Na economia da Guiné-Bissau, muito se fala sobre o peso da agricultura — sobretudo da monocultura da castanha de caju — como principal fonte de exportações e sustento da população. No entanto, existe um setor igualmente estratégico que permanece nas sombras das estatísticas oficiais: as pescas.
Embora os relatórios do Instituto Nacional de Estatística (INE) e os dados do Banco Mundial ou do FMI registrem o setor dentro da rubrica “Agricultura, Silvicultura e Pescas”, a realidade é que o seu contributo para o Produto Interno Bruto (PIB) está gravemente subestimado.
A razão é simples: apesar do volume elevado de pescado exportado, grande parte dele não é contabilizado no PIB porque as respetivas divisas não entram no país. Os pagamentos são feitos através de bancos internacionais, fora do alcance do sistema financeiro guineense. Em muitos casos, os navios estrangeiros pescam nas nossas águas, descarregam diretamente em portos europeus, países vizinhos ou asiáticos, e o Estado apenas recebe uma fração em forma de licenciamento ou taxas simbólicas.
O resultado é um paradoxo: a Guiné-Bissau possui um dos mares mais ricos da África Ocidental, mas o setor das pescas aparece nas contas nacionais como uma atividade marginal. Enquanto os relatórios internacionais estimam que o valor anual da captura de pescado pode ultrapassar os 200 a 300 milhões de dólares, os números oficiais registam apenas uma pequena parte — cerca de 10% desse valor. O restante desaparece nas redes invisíveis da pesca não declarada e nos fluxos financeiros internacionais.
Este fenómeno tem várias consequências negativas:
1- Subestimação do PIB: o país parece mais pobre do que realmente é, o que distorce análises macroeconómicas e reduz a sua capacidade negocial em organismos internacionais.
2- Perda de divisas: a não entrada de receitas no sistema bancário nacional enfraquece as reservas cambiais e aumenta a dependência externa.
3- Receitas fiscais irrisórias: o Estado arrecada pouco com licenças de pesca, quando poderia multiplicar a sua receita se houvesse controlo efetivo das exportações.
4- Ausência de valor acrescentado interno: quase todo o pescado é exportado cru, sem transformação local, o que significa menos emprego e menos industrialização.
Portanto, a Guiné-Bissau não pode continuar a permitir que uma das suas maiores riquezas naturais seja explorada sem verdadeiro retorno para o seu povo. O setor das pescas precisa de uma reforma estrutural: reforço da fiscalização marítima para combater a pesca ilegal, OBRIGATORIEDADE DE CANALIZAR AS RECEITAS ATRAVÉS DO SISTEMA BANCÁRIO NACIONAL, maior transparência estatística e, sobretudo, investimento em indústrias locais de transformação e conservação do pescado.
Trata-se, no fundo, de uma questão de soberania. Enquanto os nossos mares continuarem a enriquecer outros e a empobrecer as nossas contas nacionais, estaremos condenados a viver numa economia artificialmente reduzida, onde o PIB não reflete a realidade das nossas potencialidades.
O futuro da Guiné-Bissau exige coragem política e visão estratégica. A pesca não pode ser apenas um negócio para estrangeiros; tem de ser uma alavanca de desenvolvimento para os guineenses.
Dionísio Pereira
Bissau 05.09.2025

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