Acompanhei a intervenção na Assembleia Nacional Popular, dos dois líderes dos maiores partidos políticos da Guiné-Bissau e confesso que, sem qualquer pretensiosismo da minha parte, se não tivesse um apurado sentido de análise crítica, face a eloquência do líder do PAIGC sentiria tentado em escrever algo a elogiá-lo, como vi alguns a fazerem. Sem dúvidas que o líder do PAIGC é um “animal político” treinado numa boa escola de política portuguesa e, quiçá, a mesma escola que formou o ex-Primeiro-ministro José Sócrates, que também tinha e ainda mantém algum dom de encantar tolos com a sua fluência verbal e embotamento sentimental face ao povo. Só que, da mesma forma que José Sócrates nunca me iludiu e, desde cedo que apareceu na liderança do Partido Socialista português, rotulei-o de “feirante com fato e gravata”, o líder do PAIGC a mim também não me enganou por muito tempo. Deixei-me levar por uns meses, até ver sinais inequívocos de que tínhamos na liderança do executivo guineense, alguém com a mesma forma de estar na política que José Sócrates, talvez por se terem formado na mesma escola.
Dizia eu que, de forma inata, face a qualquer dado novo que me é apresentado por terceiros, tenho sempre a atitude de observá-lo de mais que um ângulo, conforme é-me apresentado. Foi o que fiz com o discurso dos dois líderes dos maiores partidos guineenses.
Do líder de MADEM-G15, vi espontaneidade, frontalidade e pragmatismo. Ficou por explicar melhor a operação do pagamento dos terrenos em causa (“N’Batonha” e “Guimetal”), principalmente a forma como foi calculado o valor atribuído/assumido pelo Estado. Fiquei sem perceber, se o Estado pagou mesmo pelos terrenos ou apenas assumiu o compromisso/responsabilidade do pagamento! Se o Estado pagou, a quem pagou, já que o líder de MADEM-G15 nos diz que nem um centavo entrou na sua conta, como pagamento desses terrenos! Julgo que o povo tem o direito de ver esclarecido os pormenores dessa compensação. Apesar de, pelos dados disponibilizados, considerar justa a compensação e talvez até acrescido com uma indemnização pelos danos causados ao cidadão/empresário Braima Camará, pela usurpação temporária dos bens que lhe pertencem, o povo precisa saber mais pormenores sobre esse compromisso agora assumido pelo Estado com o empresário Braima Camará e, como se chegou ao valor monetário em causa.
Quanto à intervenção do líder de MADEM-G15 no hemiciclo, nada mais a acrescentar.
No que concerne a intervenção do líder do PAIGC, efetivamente tenho de concordar com alguns comentários, de que ele é um político muito acima do nível médio dos políticos guineenses, mas isso a avaliar pelos padrões políticos portugueses, onde a falsidade na política é uma grande virtude, porque só dessa forma que alguém como José Sócrates chega a ser Primeiro-ministro. Para quem como eu, que detesta a falsidade e a hipocrisia, que se tornaram melhores instrumentos da política portuguesa, o líder do PAIGC, vale muito pouco!
Analisando propriamente a sua intervenção, o líder do PAIGC começa a realçar e a apelar a observância da lei, na sua mais elevada incoerência, esquecendo-se que até há bem pouco tempo, foi o candidato derrotado dumas eleições presidenciais que negou muito dos direitos previstos na lei, como de o único órgão eleitoral com legitimidade de anunciar os resultados de umas eleições de o fazer sem a devida confirmação de um STJ que, incumprindo a lei de forma gritante, aceitou um recurso eleitoral sem que tivesse havido qualquer reclamação prévia não atendida pelas instâncias eleitorais, única condição em que podia ter aceite um recurso, que já tinha negado a um outro partido nas eleições legislativas.
O líder do PAIGC esquece-se que num passado não muito distante, congratulou-se com as vergonhosas sanções impostas pela CEDEAO a alguns políticos e civis guineenses, sem cumprimento de qualquer observância da lei, que prevê a possibilidade de ouvir o contraditório do acusado, antes de o sancionar!
O Sr. Domingos Simões Pereira esquece-se que foi ele mesmo, enquanto Primeiro-ministro, quem obstaculizou a aplicação da lei aos membros do seu governo da IX legislatura, na altura acusados de estarem envolvidos em negócios pouco claros como os passaportes diplomáticos?!
Falando de passaportes, gostava que perguntassem ao líder do PAIGC, porque é que o responsável pela gestão daquilo que criaram na cidade do Porto e deram o nome de “Casa da Guiné”, de nome Nilson, era detentor de um Passaporte Diplomático guineense? Em que contexto legal foi enquadrado a atribuição desse passaporte? Já não falo do mais que sabido caso de Zambrano e paquistaneses agora posto a público por MADEM-G15…
O líder do PAIGC afirma que o Estado guineense não pode atribuir um documento com uma data de caducidade e depois mudá-lo, não respeitando a data do documento anterior! Gostava de perguntar ao líder do PAIGC, se aquando da mudança do clássico Bilhete de Identidade para o Cartão de Cidadão em Portugal, os detentores do primeiro fizeram o uso do primeiro até a sua caducidade e só depois trocaram para o atual Cartão de Cidadão?! Aliás, recentemente aconteceu comigo, com a Carta de Marinheiro! Acontece que, antigamente essa carta caducava quando o seu proprietário completasse 50 anos, tendo o proprietário até um ano após ter caducado para renová-lo. Nesse ano que eu tinha para renová-lo, foi alterada a lei que, não só deixou de haver prazo de validade dessas cartas, como melhorou as condições da carta para o marinheiro. Eu não fui contemplado com essa alteração, porque alegadamente a lei mudou uns meses depois da minha Carta caducar, apesar de ser ainda dentro do prazo de um ano que eu tinha para renová-la, pelo que tive que pagar para tirar novamente a Carta de Marinheiro, como se nunca a tinha tirado antes! O Estado alterou a lei e eu tive apenas de cumpri-la. Entendo que o líder do PAIGC queira que as pessoas a quem foram atribuídos passaportes diplomáticos pelo governo sustentado pelo seu partido continuem a usufruir livremente desses passaportes, sem qualquer benefício para o país. Mas, é bom que comece a aceitar que o país, para o bem ou para o mal, está a mudar…
Entre outras coisas, o líder do PAIGC veio demonstrar-nos que o próprio Estado guineense, ou os seus representantes, de que ele já fez parte e continua a pretender ser, não são pessoas de bem. Então, o Estado vende na hasta pública um terreno que sabe que faz parte de uma zona protegida como zona verde?! Aparentemente o Estado agiu de má fé, para mais tarde embargar o mesmo terreno ao seu comprador, impedindo-o não só de nele construir, como ter qualquer usufruto dele, sem, no entanto, devolver aquilo que recebeu para esse mesmo terreno, com os devidos juros e indeminização pelos danos infringido ao empresário comprador, que podia ter usufruído desse dinheiro para outros investimentos!? Essa é a observância da lei que o ex-Primeiro-ministro e ex-candidato à Presidência da República quer para a Guiné-Bissau?! Observância da lei apenas nas situações que interessa ao PAIGC ou que prejudica os seus opositores?! Pessoalmente chamo a isso um ser ladrão dos empresários.
Conforme disse e bem o líder do PAIGC, não é para agradar a este ou aquele, mas as leis existem sim para regular a vida das pessoas e da sociedade e não para satisfazer determinadas organizações, aliás, como o PAIGC sempre se serviu delas para o seu bel-prazer, ao longo dos 46 anos e tem dificuldades em aceitar o fim desse ciclo de abuso no país e sobre o povo.
O líder do PAIGC, no seu exercício político, confia sempre na limitação intelectual dos guineenses, ao ponto de tentar tomar-nos todos por oligofrénicos! Quando ouvi a sua explanação de como acabar com os bancos, levando-os a falência, dependendo da dimensão do empréstimo que se faz, não quis acreditar que é esse homem que os seus apoiantes apontam como o mais inteligente dos guineenses! É esse homem que nos descreve uma operação de empréstimo bancário, como se fosse um assalto a mão armada!? Como se os Bancos não tivessem na sua estrutura Economistas e Gestores, peritos na avaliação dos riscos relacionados a um empréstimo! Para o banco ceder um empréstimo a uma empresa ou a uma pessoa singular, não analisa as garantias dadas por quem empresta?! É claro que já me estava a esquecer que a escola política do líder do PAIGC é portuguesa, o país que teve o famoso BES, onde todos assaltaram a base da “caneta”, entre a classe política, alguns empresários e os próprios gestores dos bancos. Aliás, tenho as minhas dúvidas se esse Banco já não foi criado com esse objetivo! É esse o modelo que o líder do PAIGC quer transportar para a Guiné-Bissau, motivo pelo qual uma das suas primeiras medidas como Primeiro-ministro, logo no primeiro ano do exercício das funções, foi resgatar um Banco!
Mas, falando de garantias bancárias, o líder do PAIGC disse-nos ter adquirido um imóvel em Portugal em 2010, do qual ainda está a pagar “uma renda” (entenda-se um empréstimo), que decerto os filhos é que acabarão de pagar! Já que o líder do PAIGC pede “pa limpsa” esses assuntos, gostaria que nos esclarecesse que garantias deu ao Banco para adquirir o empréstimo, já que na altura tinha 47 anos de idade e tinha um emprego que não era fixo, mas sim de carácter rotativo e que terminaria dois anos depois… Era importante que “limpsasse” tudo sobre este assunto, esclarecendo aos guineenses a proveniência dos bens com que continua a pagar as respetivas “rendas” desse imóvel!
É certo que não achei que tudo o que disse na ANP o Presidente do PAIGC não é para levar a sério! Aliás, foi correto na análise dos conteúdos e a forma de discussão dos temas na ANP. Também foi muito correto na denúncia do contrato relacionado com as obras das pistas do Aeroporto que, a ser verdade, deve ser traduzido a justiça.
Em todo o caso, estou a gostar de ver o retomar da verdadeira prática da política na Casa da Democracia. Quem mais ganha com esse exercício é o povo. Congratulo-me em ver o líder do PAIGC a fazer aquilo que já devia ter feito, desde a queda do seu governo pelas mãos do Presidente José Mário Vaz, que é fazer oposição politica na sede própria, em vez de ter andado este tempo todo a obstaculizar o funcionamento do Estado e a denegrir a imagem externa do país, consciente que estava também a prejudicar o povo… Espero vê-lo por muito tempo a desempenhar esse papel de forte oposição democrática, mas com intenção construtiva.
Jorge Herbert
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