segunda-feira, 11 de maio de 2020

"COMBATE AO COVID-19 NA GUINÉ-BISSAU" - DR. JULIÃO SOARES SOUSA

Combate ao Covid-19 na Guiné-Bissau
A Guiné-Bissau vive já um pesadelo no combate ao coronavírus. Na África ocidental situa-se a meio da tabela como sendo, neste momento, um dos países com mais casos confirmados e a aproximar-se a um ritmo vertiginoso de países da região com muito maior e incomparável densidade populacional. 

Nonúmero de infetados, a Guiné-Bissau ultrapassou a Gâmbia que tem mais de 2 milhões de habitantes e está a aproximar-se do Mali, Costa do Marfim, Burkina Faso, Níger, Senegal, Guiné Conakri, Gana, lista essa encabeçada pela Nígeria que já vai a caminho dos 5 mil casos. No espaço dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) está também no topo relativamente ao número de infeções. 

Temo mesmo que os números reais sejam nesta altura muito superiores (4 ou 5 vezes mais) do que os que estão oficialmente reportados (726). Face à derrapagem dos números recentemente divulgados as autoridades sanitárias estão já a ponderar o agravamento de medidas de contenção, sobretudo em Bissau, impondo um cerco à capital. O problema é que não sei se nesta altura esta medida resolveria alguma coisa.

Provavelmente já estaremos numa fase que os especialistas da área chamam de contágio coletivo (ou transmissão coletiva). Para isolar Bissau seria necessário saber exatamente o que se passa noutras regiões e em função disso decidir se é frutuoso impor medidas ainda mais drásticas. Sabe-se que nesta altura há outros focos de infeção pelo país e, por isso mesmo, duvidamos da exiquibilidade da imposição de um cerco sanitário a Bissau (ou à Ilha de Bissau) nesta altura. Basta pensar um bocado para se chegar rapidamente à conclusão da extemporaneidade da medida. 

Para isso, seria necessário impor o mesmo cerco a outras localidades o que seria completamente improcedente, até porque não sei se haveria condições objetivas e subjetivas para isso. Sejamos realistas. Creio que chegamos a um ponto em que não vai ser possível controlar o número de infeções. 

Assim, provavelmente vamos assistir a um aumento galopante do número de casos nas próximas semanas e um descontrolo total da situação (pelo menos nos meios hospitalares) à medida que nos formos aproximando da época das chuvas. Se assim for, a situação só começaria a melhorar entre os meses de Outubro e Novembro. Porém, há algo de inexplicável a acontecer no nosso continente que joga a nosso favor. 

É que tudo indica que o vírus ou a sua mutação em África está a ser menos letal do que nos outros continentes. Fica mesmo a sensação, olhando para os números, de que o contágio é muito mais lento do que noutras partes, o que não deixa de ser algo absolutamente incrível e se calhar enganador. É que pode dar-se o caso de muito países não terem condições para identificar e tratar todos os casos (infetados e letais) associados ao coronavírus. O clima e o facto de termos uma população muito jovem (60%) não explicam os números. 

Algo está a acontecer em África. Ou estamos em presença da eficácia das medidas preventivas o então os rastreios e os testes são lentos e se calhar muito circunscritos e não chegam a todo o lado. Pode também estar a acontecer alguma resistência das pessoas aos testes e aos tratamentos em meio hospitalar, substituindo-a pelos métodos tradicionais. Assim sendo, muitos não entram e não vão entrar nas estatísticas. Não seria a primeira vez na histórias das epidemias no continente que isso acontece. Daí a importância de insistir com as pessoas que logo que apresentem sintomas devem contactar as autoridades ou então avançar com testes em massa, havendo condições para isso. 

Para a prevenção futura e o combate é preciso conhecer os números. Se não se fizer a identificação de todos os casos positivos no nosso país teremos um problema muito sério que se prolongaria por meses e meses, enquanto não aparecer nenhuma vacina ou tratamento adequado.

Sinceramente. A renovação do Estado de Emergência só faria sentido se ele fosse escrupulosamente cumprido na tentativa de controlar os números. E para fazer cumprir as medidas não é preciso violência.

Para a renovação é necessário que os números atuais ajudem às populações a compreenderem a justeza de um novo Estado de Emergência. E isso não está a acontecer. O primeiro não reduziu o número de infeções nem contribuiu para o controlo da situação. Pelo contrário. Avança-se mesmo para um descontrolo total quando se avalia a tendência. Mas também entendo que não fazer nada seria igualmente muito mau com os números acelerados como estão. Contudo, penso que para a renovação do Estado de Emergência era preciso ter a certeza junto dos peritos nacionais que ela contribuiria para estancar os números e controlar pelo menos a situação. Se se chegar ao final desta renovação e os números continuarem a aumentar então alguém teria de ser responsabilizado. Mas o primeiro grande responsável é a população guineense que deve cumprir com as determinações dos orgãos de soberania e das entidades sanitárias. 

Creio que nesta altura, se deveria atribuir amplos poderes ao Comissário Nacional, para gizar um plano de contenção mais musculado, sob pena de se perder definitivamente este combate. Não pode haver muita gente a mandar para não mandar ninguém. E no meio de tudo isso, muita desinformação a circular para desviar as atenções das populações. O PR não deve poupar esforços no sentido de estar em cima dos acontecimentos. 

De ir monitorizando a situação a cada minuto, através do seu staff, fazendo reuniões frequentes com as autoridades sanitárias e com o Governo e acompanhar de perto e in loco as medidas que estão a ser implementadas no terreno, sobretudo no capítulo da prevenção. Essas são também as suas responsabilidades enquanto Comandante Supremo e Supremo Magistrado. 

Nesse particular, deve haver ações mais musculadas nos meios de comunicação, nos bairros e localidades para que com a ajuda desses meios se incrementar as mensagens e diretivas dirigidas às populações. 

Neste combate temos de ser lestos a pensar e a agir. Vamos todos ficar bem se cada um fizer, efetivamente, o que lhe compete enquanto guineense e patriota. “A hora é de ação e não de palavras...”.

Coimbra, 11-05-2020

Julião Soares Sousa

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