segunda-feira, 7 de junho de 2021

Exploração de minerais: REASSENTAMENTO NAS TABANCAS DE FARIM: “BICHO-DE-SETE-CABEÇAS”


[Jornal O Democrata, maio de 2021] O processo de reassentamento das cinco Tabancas do Setor de Farim, na região de Oio no norte da Guiné-Bissau, é o primeiro processo de transferência da população para novos acampamentos na mata de Buré-Danfa que o governo da Guiné-Bissau está a experimentar na história do país.

O Estado guineense ainda não tem nenhuma legislação que oriente juridicamente sobre a forma como se deve proceder a transferência de famílias nas suas diferentes vertentes, de acordo com o património social, material e imaterial no território nacional.

O reassentamento populacional é uma espécie de um bicho-de-sete cabeças na Guiné-Bissau.

A empresa ITAFOS (ex-GB Minerais) concluiu em 2018 a fase de pesquisas do jazigo de fosfato em Farim. Ou seja, concluiu o relatório do Estudo de Impacto Ambiental e Social (EIAS) e no mesmo ano, apresentou à Autoridade de Avaliação Ambiental Competente (AAAC, ex-CAIA), um plano de execução do projeto de exploração de fosfato na presença de diferentes representantes do Estado, da sociedade civil e dos parceiros internacionais.

A empresa fez igualmente, em 2018, uma audiência pública, auscultando os habitantes das cinco Tabancas dos arredores de Farim (Salquenhe-Bá, Salquenhe Porto, Tambató Mandinga, Canicó Lenque-Koroto e Cabsseque), que serão transferidas.

Mas até hoje não houve nenhuma execução de um plano concreto sobre o reassentamento no setor ou noutra parte do território nacional.

A transferência para os novos acampamentos está a ser uma dor-de-cabeça para a população das cinco tabancas. A complexidade do processo de reassentamento, que já dura há três anos, reside no seu relacionamento direto com os riscos de alterações profundas da configuração geográfica do espaço vital dos habitantes, as suas condições materiais, sociais, culturais e religiosas. Ou seja, está relacionada com o seu património social, material, imaterial e de vários fatores da existência e de sobrevivência das famílias que poderão atingidas.

A exploração de fosfatos em Farim fez com que haja a necessidade de reassentamento das cinco Tabancas afetadas.

O processo está, neste momento, em fase avançada de execução, conforme apurou o jornal O Democrata. Mas, curiosamente o plano de reassentamento foi feito sem nenhuma legislação específica para orientar melhor a implementação das etapas do reassentamento. Dentre técnicos e especialistas das ONG que acompanham o processo, a opinião é unanime em como se trata de um novo fenómeno que está pela primeira vez a ser executado no país. Neste momento só as cinco tabancas estão a experimentar, em todo o território nacional, o reassentamento.

Mas todos acreditam que a ausência de legislação específica à realidade nacional será ultrapassada sem problemas. Estão convictos que os reassentados adaptar-se-ão depois à realidade da legislação quando o ante-projeto lei da ONG Tiniguena for aprovado na Assembleia Nacional Popular (ANP) e promulgado pelo Presidente da República.

As cinco tabancas de Farim estão dentro do perímetro de exploração de fosfato. De acordo com a natureza e as consequências da atividade exploratória, a sua população terá que ser reassentada num outro espaço, entretanto já definido. Mas na verdade, o próprio processo de reassentamento ainda não aconteceu. Existe um plano, mas nenhuma ação concreta para a sua implementação.

É apenas um programa de reassentamento das cinco tabancas e ninguém sabe explicar muito bem como e quando será executado. Tudo porque depois da crise política eleitoral que se instalou no país depois da segunda volta das eleições presidências de 2019, veio a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) que não permitiu a aglomeração de pessoas.

Fecharam-se as fronteiras, o que não possibilitou a vinda de técnicos estrangeiros contratados pela ITAFOS para acompanhar, de perto, a implementação do plano de reassentamento.

A ITAFOS garante ter tudo pronto no terreno e estar apenas a espera da luz verde das autoridades governamentais para implementar o seu plano.

Todavia, o processo de reassentar a população poderá durar muito tempo, uma vez que a Covid 19 ainda não abriu as portas dos Aeroportos para a ITAFOS trazer os técnicos e especialistas estrangeiros que conhecem muito bem os fenómenos de reassentamento, para implementar a transferência da população para a Mata de Buré-Danfa.

Todas as famílias já estão identificadas. Cada família já escolheu onde vai construir a sua casa, como vai construí-la e com quem pretende coabitar como vizinho.

A ITAFOS, por outro lado, já promoveu a formação das mulheres na horticultura e construiu os fontenários para facilitá-las o acesso à água potável e para irrigação das suas hortas.

Na visão do ponto focal da relação entre o governo e a comunidade da ITAFOS, Rigoberto Cantussan, a exploração do jazigo de fosfato de Farim demonstra que os ganhos serão maiores que os investimentos que estão sendo realizados. Garantiu, por outro lado, que a empresa de exploração de fosfato sempre trabalhou com técnicos do Banco Mundial que têm experiência e respeitam os procedimentos de reassentamento.

O reassentamento da população dos arredores de Farim levou também a alteração das suas atividades domésticas geradoras de rendimento. Passaram da produção de sal para a horticultura, mudança que foi consentida e aprovada, sobretudo, pelas mulheres.

Assim as mulheres de cada Tabanca terão um campo agrícola. Elas receberam formação em horticultura sob a condição de agruparem-se em associação para trabalharem e melhorar os seus rendimentos económicos.

O novo acampamento de Buré-Danfa está estruturado de acordo com as estruturas sociais da comunidade balanta e mandinga que serão os primeiros inquilinos do reassentamento na Guiné-Bissau.

O Bairro Buré-Danfa terá, no meio, espaços públicos tais como mercado, escola, posto de saúde e esquadra de polícia.

Tal como nos outros países do mundo, o processo de reassentamento tem a ver com questões económicas.

Para emissão de licenças a uma empresa para atividade de exploração mineira, é necessário que haja um Estudo do Impacto Ambiental, Social e Económico aprovado no Conselho de Ministros.

Mas curiosamente ainda não existe até hoje no país nenhuma legislação sobre o fenómeno de reassentamento.

Os processos de exploração de minério, de construções de barragens hidroelétricas, caminhos de ferro podem conduzir aos reassentamento da população na Guiné-Bissau. O desafio agora é do governo da Guiné-Bissau ter uma legislação nacional própria que tenha em consideração as condições materiais, sociais, culturais, religiosas, os fatores de existência e de sobrevivência das famílias atingidas pela exploração mineira ou da construção de uma barragem hidroelétrica.

Todavia, os técnicos e os especialistas das Organizações da Sociedade Civil acreditam que há fortes e boas perspetivas de reassentamento acontecer na Guiné-Bissau.

O técnico da Monitorização das políticas públicas ambientais e consultor da Organização Não Governamental (ONG), Tiniguena, Erickson Mendonça, considera que é preciso que a Guiné-Bissau esteja preparada em termos da legislação que oriente os reassentamentos da população, quando se trata de exploração de minas, de construções de grandes barragens hidroelétricas.

É nessa perspetiva que a própria ONG Tiniguena já elaborou um ante-projeto lei sobre o reassentamento que será brevemente levado ao Conselho de Ministros para ser aprovado. Para isso, é preciso que toda a Sociedade Civil guineense faça lobbing junto dos deputados e dos líderes das bancadas parlamentares e da presidência da República para a sua aprovação na ANP e a sua promulgação pelo Presidente da República.

Não obstante, a falta da legislação, a ONG Tiniguena tem estado a trabalhar no processo de reassentamento.

Por isso, com base nas legislações de alguns países da sub-região e do mundo já elaborou um ante-projeto-lei sobre reassentamento.

A Tiniguena foi beber do regulamento de alguns países africanos como a África de Sul, o Quénia e Moçambique para estabelecer um ante-projeto lei de reassentamento para a Guiné-Bissau. Todavia, só quando este ante-projeto lei for aprovado na ANP e promulgado pelo Presidente da República que o reassentamento deixará de representar um bicho-de-sete-cabeças para a população da Guiné Bissau, porque passará a ter um instrumento jurídico-legal para regular os vários processos de transferência da população para novos acampamentos quando há necessidade de exploração mineira e construção de barragens hidroelétricas.

Entre os técnicos do ambiente e das Organizações da Sociedade Civil, a opinião é unanime em como é necessário e urgente a Guiné-Bissau ter um quadro jurídico para resolução de problemas de reassentamento. Porque há sempre riscos de haver impactos na população durante a exploração mineira.

Todos lamentam o facto de não haver nenhum plano de reassentamento a ser executado neste momento na Guiné-Bissau. Também todos estão unanimes em aplaudir o anteprojeto lei elaborado pela Tiniguena sobre reassentamento.

Os planos de reassentamento são sempre feitos e financiados pelas empresas interessadas na exploração mineira. O governo apenas aprova ou não os planos no Conselho dos Ministros.

Na Guiné-Bissau os planos de transferência da população para novas residências devem conter sempre a informação sobre questões do impactos sociais, económicos, culturais. Ter, por exemplo, em consideração as balobas, os cemitérios.

Neste momento só a população das cinco Tabancas dos arredores de Farim é que estão desde 2018 em processo de reassentamento. Todavia, há a possibilidade também de acontecer noutras localidades do país. É o caso, por exemplo, da exploração de bauxite de Boé, cuja população provavelmente poderá ser reassentada. Mas, ainda não há um Estudo de Impacto Ambiental e Social sobre a exploração de bauxite. O certo é que a prospeção indica que no setor de Boê, existem grandes jazigos de bauxite. As despesas de reassentamento serão naturalmente asseguradas pelas empresas interessadas na exploração de bauxite. Nos outros países, a legislação regulamenta de forma inequívoca os procedimentos de financiamento de reassentamento. Ou seja, a lei demonstra de forma clara às empresas interessadas na exploração mineira como e em que condições devem financiar a transferência da população para uma nova localidade. É preciso, por isso, ter condições técnicas e recursos humanos para o estabelecimento de um processo de reassentamento na Guiné-Bissau, uma vez que é um fenómeno novo no país.

Também no noroeste da região de Cacheu, a prospeção e exploração experimental das arreias pesadas em Varela e arredores criou expetativas e, entre 2016 a 2018, gerou tensões entre as empresas e as comunidades locais, devido às incertezas sobre os impactos na vida e no futuro desses habitantes.

Os primeiros fenómenos de reassentamento a nível mundial surgiram nos anos 80 com o trabalho do Banco Mundial. Na altura o estudo não correu muito bem porquanto não havia bons técnicos e especialistas para pesquisar e conhecer muito bem os fenómenos da transferência da população do local da exploração mineira para outro espaço, mantendo o seu património social, material, imaterial, os fatores de existência e de sobrevivência das famílias que são atingidas. Hoje, alguns Estados do mundo estão preparados técnica e juridicamente para fazer face ao processo de reassentamento da população afetada pelos impactos da exploração mineira. O governo da Guiné-Bissau deve começar a preparar-se para enfrentar, em todo o território nacional, este novo fenómeno.

É fundamental envolver sempre a participação da população em qualquer processo de decisão sobre reassentamentos, porquanto serão os maiores afetados. Foi por esta razão que a ONG Tiniguena se preocupou bastante em elaborar um anteprojeto lei como forma de encontrar uma legislação viável para o reassentamento na Guiné-Bissau. Com a exploração de mineiros e das construção de grandes barragens hidroelétricas, é geralmente difícil não haver impactos negativos na população. Os projetos que estão na base do reassentamento são importantes para o desenvolvimento económico dos países. Mas, é necessário, pelo menos, minimizar os seus impactos na vida dos cidadãos e assegurar o direito das pessoas de não viverem nas condições de pobreza ou de perder as suas terras e as suas culturas tradicionais.

No estudo de Avaliação do Impacto Ambiental, social e económico, as questões sociais e económicas devem ser muito bem ponderadas porquanto está em causa as vidas das pessoas e o dinheiro. O dinheiro ganho na exploração de mineiro deve ser capaz de compensar os riscos de vida que a população corre com a exploração do mineiro ou da construção de barragens na sua povoação.

Na Guiné-Bissau, há técnicos e consultores das políticas públicas de ambiente que estão otimistas que se a ITAFOS explorar muito bem o fosfato de Farim, poderá ter maiores ganhos e benefícios económicos que lhe permitirão assegurar os direitos de reassentamentos das cincos Tabancas. Ao fazer reassentamentos, a Direção da ITAFOS terá que saber contornar os riscos da vida da população reassentada.

A ONG Tiniguena já estabeleceu, no seu ante-projeto lei, uma Comissão Técnica composta pela população local para acompanhar de perto os trabalhos e estudos feitos desde 2018 pela ITAFOS sobre a transferência das cinco Tabancas.

Por: António Nhaga/Djamila da Silva

Conosaba/odemocratagb

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