Enquanto cidadão guineense atento a evolução das relações diplomáticas entre a Guiné-Bissau e alguns países vizinhos, com especial destaque ao caso da Guiné-Conakry, sinto-me no dever de interpelar a sua Excelência sobre o seguinte:
Desde que a Sua Excelência assumiu as rédeas do poder na Guiné-Bissau as relações diplomáticas com a Guiné-Conakry azedaram-se consideravelmente, motivada essencialmente pelos desencontros pessoais entre si e o seu homólogo daquele país irmão.
A situação agravou-se com a medida unilateral do Presidente Alpha Condé que decidiu de encerrar as fronteiras do seu país com a Guiné-Bissau, Senegal e Serra Leoa, efectivada no dia 27 de Setembro de 2020, nas vésperas das controvertidas eleições presidenciais.
Nesta contenda pessoal absolutamente alheia aos interesses estratégicos dos dois países com laços históricos, a Sua Excelência nunca desperdiçou oportunidades para atacar publicamente o seu homologo da Guiné-Conakry. O último episódio desta estratégia de confrontação, ocorreu em Accra, capital da República de Gana, em plena cerimonia de assinatura do acordo de cooperação militar entre a Guiné-Conakry e o Senegal patrocinado pela CEDEAO, com o objetivo de permitir a reabertura das fronteiras entre os dois países.
Na minha modesta opinião, a reação da Sua Excelência foi descontextualizada e, quiçá, a roçar a imprudência, por duas razões fundamentais:
1ª A Sua Excelência e os seus Pares estavam a testemunhar um ato soberano entre dois Estados – Senegal e Guiné-Conakry – que decidiram voluntariamente pôr termo a um diferendo que vinha prejudicando os interesses vitais dos respectivos povos. Não era um debate sobre o encerramento das fronteiras, se o fosse seria a porta fechada por respeito às regras de funcionamento da CEDEAO. O Papel dos participantes naquele evento era de meros observadores, pois, asintervenções colaterais de terceiros eram não só descontextualizadas mas também inapropriadas, daí a razão da reação do Presidente anfitrião da Cimeira.
2ª A Sua Excelência formulou juízos de valor sobre as decisões soberanas do Senegal e Conakry que decidiramenterrar o machado de guerra, ao afirmar que “nunca enviaria um ministro para assinar este tipo de acordo”. Com estas afirmações, a Sua Excelência estava a dizer aos Chefes de Estados dos dois países que estavam errados nas suas decisões de retomar as tradicionais e sempre fraternais relações entre os dois povos e, que o acordo não devia ter sido assinado. Ora, um Chefe de Estado não deve emitir juízos valorativos sobre as relações bilaterais entre outros Estados. Naturalmente, para além do mal estar que as suas intervenções provocaram na sala, os dois países devem ter sentidoofendidos porque um homologo quis lhes impor uma agenda que contraria os seus interesses.
Este episódio de Accra, é o pico de uma sequencia de atos públicos negativos protagonizados por Sua Excelência com prejuízos incomensuráveis nas históricasrelações de amizade entre o povo guineense e o da Guiné-Conakry.
Excelência Sr. Presidente da República!
Tenho assistido ao discurso que tem apregoado nos últimos tempos, em como “não há Estados pequenos e nem grandes… há sim, países pequenos e grandes”.
Esta é uma verdade absoluta, contudo, os critérios para tornar os países grandes não dependem do nível ou capacidade de confrontação dos seus líderes. Dependem, sim, do respeito pelos bons costumes internacionais e pelos valores e princípios democráticos universalmente aceites, da defesa intransigente e convicta da dignidade da pessoa humana enquanto base sobre a qual assentam os Estados modernos, e do respeito mútuo..
Outrossim, a cooperação e a amizade entre os povos são fatores primordiais no progresso da humanidade e no advento da indispensável harmonia entre nações, em particular aquelas cujas relações são históricas, afetivas e seculares. Nesta senda, a Guiné-Bissau e seu vizinho Guiné-Conakry estão condenados a viverem em perfeita harmonia, respeito mútuo, e, sobretudo, na estrita observância dos valores fundadores da CEDEAO – a solidariedade, a cooperação saudável entre Estados, não agressão, a justiça social, o respeito pelos direitos humanos, entre outros. Em homenagem a estes valores e aos ideais de Amílcar Cabral e Seco Turé, urge a Sua Excelência abandonar a lógica de confrontação com o Presidente Alpha Condé e não só, priorizando o diálogo construtivo como estratégia de resolução da diferença que vos separa.
Aliás, com a provável reabertura das fronteiras entre Senegal e Guiné-Conakry nos próximos dias em consequência do acordo de Accra, associada aconsumação da idêntica medida com a República de Serra Leoa em 18 de Fevereiro último, começa a ser insustentável a manutenção do atual status quo entre Bissau e Conakry.
Com esta Carta Aberta, não pretendo em nenhum momento legitimar o encerramento unilateral das fronteiras entre a Guiné-Bissau e Guiné-Conakri. Pelo contrario, independentemente dos motivos invocados, o encerramento ad aeternum das fronteiras constitui não sóuma afronta ao tratado fundador da CEDEAO mas também uma machadada ao protocolo sobre a Livre Circulação de Pessoas e Bens, sem ignorar a Convenção de Cooperação Transfronteiriça aprovada pelo Parlamento da CEDEAO em 2007.
Contudo, não podemos esquecer que o encerramento unilateral das fronteiras, apesar de consubstanciar uma violação dos princípios estruturantes da CEDEAO, tem sido uma prática recorrente entre os estados membros. Em 2014, a Guiné-Bissau encerrou unilateralmente as suas fronteiras com a Guiné-Conakry durante 4 mesessem nenhuma comunicação previa, em consequência da epidemia de Ébola naquele país.
Na altura, a decisão criou embaraços diplomáticos que só ficou resolvida com a recomendação de uma cimeira da CEDEAO que pediu aos países vizinhos da Guiné-Conakry no sentido de abrirem as suas fronteiras. Igualmente, em Agosto de 2019, a Nigéria encerrou unilateralmente as suas fronteiras durante 6 meses com 4 países vizinhos, Benim, Niger, Tchad e Camarões, invocando motivos bizarros – proteção da sua produção nacional do arroz.
Estes e outros exemplos demostram que os incidentes nas relações entre os países decorrem da própria complexidade do Estado. Eles não são inevitáveis, o que é salutar e crucial é a capacidade e a inteligência das lideranças de, em cada momento, em acionar mecanismos eficazes para criar pontes com vista a contornar as dificuldades, por mais complexas que possam ser.
Para terminar, reitero o meu apelo à Sua Excelência senhor Presidente da República no sentido de eleger a contenção e moderação na abordagem de assuntos do Estado, independentemente do grau de complexidade dos mesmos, , sobretudo quando está em causa as relações entre dois Estados soberanos.
Sem mais assunto Sr. Presidente, aceite as minhas elevadas considerações!
Bissau, 20/06/2021
Por: Bubacar Turé
Ativista dos Direitos Humanos
Conosaba/odemocratagb
Sem comentários:
Enviar um comentário