sexta-feira, 14 de agosto de 2020

15 ORGANIZAÇÕES DAS MULHERES DA GUINÉ-BISSAU ESCREVEM UMA CARTA ABERTA AO SECRETÁRIO-GERAL DA ONU

 

Aliu Cande

Quinze organizações das mulheres da Guiné-Bissau escrevem uma Carta Aberta ao Secretário-geral da ONU para lamentar o encerramento do Gabinete da ONU para Consolidação da Paz na Guiné-Bissau, e pedem a criação de um Gabinete em substituição da estrutura ONU-Mulher e Unidade de Gênero do UNIOGBIS.

Na carta, as mulheres reconhecem alguns progressos registrados na luta pela melhoria da situação da mulher, com apoio das estruturas do UNIOGBIS.
Contudo, afirmam que o encerramento do Uniogbis representa um forte golpe nos esforços de melhoria dos indicadores de igualdade de género e proteção das mulheres, e consubstancia um enorme obstáculo para fazer face aos desafios que se avizinham.

_Íntegra

_Carta Aberta ao Secretário-geral das Nações Unidas, Senhor António Guterres.

_Excelência,

As Organizações das Mulheres da Guiné-Bissau apresentam os seus melhores e respeitosos cumprimentos à sua Excelência Secretário-geral das Nações Unidas Senhor António Guterres, e servem da presente Carta Aberta, para felicitar e agradecer os inestimáveis apoios prestados pelas Nações Unidas à Guiné-Bissau, nos distintos momentos e situações de crises que têm assolado o país nos últimos 22 anos.
Durante mais de duas décadas, as Nações Unidas através do UNIOGBIS, ONU Mulheres e demais agencias especializadas, prestaram assistência técnica e financeira ao Estado da Guiné-Bissau e às organizações femininas da Sociedade Civil, os quais permitiram o fortalecimento das suas capacidades de intervenção e melhoria do quadro legal protetor dos direitos das mulheres e meninas.
Estes apoios resultaram em ganhos importantes para as mulheres, entre os quais se destacam:

1. Criação de muitas organizações das mulheres e reforço das suas capacidades institucionais, através das permanentes ações de formação e adoção de planos estratégicos a curto, médio e longo prazo;

2. Elaboração e aprovação das legislações protetoras dos direitos humanos das mulheres, entre as quais, as leis contra a mutilação genital feminina, violência domestica, tráfico de seres humanos em especial mulheres e crianças, de saúde reprodutiva e a lei da paridade, aprovada em 2018;

3. Melhoria de indicadores da participação das mulheres na política e na esfera de decisão

4. Adoção de políticas e estratégias de promoção da igualdade de género e proteção dos direitos das mulheres, nomeadamente, a Política Nacional da Igualdade e Equidade de Género, Plano Nacional para a Implementação da Resolução 1325 do Conselho de Segurança, Estratégia Nacional de Combate à Mutilação Genital Feminina, etc.

5. Maior envolvimento das mulheres na prevenção e resolução de conflitos quer de alto nível, quer comunitários assim como na promoção do diálogo político;

Não obstante estes resultados positivos supracitados, a Guiné-Bissau continua a ser caracterizada por baixos indicadores em relação à proteção e promoção dos direitos das mulheres e meninas.
Os dados estatísticos apontam que as mulheres representam 52 % da população em geral, tratando-se de um país essencialmente jovem, com uma média de quase 60% da população.
Os dados ainda demonstram que as mulheres possuem o mais baixo índice de escolarização em comparação com os homens, sobretudo, nos níveis mais elevados de ensino.
Da mesma forma, ainda se verifica no país a ausência de apoio específico para o empoderamento económico da classe feminina, nomeadamente fundos especializados e créditos bancários específicos para as mulheres, conforme recomenda o quarto pilar da resolução 1325 CSNU.
Igualmente, os dados oficiais sobre a violência com base no género são alarmantes, requerendo a mobilização de meios materiais e humanos para a sua erradicação.
Não obstante os esforços empreendidos, a Guiné-Bissau continua a apresentar baixos indicadores de desenvolvimento, onde as mulheres e meninas são subalternizadas nas esferas de decisões, na participação política, nos acessos à educação e saúde de qualidade, com altos índices de mortalidade materno e infantil, onde grande parte das mulheres estão afetas ao trabalho informal, desprovidas de proteção social, com baixo poder económico e acesso aos serviços de créditos associadas às profundas invisibilidades das precariedades com que vivem um número significativo das mulheres e meninas com deficiências.
A situação de vulnerabilidades das mulheres e meninas no país representa um enorme desafio às autoridades nacionais e aos parceiros internacionais, interpelando-os a reforçar ainda mais as sinergias e alargar o leque de apoios que têm sido concedidos.
Perante este contexto pouco favorável às mulheres, o apoio das Nações Unidas e de outros parceiros internacionais, revestem de capital importância de forma a permitir a consolidação dos resultados obtidos e enfrentar novos desafios.

Excelência,

No quadro da reestruturação das Nações Unidas na Guiné-Bissau, o escritório da ONU-Mulheres foi encerrado em março de 2020, estando em curso o fecho da Unidade de Género do UNIOGBIS, ambos parceiros incontornáveis das organizações das mulheres nas suas incessantes lutas pela promoção da igualdade de género e proteção dos direitos das mulheres e meninas.
O encerramento definitivo destas importantes estruturas de apoio às mulheres representa um forte golpe nos esforços de melhoria dos indicadores de igualdade de género e proteção dos direitos das mulheres e consubstancia um enorme obstáculo para fazer face aos delicados desafios que se avizinham. Entre estes destacam-se a integração da dimensão de género nas reformas das forças de defesa e segurança, da justiça, da administração pública, do sistema político, nomeadamente, a lei eleitoral, lei dos partidos políticos e o processo da revisão constitucional em curso que requer maior mobilização e participação das mulheres.
Da mesma forma, a situação da pandemia do covid-19, cujas consequências são nefastas para a vida social e económica no seu todo e em especial para as relações de género, exige das mulheres uma maior capacidade de intervenção, sobretudo tendo em conta que na Guiné-Bissau elas são na sua maioria responsáveis pelo sustento das famílias.
Perante estes importantes desafios que o país, ainda frágil, enfrenta, as organizações subscritoras da presente Carta Aberta, acreditam que a intervenção das Nações Unidas na Guiné-Bissau deve pautar-se pela continuidade de apoio à abordagem integrada de género, através da existência de estruturas especializadas neste domínio, como forma de melhor prosseguir a reversão de indicadores tão indesejáveis na prossecução da igualdade de género e promoção dos direitos das mulheres.
Para o efeito, as organizações representativas das mulheres da Guiné-Bissau lançam um vibrante apelo à vossa excelência, no sentido de influenciar o Conselho de Segurança das Nações Unidas, tendente à criação de uma estrutura especializada e responsável no seio do sistema das Nações Unidas na Guiné-Bissau, com o mandato para continuar a apoiar a abordagem integrada de género e promoção efetiva dos direitos humanos das mulheres, através da prestação de assistência técnica e financeira ao Estado e, em especial, às organizações das mulheres.
Embora as agências residentes do sistema das Nações Unidas na Guiné-Bissau fazem um excelente trabalho para incorporar a perspetiva de género nos seus programas, a falta de uma agência/departamento específico dedicado à temática em concreto, coloca dificuldades à continuação do trabalho relacionado com a agenda das Mulheres Paz e Segurança, uma vez as organizações das mulheres perderão a capacidade técnica adequada para a implementação das prioridades de construção da paz.
As organizações das mulheres da Guiné-Bissau acreditam por isso que a criação de um departamento especializado desta natureza, numa das agências permanentes da ONU no país, irá não só colmatar as lacunas deixadas pela ONU-Mulheres e Unidade de Género do UNIOGBIS, mas também, consolidar as conquistas já alcançadas e servir de alicerce para a concretização dos futuros desafios nos domínios da igualdade de género e promoção dos direitos humanos das mulheres.
Pela paz, igualdade de género e proteção efetiva dos direitos humanos das mulheres e meninas.

Feito em Bissau aos 12 dias do mês de agosto de 2020

As Organizações das Mulheres subscritoras
1. Conselho das Mulheres da Guiné-Bissau
2. Plataforma Política das Mulheres
3. Rede Nacional de Luta Contra Violência no Género e na Criança
4. Federação das Associações de Defesa e Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Guiné-Bissau
5. Rede Paz e Segurança para as Mulheres no Espaço CEDEAO
6. Comité Nacional Para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e Criança
7. Conselho Nacional da Juventude
8. Rede Nacional das Mulheres Trabalhadoras
9. Associação Nacional das Mulheres de Atividade Económica
10. Rede das Mulheres Mediadoras
11. Associação Guineense das Mulheres Juristas
12. Rede de Mulheres Empreendedoras Empresarias
13. Rede Nacional de Jovens Mulheres Líderes
14. Rede de Mulheres Educadoras
15. Associação de Mulheres Produtoras de Tchur Brik

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