terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Guiné-Bissau: deputado "detido ilegalmente por mílicias de Sissoco"


O deputado dos guineenses na diáspora, Flávio Baticã Ferreira, residente em França, detido na Guiné-Bissau a 17 de Fevereiro de 2024. © Facebook Flávio Baticã Ferreira

Foi detido, na Guiné-Bissau, a 17 de Fevereiro, o deputado do PAIGC para a diáspora Flávio Baticã Ferreira. Homens encapuzados detiveram-no acusando-o de ter participado numa cerimónia ritual, com o objectivo de preparar um golpe de Estado. Contactado pela RFI, o advogado francês de Flávio Baticã Ferreira denuncia "pretextos falaciosos" e considera tratar-se de um "atentado grave contra a democracia que deve ser colocado perante a cena internacional".

De acordo com as primeiras informações, o deputado Flávio Baticã Ferreira encontra-se actualmente, nesta terça-feira 18 de Fevereiro, detido nas instalações do Ministério do Interior, em Bissau.

O representante político da diáspora guineense na Europa reside habitualmente em França. O advogado francês de Flávio Baticã Ferreira não conseguiu, até ao momento, contactá-lo. Mas, segundo as informações que tem, foi detido depois de ter participado numa cerimónia religiosa, sob pretexto de ter "preparado um golpe de Estado".

"Flávio Ferreira é meu cliente há já algum tempo. Ele está muito implicado na campanha política [guineense]. As informações de que disponho é que chegaram milícias à sua casa. Decidiram prendê-lo. Julgo que tinha estado numa cerimónia religiosa e quando o capturáram alegaram que era uma prova de que estava a preparar um golpe de Estado", relata o advogado. O que revela, de acordo com o mesmo, "a pouca vontade do regime em respeitar as liberdades fundamentais".

O deputado Flávio Ferreira, do PAIGC, já tinha alertado o advogado sobre os receios que nutria em relação à sua segurança. "Muito envolvido na campanha política na Guiné-Bissau", diz ainda Nicolas Ligneul, "Flávio Ferreira candidata-se às legislativas e apoia a candidatura do presidente [da Assembleia Nacional Popular] Domingos Simões Pereira. Sentia-se em perigo, mas mas sendo um homem corajoso, voltou para a Guiné-Bissau, apesar de o ter advertido para não o fazer".

Apesar de admitir que, a nível jurídico, pouco pode fazer a partir do território francês, o advogado Niolas Ligneul afirma que "se trata de um atentado muito grave contra a democracia e as liberdades fundamentais, que deve ser colocado perante a cena internacional, por forma a que finalmente se reconheça a qualidade de ditador do Presidente actual da Guiné-Bissau" e que "se possa finalmente organizar eleições livres neste país que bem precisa delas".
"Organizar uma cerimónia religiosa não é crime"

A motivação da sua detenção, a confirmar, prende-se com a participação em cerimónais religiosas. "Este é um não-assunto", esclarece Bubacar Turé, presidente da Liga guineense dos Direitos Humanos.

"Organizar cerimónias tradicionais não é um crime naa Guiné-Bissau. Não há nenhuma lei que tipifica isso como crime. E mesmo que fosse crime, a imunidade do deputado teria de ser levantada e um processo teria de ser instaurado nos termos legais, através da Polícia Judiciária", explica o defensor dos direitos humanos.

Bubacar Turé recorda que, por ser deputado, Flávio Baticã dispõe de uma imunidade e que, por essa razão, foi ilegalmente detido.

"A verdadeira razão [da detenção] tem a ver com perseguições políticas. Estamos a lidar com um regime autoritário, hostil às liberdades fundamentais, às vozes discordantes. O senhor Flávio já teve um incidente com a polícia e já foi detido uma vez. É um deputado com imunidade parlamentar, portanto não pode ser detido, a não ser nos casos de flagrante delito", afirma Bubacar Turé.

"Tudo isto se enquadra na estratégia deste regime autoritário de silenciar as vozes discordantes e tentar limitar o espaço político aos opositores", diz ainda.

"Milícias ilegais do presidente Sissoco Embaló estão alojadas no Palácio da república"

O antigo primeiro ministro da Guiné-Bissau, Aristides Gomes, também radicado em França, alerta para um factor comum a todas as recentes detenções. Segundo diz, "são sempre homens armados e encapuçados", portanto não identificados, o que o leva a falar em milícias ilegais do presidente Umaro Sissoco Embaló.

"Não há nenhuma detenção que se faça através da via judicial, através da Polícia Judiciária. Todas as detenções são feitas pelo Ministério do Interior e eu diria que há uma coerência. Porquê? Porque as instituições policiais tradicionais não são elas que perpetuam essa repressão. Quem faz a repressão são as milícias do presidente Sissoco", afirma Aristides Gomes.

"Já estamos habituados à ilegalidade deste regime, mas o que eu quero mostrar é que por detrás, digamos, da das instituições tradicionais da polícia, há sempre a penetração dessa milícia que está alojada no Palácio da República e que habitualmente reprime, mas sob a forma encapuçada".

Os casos de espancamento e detenções arbitrárias têm sido vários, dentro e fora da Guiné-Bissau. Militantes guineenses foram espancados em Odivelas, nos arredores de Lisboa e em Paris, em Dezembro, à margem de um encontro entre o Presidente guineense e a diáspora radicada em França, na véspera do encontro entre os dois chefes de Estado.

De acordo com Aristides Gomes, a situação pode ir agravando-se à medida que chega o fim do mandato de Umaro Sissoco Embaló.

"Quanto mais nós nos aproximamos da data fatídica de 27 de Fevereio, mais o Presidente estará uma situação de apuros. Uma situação desagradável para ele. Portanto, a repressão irá intensificar-se. Já começa".

Aristides Gomes, primeiro-ministro da Guiné-Bissau de 2019 a 2020, do PAIGC, afirma ainda que "o Estado guineense, sob o regime de Sissoco, não conhece a aplicação do direito, baseia-se unicamente na repressão".

Para o político, "o discurso de Sissoco sobre a ordem, a disciplina... remete-nos para o discurso salazarista que nós já conhecemos. Enfim, o discurso fascista que nós conhecemos em toda a parte".

Até à publicação deste artigo, não foi possível obter a versão das autoridades, não obstante as tentativas feitas nesse sentido.
 
Por:Eva Massy
Conosaba/.rfi.fr/p

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