Realizadores guineenses Sana Na N'Hada (à esquerda) e Flora Gomes (à direita), em Bissau em Setembro de 2023. © Liliana Henriques / RFI
A Guiné-Bissau comemora no próximo dia 24 de Setembro os 50 anos da sua independência. Neste quadro, a RFI propõe desde esta segunda-feira e até domingo uma série de reportagens e entrevistas alusivas à História do país e em particular ao período da luta de libertação. Hoje, no oitavo episódio desta série, debruçamo-nos sobre a importância da comunicação, através do cinema documentário.
Para dar a conhecer a luta fora das fronteiras do país, Amílcar Cabral designou um grupo de jovens para aprenderem cinema em Cuba e depois voltarem para filmar a guerra. Os realizadores Flora Gomes e Sana Na Hada faziam parte desse grupo. Depois de 5 anos de formação, eles vão para a Guiné-Bissau e filmam o derradeiro período da guerra de libertação nos primórdios dos anos 70.
Tanto para um como para o outro, nada os predestinava a enveredar pela via da sétima arte.
Depois de a sua aldeia ter sido atacada e destruída quando ele tinha treze anos, Sana Na N'Hada e a mãe refugiam-se junto de guerrilheiros. Começa então uma odisseia que o vai levar, ainda adolescente, a leccionar numa escola, para depois encetar estudos de medicina na URSS até regressar a Conacri e ser escolhido por Amílcar Cabral, para ir aprender a filmar em Cuba.
"Cabral disse ao meu colega José Bolama, eu e Josefina Crato que íamos fazer cinema. Só que eu nunca tinha visto um filme na época. Não sabia o que era. O Cabral explicou e depois ficou a rir. Depois, o grupo cresceu, o Flora também foi connosco para Cuba. Depois voltamos a Conacri em 1972. A partir de 1973, estávamos a filmar a guerra, Flora e eu", recorda.
Também adolescente, Flora Gomes conheceu Amílcar Cabral no congresso de Cassacá em 1964, e acabou por frequentar, num primeiro tempo, a escola-piloto, até ser também escolhido para aprender cinema em Cuba. "Eu tinha 14 anos quando encontrei Amílcar. Lembro-me perfeitamente que ele perguntou-me o que é que eu iria fazer, se eu estudava. Sobretudo Luís Cabral perguntava a toda a gente o que é que tu estudavas, se ias à escola. Foi assim que Cabral levou um grupo entre os quais eu para Conacri" conta o cineasta.
"Cabral era muito atento. Eu era um atleta, eu gostava muito de correr e eu sempre pus na minha mente que queria fazer educação física. O destino decidiu de outra maneira e que eu fosse para essa complexidade do mundo do cinema. Achei que Cabral tinha mais visão do que eu imaginava", considera Flora Gomes ao dizer que "se não fosse Cabral, não estaria aqui".
A missão de filmar a realidade do seu país acabou por prolongar-se bem além da guerra para Sana Na N'Hada cujo cinema continua marcado por esse período e pela dívida que sente ter para com Amílcar Cabral. "A dívida que nós temos, que eu sinto que eu tenho com Amílcar é de ter pensado em criar um grupo de pessoas e em formar pessoas no domínio do cinema. (...) Como não há neste país estruturas para a produção de filmes, temos estado a produzir muito pouco daquilo que tencionamos fazer" diz o cineasta antes de concluir que "o mais importante é que o que Cabral deixou, há muito que estamos a trabalhar nisso, mas a juventude agora também precisa saber disso. Alguém tem de pensar em ensinar isso aos jovens. Para isso, o cinema pode contribuir um pouco. Acho que valeu a pena lutar, para termos um país como temos agora".
Por:Liliana Henriques com Conosaba do Porto
rfi.fr/pt/
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