sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Rússia e China: Os grandes ausentes da cimeira do G20 na Índia

A cimeira do G20 decorre este fim-de-semana em Nova Deli, na Índia, para discutir os problemas mundiais, com o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e homólogo chinês, Xi Jinping a serem os principais ausentes deste encontro. Álvaro Vasconcelos, especialista português em Relações Internacionais, reconhece que a ausência de Xi Jinping enfraquece as possibilidades de sair do G20 uma decisão sobre a Ucrânia que traga a China para "uma posição mais próxima do direito internacional".

RFI: Que impacto terão as ausências de Vladimir Putin e Xi Jinping na cimeira do G20?

Álvaro Vasconcelos, especialista português em Relações Internacionais: A ausência do Presidente chinês [Xi Jinping] e de Vladimir Putin [chefe de Estado da Rússia] têm impactos diferenciados. A ausência de Putin é uma boa notícia, porque permitiria uma discussão mais serena e possíveis consensos sobre a questão da Ucrânia. Por sua vez, a ausência do Presidente chinês enfraquece, claramente, a possibilidade de sair deste G20 uma decisão sobre a Ucrânia que trouxesse a China para uma posição mais próxima do direito internacional e respeito pelas relações das nações unidas. Penso, que é por isso, que Xi Jinping não estará presente na cimeira.

São conhecidas as rivalidades entre a China e a India, nomeadamente nas questões territoriais na fronteira dos himalaias. Esta ausência de Xi Jinping vem exacerbar estas rivalidades?

É evidente. Nós entramos num mundo policêntrico, com imensas potências que têm um papel importante e influente nas resoluções das grandes questões internacionais. Entre estas grandes potências do mundo policêntrico estão a China e a Índia que serão, certamente, as duas grandes potencias nos próximos 50/100 anos, acompanhando os EUA. Porém, não sabemos qual será o futuro dos Estados Unidos nessa competição internacional. Nesse sentido, a rivalidade entre a China e a Índia não deixa de aumentar.

Não apenas pelos contenciosos fronteiriços significativos, mas também pelos problemas de água. Os rios que vêm da China para a Índia e que a China tende a desviar, como há, de certa forma, uma competição para a liderança internacional. Pelo menos, daquilo que se chama hoje liderança do mundo sub-global. As duas nações têm posições diferentes. Enquanto, a Índia tem uma posição, de certa forma, de neutralidade entre a China e os EUA. A China está num processo de emergência para ser a primeira potência mundial e que, certamente, a Índia não quer que seja assim.

A Índia tem uma postura de multi-alinhamento?

Exactamente. Hoje, o multi-alinhamento da Índia está mais próximo do campo ocidental que está do campo chinês, dada a rivalidade com a China. Digamos que é um multi-alinhamento com um certo alinhamento, que não era o caso durante a Guerra Fria, com o mundo ocidental.

O Presidente Chinês que participou na cimeira dos BRICS, na África do Sul, optou por enviar o primeiro-ministro Li Qiang a Nova Deli. Esta escolha pode revelar uma fragmentação mundial?

Há uma fragmentação mundial porque já não estamos num mundo de hegemonia norte-americana. Não estamos num mundo em que a ordem internacional seja imposta pela aliança ocidental, nomeadamente pelos Estados Unidos, e nesse mundo pós-hegemónico ainda não se encontrou uma forma de ordem multilateral que corresponda às transformações de poder que se deram no sistema internacional.

O que é que eu quero dizer com isto? 

A Índia, o país mais populoso do mundo e uma das cinco maiores economias do mundo, não faz parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A Se olharmos para o Conselho de Segurança das Nações Unidas. A Índia que é uma potência nuclear, que envia sondas lunares não está representada. Ou seja, a ordem internacional ainda é a mesma que saiu da 2ª Guerra Mundial, homogeneizada pelos Estados Unidos, isso já não corresponde à realidade, levando à fragmentação.

Essa é uma questão importante, uma vez que é no G20 que estão todas as grandes potências. O que não se verifica no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O G20 que tem vindo a conquistar importância nos últimos anos, tronando-se mais representativo da diversidade global, mais do que o Conselho de Segurança das Nações Unidas. O secretário-geral da ONU, António Guterres, veio defender a presença da União Africana no G20 e no Conselho de Segurança da ONU. Acha que haverá avanços nesta matéria?

O G20 são 19 Estados mais a União Europeia. Não há razão nenhuma para que a União Africana não faça parte. Mas estamos a passar de um multilateralismo assente em regras das Nações Unidas para um multilateralismo com muitos menos regras.

A União Africana junta-se ao G20, passando a organização a corresponder cada vez mais às Nações Unidas, mas sem que tenha a base de sustentação no multilateralismo com regras que existe nas Nações Unidas.

Que anúncios poderão surgir desta cimeira do G20?

Que, na questão do ambiente, houvesse um anúncio claro de diminuição das emissões de CO2 e que se avançasse para esta consideração: Um clima que permita a vida na terra é um património comum. Que os países vão fazer esforços nesses domínios. Ora, tudo leva a crer que isso não vai acontecer. A reunião dos ministros dos Negócios Estrageiros e do Clima, que antecedeu o G20, acabou sem resultados.

A Índia vai continua a utilizar o carvão e a emitir CO2, mais do que aquele com que se comprometeu nos Acordos de Paris, argumentando que alguns países já fizeram o seu desenvolvimento e que chegou o momento de eles [indianos] o fazerem. Ou então, os países desenvolvidos que paguem o suficiente para que a Índia faça a transição energética. Isso seria fundamental.

Os líderes europeus esperam que esta cimeira do G20 seja uma ocasião para tentar levar a Índia e a China para uma postura mais severas com a Rússia, depois da ofensiva russa na Ucrânia. Acredita no sucesso desta intenção?

Certamente que haverá alguma declaração sobre a Ucrânia. Todavia, essa declaração não irá contar com o apoio das autoridades russas nem chinesas. Não podemos pensar que o G20 vai ser um palco, suficientemente esclarecedor, dos caminhos para a paz na guerra da Ucrânia que se passa muito mais no terreno do conflito militar do que no terreno da diplomacia.

Economistas e milionários lançaram uma petição onde instam os lideres dos G20 a taxarem os mais ricos para acabar com as desigualdades mundiais. Os líderes dos países mais ricos estarão disponíveis para fazer esse compromisso?

Não temos visto vontade nesse domínio. Porém, é possível que haja alguma declaração que satisfaça, minimamente, os interesses dos países mais pobres no domínio do desenvolvimento e anúncios de apoios, mais significativos, no que se refere ao desenvolvimento económico, permitindo assim a transição energética.

O que seria também importante -nesse domínio- era que se começasse a falar na reforma do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial para dar mais voz aos países que emergiram, como a Índia e a China, podendo ser uma conclusão interessante deste G20

Conosaba/rfi.fr/pt/

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