Nos últimos meses o país tem vivido constante reivindicações,
revoltas e inquietações populares pelo facto dos servidores políticos/públicos
não conseguem cumprir, no mínimo, as funções do Estado: A segurança, a Justiça
e o Bem-estar social, económico e cultural dos concidadãos. É um facto
histórico na nossa democracia, o surgimento de diversos movimentos cívicos, nos
últimos meses, por lado é uma vitória da nossa jovem democracia, e por outro lado,
é uma consequência da crónica instabilidade política no nosso país nos últimos
anos, que tem afetado negativamente a melhoria de vida da maioria parte da
população. Estes Movimentos da Sociedade Civil devem pautar pelo princípio de
imparcialidade nas suas atuações públicas.
A participação
popular no espaço político constitui uma alavanca que visa a despertar a
consciência da sociedade em geral dos falhanços permanentes dos governantes.
Mas, estas participações e ações cívicas (manifestações) não podem resumir e
centralizar no apoio ou não ao Governo, ao PAIGC, ao PRS e outros partidos com
ou sem assento parlamentar, aos 15-1=14 deputados dissidentes do PAIGC, à
Presidência da República. As Organizações da Sociedade Civil devem defender o
interesse da coletividade: O Bem-comum, a paz, a justiça, a estabilidade
politica, a segurança, o bem-estar social de todo do povo e deixar a
responsabilidade a juventude dos partidos políticos o papel de manifestar a
queda ou apoio ao governo, à renúncia ou cumprimento do mandato do Presidente
da República. As manifestações imbuídas deste espirito de apoiar fulano ou
condenar publicamente o beltrano carecem da legitimidade moral. E os jovens
ativistas devem pautar pelo respeito aos princípios e aos valores fundamentais
da comunidade: a honestidade, a transparência, a isenção, a imparcialidade e a
dignidade da pessoa humana.
A democracia, no seu sentido originário deriva da
língua grega “demokratía” (demos=povo + katros=poder). A base e o fundamento da
nossa organização política e estadual, o poder pertence ao povo, segundo
plasmado nº1 do artigo 2º da Constituição da República da Guiné-Bissau “ A soberania nacional da República da
Guiné-Bissau reside no povo”. O povo da Guiné-Bissau é soberano e não os
titulares dos cargos políticos ou públicos que reside à soberania. Isto quer dizer
que cabe ao povo guineense definir e decidir o destino que quer seguir e escolher os governantes, que cabe-lhe
representar no hemiciclo. Numa democracia representativa, o povo elege
titulares dos cargos políticos a fim de defender os seus interesses: O bem-estar
e a felicidade, que é o fim último de qualquer ser humano.
Os Direitos, Liberdades e Garantias consagrados no
ordenamento jurídico guineense são direitos inalienáveis e intransmissíveis, e
o seu exercício devem ser garantidos e protegidos pelos titulares dos cargos
políticos/públicos e a suspensão da sua vigência deve respeitar os princípios
consagrados na Constituição da República da Guiné-Bissau.
Os direitos fundamentais estão, desde logo,
constitucionalmente protegidos contra os órgãos de soberania, que “ não podem,
conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e
garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de emergência, declarados express
verbis, nos termos do artigo 30º da CRGB.
O estado de sítio ou de emergência só podem ser
declarados, no todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efetiva
ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem
constitucional democrática ou em caso de calamidade política.
O ordenamento jurídico guineense obriga a todas
entidades públicas e privadas, o respeito dos Direitos, Liberdades e Garantias
consagrados em diferentes leis nacionais, continentais e internacionais que a
Guiné-Bissau ratificou.
A Carta das Nações Unidas, elaborada em São
Francisco em 1945, já se refere a direitos e liberdades fundamentais, mas
sempre entendeu que a intervenção só é válida num quadro de promoção, estimulo,
auxílio ou recomendação.
Os direitos à liberdade de manifestar livremente,
sem meios violentos estão consagrados no artigo 20º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, adotado e proclamada pela Assembleia Geral na sua Resolução
217ª (III) de 10 de Dezembro de 1948, nos termos do qual está plasmado que toda
pessoa tem à liberdade de reunião e de constituir uma associação pacífica. O
entendimento que podemos retirar deste preceito, se os cidadãos têm o direito e
a liberdade de constituir a associação pacífica, portanto estas associações,
nos usos das suas competências, tem o direito de exercer atividade cívica,
neste caso, entre as quais, o direito à manifestação.
A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos,
aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA),
lê-se UA (União Africana), em Banjul, em Janeiro de 1981, intitulada Carta de
Banjul, ratificada pelo Estado da Guiné-Bissau, consagra no artigo 10º e 13º que:
Toda pessoa tem direito de constituir associações e de se reunir livremente com
outras pessoas…A reunião prevista neste preceituado deve ser interpretada
extensivamente, ou seja, o direito de reunir, manifestar, dar opinião, intervir
na vida pública do interesse da coletividade.
Por último, a Constituição da República da
Guiné-Bissau consagra o direito e a liberdade dos cidadãos reunir e manifestar
pacificamente. Este preceito Constitucional está consagrado nos números 1 e 2
do artigo 54º da CRGB.
Os direitos, liberdades e garantias previstas no nosso
ordenamento jurídico vincula às entidades públicas e privadas e só podem ser
restringidos nos casos previstos na Constituição.
Ouvimos, recentemente que o Ministério do Interior
emitiu um despacho, no qual ordenou a suspensão do direito à manifestação por
um tempo indeterminado. Este despacho fere gravemente a constituição e as leis,
por isso, é inconstitucional e ilegal.
O princípio da legalidade significa, desde logo,
que atividade administrativa, seja de autoridade, seja de execução de
prestações (administração social e infraestrutural), seja concreta, seja
normativa, não pode ser ilegal, não vale contra a lei- princípio do “primado da
lei. A “preferência da lei” sobre os atos ou regulamentos administrativos
(despachos).
Por outro lado, os direitos, liberdades e garantias
estão sob reserva de Lei Parlamentar. As restrições dos Direitos, Liberdades e
Garantias só podem ser admitidos por uma lei (Lei parlamentar aprovada numa Sessão
da Assembleia Nacional Popular) restritiva e esta deve respeitar o princípio da
proporcionalidade em sentido amplo, que se divide em três subprincípios: princípio
da necessidade, adequação e a proporcionalidade em sentido estrito. É de exclusiva competência da Assembleia
Nacional Popular legislar sobre os Direitos, Liberdades e Garantias, plasmado
na alínea k), do artigo 86º da CRGB.
A opção pela suspensão dos direitos, liberdades e
garantias em caso de estado de sítio e de emergência, bem como as respetivas
declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e
limitar-se, nomeadamente quanto às extensões e duração e aos meios utilizados,
ao estritamente necessário ao ponto de restabelecimento da normalidade
constitucional.
Ao Ministério do Interior não cabe à competência de
declarar ou limitar o exercício dos Direitos, Liberdades e Garantias consagrados
no ordenamento jurídico guineense, por lado, não é um órgão de soberania (Presidência
da República, Governo, ANP e os Tribunais). Cabe ao Presidente declarar o
estado de sítio e de emergência, nos termos da alínea v), do artigo 68º da CRGB,
que se rege: São atribuições do
Presidente da República, entre as quais, declarar o estado de sítio e de
emergência, nos termos do artigo 85, nº1, alínea i), da Constituição.
Estamos perante uma remissão explícita a que se refere à competência da
Assembleia Nacional Popular no que diz respeito à pronúncia sobre a declaração
de estado de sítio e de emergência. Entendemos nós, que a iniciativa de
declaração de estado de sítio e de emergência compete à ANP e não ao Ministério
do Interior. O exercício dos Direitos, Liberdades e Garantias fundamentais só
poderá ser suspenso ou limitado em caso de estado de emergência, declarados nos
termos da Constituição e da lei. Ou seja, para que haja a proibição do
exercício dos Direitos, Liberdade e Garantias, neste caso, em concreto, direito
à manifestação, deve haver primeiramente uma declaração de estado de sítio e de
emergência, mas existe uma competência partilhada entre o Presidente da
República e a Assembleia Nacional Popular, cabe a esta a competência de
pronunciar e àquele à competência de declarar o estado de sítio e de emergência.
Ministério de Interior é o departamento do governo
da Guiné-Bissau responsável pela execução das políticas da segurança pública,
de proteção e socorro, de imigração e asilo, de prevenção de segurança rodoviária
e pela administração de assuntos eleitorais. O ministro do Estado e Interior
responde diretamente perante ao Primeiro-ministro. Nem o PM tem a competência
de restringir, limitar ou suspender os direitos, liberdades e garantias, quanto
mais o ministro de Estado e Interior.
Na base destas atribuições do Ministério de
Interior, cabe-lhe assegurar a manutenção e garantir a segurança da
manifestação pacífica. O pedido que os organizadores da manifestação devem
endereçar ao Ministério do Interior é de dar o conhecimento e solicitar a
segurança no dia da realização da marcha ou manifestação.
O não cumprimento deste procedimento do ato administrativo
ou indeferimento do pedido, da presença da força de segurança no dia da realização
da manifestação, os organizadores dispõem de meios de tutela dos seus direitos,
in casu, o direito à manifestação. Porém, o Estado de Direito acrescenta algo
mais, como já vimos, reserva de jurisdição dos tribunais, órgãos independentes
e imparciais, com a igualdade entre as partes, e que decidem segundo critérios
jurídicos; 1º) a possibilidade de os cidadãos se dirigirem a tribunal para a
declaração e a efetivação dos seus direitos (in casu direito à manifestação)
não só perante outros particulares mas também perante o Estado e quaisquer
entidades públicas, neste caso o Ministério do Interior.
Os Tribunais são órgãos da soberania com a
competência de administrar a justiça em nome do Povo e não em nome ou em
encomenda dos políticos e de interesses alheios ao Estado.
Os Direitos Liberdades e Garantias vinculam as
entidades públicas e privadas ou seja, todos têm a obrigação de cumprir sem
qualquer reserva.
A consagração
jurídico-constitucional e legal dos cidadãos, o direito à informação e à
proteção jurídica, nos termos da lei, previsto no artigo 34ºda CRGB.
Em caso da morosidade da decisão do tribunal de
declarar e condenar o Estado ao respeito dos Direitos e Liberdades, ainda os
autores da marcha dispõem de um outro meio de tutela de assegurar com brevidade
o exercício do direito à manifestação, que podem entrar com uma ação de
providência cautelar, que pode ser: antecipatória ou conservatória do direito.
No caso concreto em análise, a providência cautelar adequada a este facto
jurídico é a modalidade antecipatória, permitindo assim uma sentença provisória
e urgente do Tribunal a declarar a ilegalidade/nulidade do despacho e autorizar
coercivamente o Ministério do Interior disponibilizar as forças de ordem e
segurança para garantir a realização da manifestação ordeira e pacífica.
Para concluir, os direitos, liberdades e garantias
constituem matérias intocáveis em caso da revisão constitucional, ou seja, nenhum projeto de revisão poderá afetar, os
direitos, liberdades e garantias. Estamos perante um limite material da
revisão constitucional, os deputados não podem, por qualquer iniciativa de
revisão constitucional revogar ou extinguir os Direitos, Liberdades e Garantias,
nos termos do artigo 130º, alínea e) da Constituição da República da
Guiné-Bissau.
Nô sta djunto!
Henrique Augusto Pinhel
Jurista, Mestrando em Direito: Especialização em Ciência
Jurídica-Forense na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Ativista
dos Direitos Humanos e Membro da Amnistia Internacional de Portugal, Núcleo de
Coimbra
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