segunda-feira, 14 de junho de 2021

Setor de Farim: INGERÊNCIA POLÍTICA E “MÃOS OCULTAS” OFUSCAM O PROCESSO DE PROSPEÇÃO DO FOSFATO

 

[ENTREVISTA_junho_2021] A comissão de gestão da exploração do fosfato de Farim e a Associação dos Filhos e Amigos de Salquenha denunciaram que ingerências e interesses de mãos ocultas estão a obstaculizar a exploração e as indemnizações às famílias vítimas da exploração do minério em Salquenha. A denúncia dos dois ativistas foi  registada durante uma entrevista concedida  ao jornal O Democrata para falar da exploração do fosfato interrompida desde 2009, bem como do processo de indemnização das famílias afetadas.

A exploração de fosfato de Farim vai mobilizar uma área geográfica de 1250 hectares e afetar 108 campos agrícolas de cerca de 3200 famílias repartidas em 11 tabancas, das quais as cinco mais afetadas serão reassentadas. Ainda de acordo os dados apurados, a mina de fosfato de Farim (Saliquenha) conta com uma reserva de cerca de 120 milhões de toneladas e a exploração do minério deverá decorrer por um período aproximadamente de 30 anos para uma produção estimada de 1.000.000 toneladas por ano. 

ASSOCIAÇÃO CONSIDERA NULO E INEXISTENTE O PROCESSO DE INDEMNIZAÇÕES ÀS FAMÍLIAS AFETADAS

Em entrevista ao jornal O Democrata, Tuncam Cisssé, ponto focal da Associação dos Filhos e Amigos de Saliquenha, disse que o processo de indemnizações “é nulo e inexistente”, porque nunca aconteceu como tinha sido definido. No plano definido, segundo Cissé, dos mais de cinquenta milhões de francos CFA que seriam canalizados anualmente para o governo regional, cinco por cento do montante global seria a parte das 11 tabancas afetadas pela exploração, mas apenas uma vez beneficiaram dos cinco por cento no governo de antigo primeiro-ministro, Úmaro Sissoco Embaló, atual chefe de Estado da Guiné-Bissau (18 de novembro de 2016 a 30 de janeiro de 2018).

Tuncam Cissé disse que a empresa que estava a explorar o Fosfato de Farim até 2009 era ITAFOS, mas por causa de ingerência política no processo e da falta de colaboração dos sucessivos governos, o processo parou, porque “tirando o atual vice-primeiro-ministro, Soares Sambú, desde o governo de Aristides Gomes, nunca reunimo-nos com nenhum primeiro-ministro nem ministro dos Recursos Naturais”.

“A reunião com Soares Sambú aconteceu há sensivelmente quatro meses e conseguimos transmitir-lhe as nossas dificuldades, o nosso sofrimento, a vida precária que levamos nessa aldeia. Recebemos dele informações de que, dos mais de cinquenta milhões de francos CFA que são canalizados para a região, as tabancas afetadas pela exploração beneficiariam de, pelo menos, nove milhões de francos CFA. E sabemos que esse valor disponibilizado  para a região também é para beneficiar outros setores da região e é entregue, anualmente, à administração local, mas a parte das tabancas de Salquenha nunca foi entregue à aldeia”, denunciou.

Frisou que Soares Sambú confessou não ter conhecimento sobre o dossiê.  Mas assegurou, na altura logo depois da reunião, na companhia do deputado da Nação Braima Djaló do círculo eleitoral nº 06 que, apesar de não ter conhecimento sobre o dossiê, encontrar-se-ia com o antigo ministro dos Recursos Naturais e da Energia, Jorge Malú, para se inteirar. Porém, disse que até ao momento da entrevista não tinham recebido nenhuma informação dos contatos feitos ou não por Soares Sambú.    

Segundo o ativista, o espaço identificado para o reassentamento dos habitantes das 11 tabancas atingidas já foi oficializado e é de conhecimento da população, mas nada evoluiu, porque o recenseamento dos populares estagnou.

Tuncam Cissé disse que os sucessivos governos mostraram falta de interesse em ajudar a população de Salquenha e seguir, de forma pormenorizada, todos os procedimentos ligados à operação Fosfato de Farim e acusou o atual governo de Nuno Gomes Nabian de bloquear a implementação de muitos projetos em Salquenha.

“Falo do projeto de água potável, da estrada que liga Ingoré, Bigene e Farim, das escolas de qualidade, de centros de saúde, da eletricidade no âmbito do projeto OMVG, porque a população não foi recenseada ainda. Que argumento é esse?” Questionou e convidou os atuais dirigentes a desbloquearem o processo de recenseamento, que está parado há muito tempo e no meio de  muitas incertezas,  para que a aldeia possa  beneficiar dos mesmos projetos que as outras regiões.

COMUNIDADE RECLAMA PELOS PREJUIZOS SOFRIDOS E SEUS ANIMAIS DEVIDO À PROSPEÇÃO DO FOSFATO

O Democrata apurou que o único centro de saúde que existe na comunidade local foi construído com ajuda de missionários católicos e que o ministério dos Recursos Naturais teria solicitado a Comissão das 11 tabancas afetadas e a Associação local, que elaborassem um projeto para aquisição de medicamentos,  a preços acessíveis, em caso de necessidade. O projeto, de acordo com Cissé, foi elaborado e entregue, mas ficou inativo por falta de fundos para sustentá-lo.

Denunciou que o Estado não os apoia em nada e que cada família luta por si para sua própria sobrevivência e auto-subsistência.

Questionado sobre as razões por que os cinco por cento de que as tabancas deveriam beneficiar não foram entregues até agora, o ativista revelou que fizeram várias diligências junto do antigo administrador Veríssimo Tambá, que lhes confirmou que existe dinheiro, mas que seria desbloqueado mediante projetos concretos e exequíveis.

“Elaboramos o projeto que seria financiado em nove milhões de francos CFA, mas sem resultados. Veio outro administrador, Edison Pereira. Com este último trabalhamos  num plano de abertura de contas de cada associação que existe e da própria comissão para que seja possível a implementação do referido projeto, mas resultou em nada”, sublinhou.

“Também contamos com a intervenção do antigo Presidente da República, José Mário Vaz, que conseguiu colocar à disposição da comunidade de Salquenha uma máquina de descasque de arroz. Para além disso, nada mais”, indicou.

Cissé disse não ter dúvidas nenhumas que o processo está como está, ou melhor, tem decorrido como decorreu até aqui porque houve interferência política e mãos ocultas e acusa o governo de falta de interesse em sentar-se à mesa com os populares locais para discutir os problemas reais e os projetos de que as tabancas vão beneficiar, no âmbito da exploração de Fosfato de Farim.

Segundo os relatos dos dois ativistas (presidente da comissão das 11 tabancas afetadas pela exploração de Fosfato de Farim e ponto focal da Associação de filhos e amigos Salquenha), ao longo da primeira fase de exploração do mineiro, os trabalhos terão provocado prejuízos enormes à população local, na saúde humana, animal e plantas. Ou seja, a falta de alimentos, derivada de falta de campos de qualidade para agricultura, e o pó resultante da movimentação das máquinas causou problemas de saúde (gripes e outras doenças), como também diminuiu a capacidade de reprodução de algumas plantas e muitas delas, que eram fonte de rendimento de muitas famílias de Salquenha (limoeiros, bananais, laranjas, mangueiras…) passaram desde então a produzir frutos frouxos.  

COMISSÃO CRITICA GESTÃO DE FUNDO DESTINADO AO SETOR E EXIGE A ENTREGA DOS SEUS CINCO POR CENTO

Em reação à demora da entrega dos cinco por cento de que as tabancas afetadas pela prospeção de fosfato deveriam beneficiar, o presidente da Comissão das 11 tabancas afetadas, Malam Tambadu, criticou a atuação dos sucessivos governos e exigiu que os cinco por cento passem a ser entregues anualmente à comunidade de Salquenha para execução de projetos de desenvolvimento  local, que até agora não  têm sequer um único financiamento do governo.

Malam Tambadu disse que desde que se iniciou a prospeção daquele minério em Farim, tal não trouxe nenhum benefício às tabancas vítimas, porque o dinheiro (os mais de cinquenta milhões de francos CFA) está a ser gerido sem controlo.

“A primeira vez recebemos cerca de dez milhões e a segunda oito milhões de francos CFA. Desde então, não recebemos nada e estamos há três anos sem nenhuma comunicação com o governo” contou o responsável da associação das aldeias vítimas do trabalho de prospeção do fosfato, para de seguida avançar que a comunidade continua a viver e a cultivar ao lado do campo de prospeção do minério, com todas as consequências porque o reassentamento das aldeias afetadas ou que se encontram no perímetro dos trabalhos da possível exploração daquele minério foi interrompido.    

Em março de 2018, a Organização Não-governamental guineense Tiniguena tinha defendido uma exploração racional e divisão equitativa dos recursos naturais, assim como a convivência sã entre as pessoas, a harmonia entre o ser humano e a própria natureza, para a sobrevivência da população.

A preocupação da Tiniguena foi manifestada, na altura,  por Miguel de Barros, Secretário Executivo da ONG na abertura oficial dos trabalhos do Fórum Nacional dos Atores Comunitários sobre o Reassentamento Populacional e Direitos Comunitários que teve lugar na cidade de Farim, norte da Guiné-Bissau.

Questionado sobre o assunto, Tuncam Cissé elogiou a ideia, mas ao mesmo tempo diz recear que a mesma não passe de apenas “uma mera miragem”, porque a ingerência política e os interesses de mãos ocultas acabarão por consumir todos os benefícios e direitos que lhes são reservados por lei.

Por: Filomeno Sambú

Conosaba/odemocratagb

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