O fim do mandato do atual Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, tem suscitado, nos tempos, um “debate aceso” entre os atores políticos e a comunidade jurídica da Guiné-Bissau. Uns defendem o fim do mandato a 4 de setembro de 2025, outros contrariam essa tese e apontam 27 de fevereiro deste ano.
Num artigo escrito e publicado pelo constitucionalista guineense, Carlos Vamain, sobre o fim do mandato e que a redação de O Democrata solicitou ao próprio Vamain, esta figura que foi dirigente na Guiné-Bissau, deixou claro que” é um dos temas que deveriam dispensar qualquer comentário ou artigo de opinião contra legem imposta pelo nosso ordenamento jurídico, as leis e regulamentos que informam o nosso Estado”.
“Não sendo esta a nossa realidade atual, impõe-se observar que, de acordo com o disposto no Artigo 66º, nº 1, da Constituição da República:-o mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos”, indicou, sustentando que perante este dispositivo constitucional, não existem dúvidas quanto ao fim do mandato do Presidente da República no ordenamento jurídico da Guiné-Bissau.
“No caso do mandato do atual Presidente da República, tendo este assumido as funções em 27 de fevereiro de 2020, o mandato começa a contar a partir da sua tomada de posse e deve terminar em 27 de fevereiro de 2025”, afirmou.
Segundo Carlos Vamain, perante esta situação de imbróglio jurídico-político criada por lei N.º3/1998, de 23 de abril e mantida pela revisão desta promulgada em 25 de setembro de 2013, tendo-se em consideração o princípio da legalidade dos atos do Estado em direito público, a saber, não se presumem direitos nem deveres, a única via para sanar este imbróglio é o recurso à via judicial , suscitando para o efeito a sua inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 126º, da Constituição da República.
“Uma diligência que não fora empreendida até à data presente pelos atores politico, os principais interessados”, lamentou.
Para o constitucionalista guineense, não tendo sido suscitada a inconstitucionalidade do disposto no artigo 3º, n.º 2, da lei N.º 10/2013, de 25 de setembro, relativo às eleições presidenciais e legislativas, este dispositivo legal serviu de fundamento, nomeadamente para a fixação da data das eleições presidenciais em 2019 e que tiveram lugar entre 23 de outubro e 25 de novembro, sem que tenha havido uma contestação judicial em relação ao Decreto Presidencial proferido para o efeito. E, ao que tudo indica, as próximas eleições vão ter lugar, uma vez mais, nessas datas, nos termos do artigo 3º, n.º 2, da lei eleitoral.
“Pois, a construção e a consolidação ulterior do Estado de direito democrático passam forçosamente pelo recurso ao tribunal judicial competente com vista à resolução de quaisquer litígios. E isso, não obstante no caso em espécie, a Constituição ter remetido para a lei eleitoral a definição do sistema eleitoral, as condições de elegibilidade, a divisão do território em círculos eleitorais, o número de deputados, bem como o processo e os órgãos de fiscalização dos atos eleitorais, nos termos do artigo 60º, da Constituição da República, que não deve servir de fundamento para validar a não conformidade do disposto na lei eleitoral com a Constituição da República”, lembrou.
“Em consequência, nos termos do disposto no artigo 71º da Constituição da República, não se vislumbra a substituição do Presidente da República ao termo do mandato presidencial pelo simples facto de não se estar perante a vacatura das suas funções, que pressupõe a renúncia ou a morte, que equivale ao impedimento definitivo”, insistiu.
Carlos Vamain apontou que a única e exclusiva condição que pode desencadear a aplicação do disposto no artigo 71º, n.º 2, da Constituição da República, seria, como indica este articulado: “em caso de morte ou impedimento definitivo do Presidente da República, assumirá as funções o Presidente da Assembleia Nacional Popular ou, no impedimento deste, o seu substituto até tomada de posse do novo Presidente eleito.”.
“Devendo, neste caso, imperativamente, serem realizadas as eleições presidenciais no prazo de 60 (Sessenta) dias, não podendo, nos termos do n.º 4, do Artigo 71º, o Presidente da República interino, exercer as atribuições previstas nas alíneas g), i), m), n), o), s), v) e x) do artigo 68º e ainda nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 69º da Constituição.»
Esclareceu neste particular, que estas alíneas referem-se, nomeadamente às competências presidenciais relacionadas com a nomeação e exoneração do primeiro-ministro; a nomeação e exoneração dos restantes membros do Governo; a presidência do Conselho de Ministros, quando entender; o empossamento dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça; a nomeação e exoneração, sob proposta do Governo, do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas; a promulgação das leis, dos decretos-lei e dos decretos; a Declaração do estado do sítio; e a concessão de títulos honoríficos e condecorações do Estado.
Vamain concluiu a sua análise jurídica, alertando que enquanto não for resolvido o imbróglio jurídico-político decorrente da legislação eleitoral por inconstitucionalidade, acrescido da sua prática reiterada – nomeadamente nas eleições realizadas em 1999 e em 2019, entre outubro e novembro -, nos termos da legislatura e do mandato presidencial adotada como justificativa, na altura, para evitar a sua coincidência com a época chuvosa, que parecia constituir um precedente equivalente à jurisprudência, vai-se atropelando a Constituição da República, nesta matéria, pela aplicação do artigo 3°, n°. 2, da lei eleitoral.
Por: Filomeno Sambú
Conosaba/odemocratagb.
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