Lisboa, 12 mar 2021 (Lusa) – O presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) considerou hoje que a democracia na Guiné-Bissau “está posta em causa”, quer pelo desrespeito das leis, quer pelos abusos de direitos humanos.
“Penso que não há dúvidas nenhumas que a democracia está posta em causa na Guiné-Bissau […] pelo não respeito às leis” e “quando as leis não são respeitadas pode-se falar de regimes que não serão democráticos”, referiu Domingos Simões Pereira, em entrevista à Lusa no dia em que regressa ao seu país, após um ano a viver em Portugal.
Segundo o dirigente partidário, desde a chegada de Umaro Sissoco Embaló à Presidência da Guiné-Bissau, em fevereiro do ano passado, assistiu-se a “várias situações de uso completamente arbitrário da força por quem devia proteger a população”.
“Vimos responsáveis, mesmo deputados da nação, serem agredidos. Vimos dirigentes do nosso partido serem agredidos […] Vimos instituições a serem sequestradas, juízes que começaram por dizer que não tinham condições para deliberar sobre o contencioso eleitoral e foram pressionados a fazê-lo”, exemplificou.
Na perspetiva de Simões Pereira, candidato derrotado nas presidenciais, “quem não tem um plano e tenta, à medida que vai avançando, fabricar planos, não pode ter sorte sempre e vai ter este tipo de atuação”.
Questionado sobre se esteve fora do país durante um ano por temer pela sua segurança, o líder do PAIGC justificou com a pandemia e com o facto de que em Portugal tinha "mais condições para trabalhar e fazer contactos”.
Sobre eventuais cisões no seu partido e se isso coloca em causa a sua liderança no PAIGC, Domingos Simões Pereira referiu que a formação política que lidera “não vive de unanimismos”.
“Haverá vozes eventualmente que não estejam de acordo comigo. Essas vozes sempre existiram e sempre tiveram o seu espaço de afirmação dentro do PAIGC”, referiu, admitindo “alguma frustração” num partido que “ganha eleições e não consegue governar”.
O PAIGC venceu as eleições legislativas de 2019, mas o Governo liderado por Aristides Gomes foi demitido pelo atual Presidente, que empossou um executivo liderado por Nuno Nabiam.
“É próprio da natureza humana, perante situações dessas, procurar culpados, procurar onde descarregar essa carga negativa. É perfeitamente normal que se olhe para o líder do partido como quem deve produzir as respostas a todas as nossas frustrações e sentimentos”, disse, afirmando-se “preparado para assumir essa responsabilidade”.
Segundo Simões Pereira, as autoridades atualmente no poder não respeitaram as leis e a vontade expressa pelo povo nas urnas de ter o PAIGC quatro anos no poder, gerando uma situação “de absoluta instabilidade” no país.
Questionado sobre o projeto de revisão constitucional de uma comissão nomeada pelo Presidente guineense, que prevê, nomeadamente, restringir a participação de candidatos que residam no estrangeiro, o dirigente referiu que, “se isso fosse observado, o próprio Sissoco Embaló não poderia candidatar-se porque residiu fundamentalmente no estrangeiro”.
Simões Pereira considerou que este tipo de proposta “é próprio de pessoas que não acreditam no sistema democrático” e lembrou que a iniciativa de apresentar propostas de revisão constitucional cabe exclusivamente ao parlamento.
O presidente do PAIGC admitiu que é necessário fazer alterações pontuais à Constituição para “evitar incongruências” como o chefe de Estado presidir ao Conselho de Ministros, quando se trata de um regime semi-presidencialista.
Quanto a uma revisão mais alargada da Constituição, defendeu que deve “ser um exercício para toda uma legislatura” e depois de “lançar um processo de auscultação nacional para uma eventual mudança do próprio sistema do Governo se for esse o caso”.
Simões Pereira criticou ainda a gestão que os políticos têm feito do combate à pandemia de covid-19, não permitindo “que os guineenses acompanhem essa situação com um pouco mais de responsabilidade e um pouco mais de alerta”.
“Uma prevenção de uma situação destas não se pode fazer a nível setorial, não podemos ficar dentro do sistema de saúde […], é toda a governação, é o alerta, é a forma como os cidadãos acreditam nas mensagens que os responsáveis vão transmitindo, é a forma como nós abordamos a própria vida”, disse, lamentando “comportamentos absolutamente irresponsáveis”, apesar de se congratular pelo trabalho feito pelo Alto-Comissariado para a Covid-19, liderado pela ex-ministra da Saúde Magda Robalo.
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