segunda-feira, 22 de março de 2021

Campanha de caju-2021: AGRICULTORES CRITICAM A GESTÃO DO FUNPI E ESTÃO PREOCUPADOS COM O PREÇO BASE DA CASTANHA

 

[ENTREVISTA_semana n°11/2021] O presidente da Associação de Agricultores da Guiné-Bissau (ANAG), Jaime Boles Gomes, criticou duramente a gestão de somas de bilhões de francos cfa angariados pelos sucessivos governos, no âmbito do Fundo de Promoção de Investimento Industrial (FUNPI), do qual os agricultores não beneficiaram de nada. Também se mostrou preocupado com a situação da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) que sufocou a economia nacional, em particular da castanha de cajú, no ano passado, por causa das medidas de restrições impostas. Acrescentou que estão igualmente preocupados sobre o preço base da compra da castanha de cajú por quilograma da parte do executivo.

O agricultor fez estas afirmações durante uma entrevista (março de 2021) ao Jornal O Democrata para falar da situação dos agricultores que, em algumas zonas, já estão a lamentar as dificuldades em termos de produtos alimentares, bem como das perspectivas sobre a presente campanha da comercialização da castanha de cajú, e, sobretudo, no que concerne ao preço base para o quilograma da castanha.

No ano passado, o preço de referência da castanha foi de 350 Francos CFA, depois se registou o aumento do preço aos poucos, no terreno, até chegar aos 550 Francos CFA, já no final da campanha. O processo da exportação da castanha continua a decorrer nos portos de Bissau até este momento e, de acordo com as informações apuradas do ministério do Comércio, conseguiu-se exportar até agora mais de 155 mil toneladas da castanha de caju e a perspetiva do governo era chegar 180 mil toneladas. 

FUNPI FOI CRIADO PARA PROMOVER A PRODUÇÃO AGRÍCOLA, MAS OS GOVERNANTES “COMERAM” O DINHEIRO

Jaime Boles Gomes disse na entrevista que a Guiné-Bissau não tem pomares de cajú, mas sim “matas de cajú” desorganizadas devido à falta de uma agricultura modernizada que oriente os produtores a respeitarem o espaçamento recomendado cientificamente para permitir que raios do sol toquem a copa dos  cajueiros, de forma a garantir o seu desenvolvimento e a sua consequente reprodução em quantidade e qualidade. Frisou que é preciso dotar as organizações agrícolas de meios necessários a fim de poderem entrar com a componente de mecanização do sistema e evitar assim, aquilo que considera “desorganização” na plantação de caju.

Referiu que não é possível criar o Fundo de Promoção de Investimento de Industrial (FUNPI), através do qual angariou-se somas de biliões de Francos CFA, mas nenhum franco foi investido no setor de cajú, e, sobretudo, para promover as boas práticas da produção de cajú.

Frisou que os guineenses têm problemas sérios no que concerne à gestão da coisa pública, tendo sustentado que o atraso do desenvolvimento da Guiné-Bissau deveu-se aos próprios guineenses e principalmente àqueles que assumem as rédeas da governação e que “trabalham com má-fé”. 

“O FUNPI foi criado no passado, mas “comeram” esse dinheiro todo e nada entrou para a promoção do setor de cajú. Em 2019, foi angariado um bilhão e 950 milhões Francos CFA e nem 25 francos foram investidos na fileira de cajú. Em 2019, preparamos um plano de ação nesse quadro, porque nos disseram para criar uma conta co-titulada por ANAG, ANCA e Tesouro que deviam ser assinantes da mesma, mas infelizmente não chegamos de criar essa conta e nem sequer chegou-se a trabalhar um termo de referência para o efeito e esse dinheiro acabou por perder assim ou simplesmente não sabemos mais nada deste fundo. Em 2020, repetiu-se a mesma coisa, porque o documento não foi revogado e este ano, o atual governo está à procura de solução para implementação desta conta e pedimos que quando anuncia o preço base de cajú que exiba os documentos dessa conta co-titulada, criada para investimento e promoção do cajú”, explicou.        

Questionado sobre as suas expetativas quanto ao preço base por quilograma de cajú a ser anunciado para a presente campanha, respondeu que, nos anos anteriores, a sua organização sempre participava nas discussões com os diferentes técnicos que intervêm na fileira de cajú, contudo lembrou que a decisão final cabia sempre ao executivo na base das propostas recebidas. E aproveitou para alertar as autoridades nacionais e os produtores que é preciso um trabalho sério para investir na restruturação dos pomares de cajú, que, de acordo com a sua explanação, estão a ficar velhos e que é urgente uma intervenção neste sentido. 

ANAG PERSETIVA UMA INTERVENÇÃO REBUSTA PARA A ESTRUTURAÇÃO DE POMARES DE CAJÚ NO PAÍS

Em termos de preparativos da sua organização para a presente campanha de comercialização de castanha de cajú, Jaime Boles Gomes disse que a ANAG não beneficia de nada muito menos de subsídios. Lamentou que o próprio ministério da Agricultura a quem poderiam recorrer para conseguir alguma coisa, também não tem nada. 

Informou que, de acordo com as expectativas para a campanha de comercialização da castanha de cajú do ano em curso, haverá rendimentos devidos à grande produção da castanha, devido ao desenvolvimento dos pomares de cajú e, por isso, há uma esperança que este ano seja um bom ano agrícola.

Adiantou que o que podia criar um estrangulamento é a recente poeira godzilla proveniente do Sharra no mês de fevereiro, mas não durou muito tempo e acabou por dissipar-se sem criar alguma situação anormal nos pomares de cajú.

Questionado se mesmo com a pandemia de Covid-19 é possível ter um preço de cajú aceitável, o presidente da ANAG assegurou que se os agricultores conseguirem estocar bem a castanha, para assim evitar vendê-la, nos pomares ainda molhada, para não comprometer a sua qualidade no mundo fora, é possível sim, ter bom preço de caju.  

Adiantou que a nível da sub-região, os governos e o setor privado, principalmente os atores de fileira de cajú lutam sempre para melhorar o setor.

Apesar de enfrentarem a mesma praga que corta os cajueiros, estão a trabalhar para combatê-la. Aqui no país também a ANAG tem esse projeto com o seu parceiro e em breve vão lançar uma iniciativa no sentido de poder combater essa maldita praga, minimizando assim sofrimento dos agricultores nacionais. 

O responsável dos agricultores da Guiné-Bissau sublinhou que a pandemia da Covid-19 estragou a campanha de comercialização da castanha de cajú, devido ao confinamento que não permitia às pessoas irem ao terreno, onde grupos de jovens prestam serviços de limpeza aos pomares não conseguiram trabalhar, mas este ano não houve essa situação de confinamento, contudo a doença continua no país.

Nesse sentido, Jaime Boles Gomes exortou os seus associados para acautelarem nesse momento de que a fome anda aí, porque algumas pessoas circulam com produtos fora de prazo e arroz não apropriado para o consumo humano.

Adiantou que cada agricultor deve saber gerir os seus produtos para melhor fazer o seu negócio justo, evitando a troca de um quilograma de arroz para dois quilogramas de castanha de caju.    

“Quero pedir aos agricultores para se concentrarem no trabalho porque em relação aos outros países, a Guiné-Bissau está na cauda, mas devemos procurar evoluir. Devemos lavar as nossas castanhas de cajú bem limpas e secá- las para depois podermos armazená-las, porque só assim é que podemos vender o nosso produto com qualidade, o que pode resultar num bom preço, ou organizarmo-nos em cooperativas para melhor organizar os nossos planos e beneficiar de apoios que mais tarde poderão surgir. Neste momento, estamos a procurar fundos no sentido de podermos criar cooperativas em três províncias nomeadamente, Norte, Leste e Sul, modernizando assim esse setor em alto nível, permitindo aos produtores somar ganhos”, espelhou.

No que diz respeito à situação dos agricultores nacionais, Jaime Boles Gomes explicou que pessoas que cultivam na Guiné-Bissau não são agricultores, são camponeses porque agricultores têm outro nível e trabalham profissionalmente, enquanto conhecedores da matéria, tanto o solo, as plantas e o espaçamento e tratamento para que as plantas possam ser produtivas e rentáveis, produzindo em grande escala para fins comerciais e industriais, esse sim são agricultores, portanto camponeses nacionais estão a trabalhar para chegar esse nível.

Jaime Gomes disse que para chegar esse nível, é preciso ter uma parceira forte que ajudará na formação dos agricultores para aumentar conhecimento a fim de mudar o sistema agrícola guineense, sendo fator fundamental para alavanca do país. Boles foi mais longe no qual advertiu que a agricultura é considerada como locomotivo de todos sectores para o desenvolvimento almejado.

“Se queremos ir para o desenvolvimento, devemos apostar sério na agricultura, através de um bolo orçamental elevado no ministério de agricultura, não aquilo que estamos a assistir, nos últimos tempos, nessa área fundamental e chave para arranque da Guiné-Bissau. Também é um sector que pode absorver jovens, criando assim mercado de emprego e agrupar os jovens, através da cooperativa Inter profissionais. Portanto é fundamental apostar nesse sector”, acrescentou.

O Presidente da Associação de Agricultores da Guiné-Bissau salientou que para a concretização desse plano é preciso que haja a paz e estabilidade no país, permitindo assim aos investidores abrir empresas, o que poderá contribuir para o emprego jovem.

Questionado a pronunciar-se sobre a quantidade de toneladas exportadas no ano passado, Boles disse que a sua organização não tem condições para fazer seguimento como a Agência Nacional de Cajú, intermediários e alfandegas, de maneira que é difícil falar da quantidade exportada no país.

Por: Aguinaldo Ampa

Foto: A.A

Conosaba/odemocratagb

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