até ao superior e ter energia elétrica. Deveríamos criar condições para que as nossas embaixadas no exterior tivessem um papel importantíssimo em promover a imagem do nosso país e mostrar que criamos condições para o investimento muito sério. Mas, não é só mostrar as nossas eventuais potencialidades internas. É preciso mostrar as vantagens que um investimento na Guiné-Bissau poderia ter em termos do acesso aos mercados dos países da CEDEAO, etc, etc. Esse é um trabalho que é urgente fazer. 

11-Conosaba: José Eduardo dos Santos foi eleito primeiro presidente do Fórum dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, cuja cimeira constitutiva decorreu em Luanda. Tem algum comentário a fazer?

JS: Sim, com certeza. Devo saudar a retoma do Fórum dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, que marcou de facto também o regresso da Guiné-Bissau aos grandes fóruns internacionais. Depois da independência formal das antigas colónias portuguesas de África, esses países já se reuniam para concertarem posições, na mesma linha da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), que foi um organismo constituído em 1961, ainda no quadro das lutas de libertação nacional, com o objetivo de coordenar as suas atividades político-revolucionárias contra o colonialismo português. Bom, é escusado dizer que devido a problemas internos que alguns desses países enfrentaram, durante muito tempo, na era pós-colonial, os encontros e as reuniões acabaram suspensos e só agora retomados. Uma das principais razões, a meu ver, para a retoma das reuniões dos PALOP, doravante FORPALOP, tem a ver com a situação presente desses países que estão a tentar a todo o custo o take-off e encontrar novas fórmulas de articulação das suas políticas, numa altura em que todos pertencem a múltiplas organizações regionais e internacionais. Acho que isso é saudável para esses países e vai certamente trazer uma nova dinâmica não só no quadro das relações multilaterais e bilaterais, mas também a nível da CPLP. A dinamização dos PALOP pode vir a provocar, inclusivamente, uma grande reestruturação da CPLP ou de conduzi-lo ao um novo patamar. Os países agrupados no FORPALOP vão ganhar mais força a nível das organizações regionais e internacionais e no quadro da CPLP. Prevejo uma grande mudança a esse nível caso venham a optar pela concertação das suas posições a nível internacional e até a outros níveis: parcerias económicas e empresariais, etc, etc. Vamos esperar para ver, mas estou convencido de que o FORPALOP vai querer ocupar o lugar de importante ator na cena internacional. É agora um novo desafio que se coloca à própria CPLP, onde certamente os países africanos reagrupados no Fórum vão certamente funcionar como um forte grupo de pressão. Tudo vai depender das vantagens políticas (e outras) que esses países quiserem subtrair desse Fórum.

 Fim


Feito por: Pate Cabral Djob




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