O ano de 2014 que agora começa, apesar de todas as incertezas e dúvidas, apresenta-se como um ano com grandes promessas para o Povo da Guiné-Bissau, com a realização das eleições legislativas e presidenciais no país. Apesar das incertezas sobre as consequências eleitorais, o seu cumprimento rigoroso e cabal irá representar um ponto de partida para a Guiné-Bissau.
E na expectativa de que acontecimentos do tipo 12 de Abril de 2012 é um sobressalto que pertence ao passado, resta-nos esperar que, desta vez, o Poder estará nas mãos do Povo, assim como o futuro político da Guiné-Bissau.
As frases “o poder está nas vossas mãos”, e “o futuro está nas vossas mãos” apresentam-se como simples, mas constituem lemas poderosos, cujos objectivos visam criar a confiança, elevar a auto-estima e ensinar as pessoas a escolher as suas acções, comandar as suas vidas e aceitar os resultados e as consequências das suas acções, em vez de culpabilizar algo ou alguém. Sei que se trata de uma visão optimista e até ingénua, mas também alcançável, na minha perspectiva.Mas, em primeiro lugar, analisemos o contexto da Guiné-Bissau e a minha Assunção optimista “o poder está nas vossas mãos”.
Para muitos guineenses esta Assunção parece mais uma realidade virtual que está fora do alcance de uma vasta maioria da população. Provas disso, conforme argumentam muitos, podem ser encontradas em todos os lugares: nas aldeias, nas cidades, nos mercados, nos negócios, nos meios de comunicação sociais, nos órgãos governamentais, nas instituições civis, sociais e religiosas. E em cada uma dessas instâncias tem havido um enraizamento da cultura da “impotência” física, psicológica e mental face aos problemas e aos desafios crónicos do país.
Estranha-me que um país como a Guiné-Bissau (repleto de quadros e pessoas inteligentes e capazes dentro e fora do seu território e de uma juventude vibrante) esteja circunscrito à tamanha “impotência” e ao espírito de “não sermos capazes” de tirar o país da situação actual!
Em qualquer viagem para a Guiné-Bissau, somos confrontados com um dos cenários ou um conjunto de práticas ou hábitos que sempre fizeram falhar o país e desiludir as esperanças do Povo. E este Povo da Guiné-Bissau, anteriormente conhecido pelas suas fortes capacidades de luta e de adaptação, aprendeu agora a viver com esta “impotência” e o espírito de “Djitu Katen”.
E este mesmo Povo vai injuriando os “culpados” e vai reclamando nos seus encontros de “djumbai”, nas suas reuniões de bairro ou em pequenos círculos em torno de um café ou uma refeição. Mas, este mesmo Povo – desgastado pelo espírito de impotência – já não se lembra de que o Poder absoluto está nas suas mãos. Ao invés de fazer algo para reclamar, influenciar e alterar os destinos do seu país, o Povo, mas sobretudo a franja mais influente da vida política e intelectual guineense prefere ignorar a realidade e, consequentemente, por imposição própria, neutralizar-se. Ainda assim, cada pessoa individual vai tentando encontrar um papel para si ou “fabricar” uma razão de continuar a agir da forma como tem tido, ou seja, a aceitação da aparente realidade.
Baseado nesta minha modesta observação, diria que o maior fracasso na implementação da democracia na Guiné-Bissau tem sido a “fragmentação” propositada dos grupos e etnias e a “neutralização” sistemática das frentes políticas do país. Claro, com mais de 40 partidos políticos num universo eleitoral de menos de 700 mil votantes, ninguém podia esperar a “fortificação” de influências partidárias ou a convergência de liderança. Ninguém me poderia convencer de que esta diversidade política e numérica reflecte o espírito competitivo do tecido político guineense.
Esta mesma “fragmentação” político-partidária durante os 20 anos de democracia (1994-2014) reflecte várias realidades: a desunião, o egocentrismo, o individualismo e a falta do espírito colaborativo e do compromisso entre os guineenses. É esta a realidade política que tem alimentado a prepotência e a arrogância de uns poucos partidos que se consideram de “detentores” do país e do Povo guineense. Infelizmente, estes processos de imposição, por um lado, e de rendição voluntária, por outro, têm acontecido graças à cumplicidade do próprio Povo e, sobretudo, de tantos partidos “inflacionários” da Guiné-Bissau.
Assim sendo, a Guiné-Bissau tem-se tornado num “refém” de interesses mesquinhos e obscuros de pessoas, para além do Povo, que pensam deter o poder e sentir-se na obrigação de o usar em benefício próprio. Concordando ou não com a minha posição, a Guiné-Bissau tem sido historicamente “sequestrada” pelos condicionalismos e caprichos internos de certos partidos e políticos de elites que pensam deter o poder nas suas mãos à revelia dos interesses superiores do Povo e do País.
E é tudo isso que tem arrastado o país para situações nunca pensáveis antes e com receios de profundas divisões institucionais, étnicas e sociais que precisam de ser admitidas, discutidas e saneadas. E pela graça de Deus, a nossa sorte tem sido o espírito aberto e amável de um guineense que para além de rejeitar a violência, tem aceitado e abraçado os ideais da unidade e coesão nacional. Mas, não deixa de ser uma tremenda pena a falta de uma reciprocidade política por parte de quem tem “mandado” e “desmandado” nos destinos da nossa bela e amada pátria.
Mas, voltando à questão da “fragmentação” e no ponto de vista eleitoral, sei que existem outros argumentos, nomeadamente a necessidade de actualização de uma lei eleitoral antiquada que precisa de mudanças urgentes e significativas. Sei que existem relacionamentos institucionais entre os órgãos eleitorais, governativos, judiciais e partidários que têm afectado negativamente a tradução fiel da escolha do Povo.
Além disso, também estou consciente das propaladas ligações perigosas que têm existido entre muitos políticos guineenses e as instituições militares e paramilitares do país. Essa aparente cumplicidade tem tornado o slogan “o poder está nas vossas mãos” numa mera propaganda cívica para o “inglês” ver. Os Americanos preferem o termo “wishful thinking” ou seja “o pensamento desejável”.
E por estas e tantas outras razões, a Guiné-Bissau é um país “politicamente falhado” — governos constantemente fracassados, instituições débeis e quase falidas. E, mesmo assim, o Poder continua concentrado nas mãos dos que não têm sido capazes de demonstrar a “nobreza” de ser um servidor público e governativo e engrandecer, consequentemente, o país.
Em poucas palavras, a lei é abusada pelos políticos gananciosos, arrogantes e egoístas; a segurança é abusada pelas instituições que a deveriam garantir e os guineenses são abusados por um sistema político-partidário que opera em base de obscuridade, fragmentação e perpetração no Poder, custe o que custar.
Assim sendo, é a minha convicção pessoal de que até aqui muitos partidos políticos, as forças armadas, as forças policiais, e até muitos políticos honestos, activistas da sociedade civil, e muitas outras pessoas de bem, são tomados como reféns pela manifesta sede pelo poder, pelas agendas pessoais, pelos interesses alheios à causa nacional, pelo antipatriotismo e pelas ideologias distorcidas que tendem a injectar a impotência e a fragmentação e, consequentemente, acelerar o descarrilamento da sociedade guineense.
Mas, o Povo deve saber que, na verdade, o poder está nas suas mãos. Mas, se o Povo não fizer alguma coisa com o poder e protegê-lo, ele, o Povo poderá tornar-se vítima e prisioneiro do mesmo poder que ele próprio (propositadamente ou inocentemente) abandonou.
Mas, para evitar este perigo, fruto de descuidado, da atitude de desprezo, da impotência e da fragmentação, os guineenses devem assumir as suas responsabilidades para com o país e para com o poder. Portanto, o meu apelo ao bom Povo da Guiné-Bissau é de começar a colocar o Poder em mãos certas, tendo em conta as questões de desenvolvimento, da democracia e da união como as prioritárias. Você ainda pode fazê-lo hoje, porque amanhã poderá ser tarde demais!
O quadro político e económico da Guiné-Bissau é sombrio e preocupante e ninguém precisa de ser um génio para chegar à esta conclusão. Se os guineenses não deixarem de continuar a capacitar os “abusadores” do poder, os corruptos, os assassinos e tantos outros responsáveis pelos atrasos registados na Guiné-Bissau, estaremos a puxar o país para um abismo da ignorância e do atraso ainda mais profundo e irreversível.
Para concluir, diria que a Guiné-Bissau não pode continuar a brincar com a autodestruição, como tem feito há décadas. Por exemplo, sabem o que fez (e faz) dos Estados Unidos da América uma superpotência? O que fez (e faz) dos EUA uma superpotência não é apenas as suas Forças Armadas, a sua potência nuclear, o seu tecido económico e a sua democracia. A resposta está na confiança nas instituições do país e na sua previsibilidade. E se algum argumento político “mesquinho” tirasse a confiança ao país mais poderoso do mundo, isto seria como uma autodestruição.
E no caso da Guiné-Bissau, tivemos vários exemplos em como criar sucessivas instabilidades, problemas e crises, mas tem faltado iniciativas em como podemos criar a paz, incentivar o debate de ideias, e promover as oportunidades e o desenvolvimento do país. Uma tal “cultura” de paz, da estabilidade e do desenvolvimento não se “cultiva” com seminários e conferências, como tem sido o hábito do guineense. Ela construir-se-á com um projecto de investimento a longo termo que priorize a área educativa e cultural, abrangente e verdadeiramente nacional e inclusiva.
A curto termo, a Guiné-Bissau deve esforçar-se no sentido de se tornar num país em que o poder e as suas instituições têm peso e relevância. Muitos países foram formados em princípios simples, mas viáveis, não baseados em religiões, conquistas territoriais, economias, geografia, e divisões étnicas, etc., etc.. E para termos um país viável, devemos abraçar estes princípios simples da liberdade, da democracia, dos direitos humanos e devemos começar a pensar em acções de desenvolvimento que garantam o bem-estar do Povo.
A Guiné-Bissau é um país onde temos tudo. Temos recursos naturais e humanos em abundância. Temos tudo para torná-lo num grande país. No entanto, temos que deixar de “semear” e “alimentar” atritos e conflitos – independentemente dos seus tamanhos — que só nos conduzem para a autodestruição, agindo como se fossemos pessoas loucas, intelectuais deficientes e políticos mal preparados.
Como muitos outros guineenses, eu também sonho com um dia quando a palavra Guiné-Bissau poderá significar mais do que um país de conflitos infligidos. Eu acredito que esse dia pode não estar tão distante. Muitos países já nos provaram de que não obstante um passado bastante doloroso e difícil, as possibilidades de mudanças positivas são alcançáveis. Através de um trabalho duro de pessoas bem-intencionadas e de políticos honestos e patriotas, os desafios de hoje podem tornar-se em oportunidades para todos.
Claro, estou ciente das dificuldades do caminho a seguir. E sabemos que as decisões a tomar podem ou não ser perfeitas. Mas, não tenho uma mínima dúvida de que o bom Povo da Guiné-Bissau pode ser o autor do seu próprio destino. Realmente podemos ser, apesar de toda a negatividade e dos conflitos que testemunhamos nas arenas políticas, nas forças armadas, nos fóruns judiciais, na administração pública, e na sociedade civil em geral.
Embora às vezes tudo possa parecer impossível — Como o líder histórico da África do Sul, Nelson Mandela, nos provou — quando investimos na esperança, quando mostramos a persistência, quando ficamos fiéis aos nossos valores mais profundos, quando estamos dispostos a levantar-se e preencher o vácuo, e quando temos a vontade genuína de liderar, podemos transformar a nossa história e o nosso próprio destino.
Em última análise, o que faz um país forte é o seu Povo. Assim sendo, as autoridades do país têm o dever e a obrigação de investir na capacitação dos cidadãos da Guiné-Bissau. Todos nós devemos incentivar-nos mutuamente a não só cantar as canções de liberdade e louvar a nossa história, mas sobretudo empenhar-se na luta para o reforço da cidadania, da inclusão, e da participação.
Lembrem-se de que o poder e o futuro podem estar nas vossas mãos. E seria bom se não desperdiçássemos mais um dia no futuro da Guiné-Bissau. Façamo-lo em memória de milhares de almas que ficaram pelo caminho; Façamo-lo em prol desta geração e façamo-lo pensando nas gerações vindouras.
Façamo-lo pensando nesta gloriosa terra dos nossos avós que é fruto das nossas mãos e das nossas lutas, mas que só podemos construir na paz e o progresso!
**Feito em Atlanta, EUA, Janeiro de 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário