O porta-voz do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), João Bernardo Vieira, disse que os autores das especulações ou boatos “estão muito bem identificados no interior do partido (PAIGC), certamente com o objetivo de desviar a atenção do partido e dos seus militantes sobre o que realmente interessa neste momento”. O político reagia assim durante a entrevista ao Jornal O Democrata sobre as especulações postas a circular em como estaria a reunir-se, informalmente, com os veteranos e figuras influentes do partido no âmbito do seu projeto político de liderar o PAIGC, bem como da sua ausência nos últimos tempos dos eventos e comunicações oficiais do partido.
“Guineenses em geral e os militantes e dirigentes do PAIGC, em particular, sabem que, eu não traio os princípios e valores do PAIGC! Eu nunca fiz parte e nem nunca farei parte de associações ou grupos de complot. Tudo o resto para mim é acessório”, frisou.
Na entrevista, João Bernardo Vieira, defende a solidariedade e lealdade com o partido, mas também a união e a humildade para que o PAIGC possa vencer os grandes desafios. Advertiu aos militantes e dirigentes que o pior que lhes pode acontecer agora é regredir nos valores, em relação aos quais estavam claramente a registar progressos.
Negou que se tenha instalado nova crise no seio dos libertadores, porque o: “PAIGC tem o interesse nacional como a bússola da sua intervenção política” e que o “interesse nacional está no ADN (dos libertadores)”; desde a fundação do partido em 1956. Portanto não partilha da opinião de que haja uma crise e de que estejam a perder terreno. “Não há crise nenhuma no PAIGC”.
Sobre a petição lançada por alguns dirigentes do partido na qual pedem a suspensão dos deputados e dirigentes que desobedeceram as orientações da direção do partido, João Bernardo Vieira disse que o PAIGC não se apressaria a tomar decisões, mas que, implicitamente, a pergunta parecia insinuar que haveria falta de coerência. “Devo dizer que não há incoerência nenhuma aqui… Como eu lhe disse, o PAIGC é um partido com muita experiência e no momento certo saberá tomar as melhores decisões que lhe cumpre tomar”, assegurou.
O Democrata (OD): Senhor Porta-voz, o PAIGC volta a viver momentos conturbados: o partido está fora do poder e o presidente do partido está, há seis meses, em Portugal. É verdade que o senhor estaria a reunir-se informalmente com os veteranos e figuras influentes sobre o seu projeto político de liderar o PAIGC?
João Bernardo Vieira (JBV): Permita-me que lhe diga que é lamentável que este tipo de especulações tenham lugar num momento em que o PAIGC está engajado num combate político sério que exige maior concentração de todos nós, federados em torno do nosso Presidente, Domingos Simões Pereira.
Infelizmente estas especulações, cujos autores estão muito bem identificados, têm origem no interior do próprio partido (PAIGC) e certamente com o objetivo de desviar a atenção do partido e dos seus militantes sobre o que realmente interessa neste momento. É bom que fique claro para os autores destes boatos, como já disse, bem identificados, que eu, enquanto dirigente do PAIGC estou perfeitamente tranquilo, mas sobretudo focado nas aspirações políticas atuais do meu partido que é a luta pela verdade democrática na Guiné-Bissau. Penso que no fórum próprio e no momento oportuno, o PAIGC terá a oportunidade de se debruçar sobre os seus problemas internos com a serenidade necessária.
A minha consciência e a minha história de dedicação partidária, sobretudo o meu compromisso com o partido não me permitem ter comportamentos desviantes da linha do PAIGC e sei que os simpatizantes, militantes e dirigentes do meu partido conhecem-me perfeitamente. Os guineenses em geral e os militantes e dirigentes do PAIGC, em particular, sabem que, eu não traio os princípios e valores do PAIGC! Eu nunca fiz parte e nem nunca farei parte de associações ou grupos de complot. Tudo o resto para mim é acessório…
OD: Quem estaria interessado em fomentar este tipo de boato contra si…
JBV: Sinceramente não sei! Eu não quero alimentar esta polémica, porque o mais importante para mim, neste momento, é que estou concentrado em apoiar o PAIGC a voltar conhecer os melhores dias.
OD: Desmentiu que não tem pretensões a liderança do partido e que tudo é boato. Na qualidade de porta-voz do PAIGC, como justifica a sua ausência dos eventos e nas comunicações oficiais do partido neste período conturbado?
JBV: Como sabe eu estive fora do país durante cinco meses, devido à pandemia do coronavírus, que impôs um confinamento internacional à todo nós. Portanto não estive ausente do país por vontade própria. Logo que cheguei telefonei a cada um dos vices- presidentes do partido bem como ao secretário nacional, aos membros da comissão permanente e alguns camaradas do Bureau Político e do Comité Central para lhes informar que já me encontrava no país.
Portanto, não se trata de maneira alguma, de um distanciamento do partido. Desde o meu regresso, estou plenamente engajado naquilo que é neste momento a agenda do PAIGC, trocando ideias e delineando estratégias políticas com vista a prossecução dos objetivos do nosso grande partido. Quero informar agora que amanhã (terça-feira) às 10:00, estarei na reunião da Comissão Permanente. Há outra parte também que é verdade. Também tenho família para cuidar, portanto tenho passado algum tempo no meu escritório a trabalhar. O PAIGC nas últimas eleições legislativas conseguiu 47 deputados e, por conseguinte cada um desses deputados tem não só o mandato, como também a legitimidade para falar para os guineenses.
OD: O líder do PAIGC, Simões Pereira disse que não se sente seguro para voltar ao país. Aliás, o PAIGC relatou ameaças à vida do ex-primeiro-ministro Aristides que se encontra refugiado nas instalações da ONU em Bissau. O senhor Porta- voz decidiu voltar para continuar a sua atividade normal. Não se sente ameaçado?
JBV: Penso que é preciso ter cuidado com as generalizações porque cada caso é um caso. No meu caso, eu não exerço funções governativas há mais de quatro anos e não tenho tido nenhum poder de decisão ou influência sobre as políticas públicas como as personalidades que faz referência. Penso que é importante criar as condições para que o ex-primeiro-ministro, Aristides Gomes, retome o conforto da sua casa com a tranquilidade e segurança necessárias. Até porque temos recebido indicações em como ele se encontra gravemente doente. Penso que a nossa democracia fica mais fraca quando tentamos demonizar permanentemente os nossos adversários políticos.
Dizer que Aristides Gomes é um demónio, não é verdade. Eu sou contra a demonização absoluta porque não ajuda a construir um clima de convivência política são. Penso que o adversário político deve ser respeitado e não humilhado. A humilhação conduz à revolta e sentimentos de vingança e com vingança nenhum país pode erguer.
OD: O partido continua a perder terreno politicamente. A deputada e ex-ministra de negócios estrangeiros Suzi Barbosa entrou para este governo. Cinco deputados votaram o programa do governo de Nuno Nabian contra a orientação do PAIGC, incluindo o primeiro vice-presidente que é o presidente da Assembleia Nacional Popular, demarcou-se da posição do boicotar a sessão que aprovou o programa deste governo. Recentemente, o líder de bancada e terceiro vice-presidente abandonou o Parlamento numa altura em que o partido precisa de “cabeças” para as batalhas no Parlamento. Será que já se instalou uma nova crise no partido?
JBV: Eu não posso julgar ninguém, porque não sou “Deus nem em sabedoria nem em santidade”. Só Deus poderá julgar os vivos e os mortos. Posso dizer-lhe sim, que foram pessoas escolhidas pelo partido que, à partida, não faziam antever esta situação. Penso ser necessário a solidariedade e a lealdade com o partido como também a união e humildade para que o partido possa vencer os grandes desafios que enfrenta e deverá enfrentar. O pior que nos pode acontecer agora é regredir nos valores em que estávamos claramente a progredir.
A meu ver, não há crise nenhuma dentro do PAIGC, porque o PAIGC tem o interesse nacional como a bússola da sua intervenção política. O interesse nacional está no nosso “ADN” desde a fundação do nosso partido em 1956. Portanto não partilho a opinião de que há crise e de que estamos a perder terreno. Não há crise nenhuma no PAIGC.
OD: Não há crise. Como é que se justifica a desobediência dos cinco deputados e do próprio líder do parlamento que negou acatar a orientação da direção superior do partido de boicotar a sessão e decidiram participar e votar o programa do governo que o PAIGC considera ilegal e golpista?
JBV: A nossa posição relativamente a esse governo é de conhecimento de todos. Essa situação faz parte das vicissitudes políticas! Como lhe disse, são situações que aconteceram e eu não quero entrar em julgamentos deste ou daquele…
OD: Há uma petição feita por dirigentes a nível interno, que propõem sanções contra os deputados e dirigentes que desobedeceram as orientações do partido, como tem sido prática nos últimos tempos. Como explica o “silêncio” do partido em relação a esse assunto? Até os militantes e dirigentes estão a pedir sanções contra estes dirigentes!
JBV: O PAIGC é a maior instituição política partidária do país com uma ideologia muito forte. Se me permite, eu diria que futebolisticamente falando é como o Brasil que ganhou mais campeonatos do mundo do que qualquer outro país. E por ser um partido estruturado sabe interpretar cada momento político que vivemos e calibrar cada decisão que toma. O PAIGC não se apressa em tomar decisões e de acordo com essa pergunta, está implicitamente a dizer que há falta de coerência. Devo dizer que não há incoerência nenhuma aqui…
OD: O que está por detrás do atraso na decisão do partido sobre o assunto?
JBV: Como lhe disse, o PAIGC é um partido com muita experiência e no momento certo saberá tomar as melhores decisões que se cumprem tomar…
OD: Em outras palavras, aguarda-se a presença do líder, Domingos Simões Pereira…
JBV: Bom… os órgãos não são reunidos faz algum tempo. Obviamente que existe um presidente do partido, portanto vamos tomar as melhores decisões e de acordo com as análises feitas nas reuniões da Comissão Permanente e sucessivamente…
OD: Simões Pereira, líder do partido não conseguiu dar ao partido uma maioria absoluta nas legislativas. Apresentou-se nas presidenciais e foi derrotado, de acordo com os resultados anunciados pela CNE. Alguns dirigentes do PAIGC questionam a sua capacidade de liderança. O senhor porta-voz acha que Simões Pereira continua a reunir as condições para liderar o partido?
JBV: Vamos ser honestos e a grande verdade é que este debate não está aberto ainda e por isso, não faz sentido nem é de bom tom qualquer pronunciamento sobre esta questão. Como diz, existem desafios neste momento muito importante para o partido e devemos estar todos alinhados e concentrados a volta deste desafio. Devo lembrar que no PAIGC só durante o congresso é que somos chamados a pronunciarmo-nos sobre o camarada ou os camaradas que reúnem as condições para liderar o nosso partido.
Enquanto não for o caso, o Eng. Domingos Simões Pereira é o nosso presidente e com toda a legitimidade que lhe assiste.
OD: Se porventura, no quadro de um eventual entendimento político de inclusão governativa, o PAIGC for convidado a integrar o governo ou até chefia-lo, o partido vai aceitar? E quem indicaria para dirigir o executivo?
JBV: Repara que o PAIGC está e estará sempre aberto a encontrar as melhores soluções que sirvam os interesses da Guiné-Bissau e dos guineenses. Agora não podemos desvirtuar a essência da democracia e depois vir convidar (este ou aquele) para integrar o governo. Quem ganhou as eleições? O normal seria o PAIGC eventualmente convidar outras forças políticas para integrarem o governo e não o contrário. Penso que é fundamental devolver a governação ao PAIGC, porque está claro para todos que acreditar que o governo atual será capaz de fazer as transformações que o país precisa é mais ou menos como acreditar no pai natal.
OD: Face ao “status” atual, o que é que o PAIGC perspetiva fazer politicamente?
JBV: Nós vamos continuar a trabalhar como sempre o fizemos para que os guineenses saibam a verdade. Quem ganhou as eleições foi o PAIGC é ao PAIGC que cabe o direito de governar. A nível interno, temos dados os sinais de muita vitalidade com a Juventude Africana Amílcar Cabral (JAAC). Esta estrutura de massa do partido tem se afirmado como instrumento tremendo da atração e de forças mais dinâmicas da nossa sociedade. A JAAC está imparável e tentar pará-la é como tentar parar o vento com as mãos.
OD: Senhor porta-voz admite que haja congresso antecipado no partido, tendo em conta as questões levantadas sobre a capacidade de liderança do Domingos Simões Pereira?
JBV: Como lhe disse, este não é um assunto que esteja na ordem do dia. Neste momento, temos outros desafios que exigem convicção, determinação e coragem política para continuarmos a afirmar os nossos princípios e valores para uma transformação efetiva da sociedade guineense.
Por: Assana Sambú
Foto: A.S
Conosaba/odemocratagb
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