domingo, 21 de abril de 2024

Opinião: CIDADE DE BISSAU, UMA ANÁLISE HISTÓRICA PARA ALÉM DO VIÉS COLONIAL E POLÍTICO


 I – CONTEXTUALIZAÇÃO:

Feita uma narrativa realista e objectiva, poder-se-á evidenciar que a história da Guiné-Bissau não começou com a chegada dos primeiros navegadores portugueses e nem com o início do hediondo sistema colonial. Ela é tão antiga como a própria história da presença dos povos africanos nestes territórios que hoje formam a Guiné-Bissau, que acolheu civilizações e impérios estabelecidos antes da ocupação e colonização islâmica, primeiro e depois, a disputa, ocupação e colonização ocidental.

Neste sentido, subsiste a imperatividade de honrar e respeitar os acontecimentos históricos que ocorreram nesta bem-dita terra desde a pré-história até a contemporaneidade, fazendo com que a escolha de qualquer data histórica deve observar escrupulosamente os critérios, normas intrínsecas da referida data em toda a sua dimensionalidade, quer dizer é imperativo que a data esteja intimamente ligada aos feitos indeléveis e impactantes de forma significativa, sem precedentes erróneas da nossa multissecular história.

Por estas e demais razões objectivas em termos de historicidade e subjectivas em termos ideológicos, a escolha da data de 15 de Março como dia da Cidade de Bissau ou Município de Bissau na minha modéstia opinião é duvidosa, deveras discutível, porque carece de fundamento histórico-científico consistente, para ser uma escolha consensual e sem vícios de interpretação e compreensão histórica dos factos. Outrossim, a sua escolha deveria ser de amplo consenso.

II – ANÁLISE DOS FACTOS

Como reza a história, os primeiros contactos entre os autóctones que coabitavam no nosso actual território e os navegadores portugueses aconteceram a partir do século XV, quando os portugueses estabeleceram a sua primeira feitoria em Cacheu. Entretanto, após o grande revés que os portugueses sofreram na sua vã tentativa de fortificação da feitoria de Cacheu, por este motivo, a Coroa Portuguesa da época, foi obrigado mudar a sua estratégia de ocupação.

Assim, as tentativas de fortificação de Bissau, pelos portugueses terão tido início em finais do século XVII. Provavelmente, foi neste período, que a Coroa Portuguesa começou por interessar-se em mandar construir uma Fortaleza no embocadouro do Rio Geba. Mas, a instalação dos comerciantes portugueses na ilha de Bissau e o seu convívio com os africanos cristãos, intermediários ou mais próximos dos europeus e bem colocados, os Grumetes, regista-se desde o século XVI.

A preferência dos portugueses por Bissau estaria ligada, logo no princípio, à facilidade com que os navegantes trocavam os produtos exóticos, pessoas escravizadas em especial, cuja procura era muito estimada no Brasil, assim como em todas as feitorias da Costa Americana do Atlântico. Certamente, foi nesta época que, o D. Pedro II Rei de Portugal começou a demonstrar à sua intenção de comprar um terreno e por isso se apressou, por intermédio do Governador de Cabo-Verde, a enviar ao régulo BACOMPOLO CÓ régios presentes, que foram agradecidos por uma carta, datada de 4 de Abril de 1687, na qual também se comunicava que os portugueses poderiam, à vontade construir no porto de Bissau uma fortaleza.

Por isso, a mando do Rei de Portugal, a Companhia de Grão-Pará e Maranhão terá resolvido negociar com as autoridades autóctones locais, na pessoa do Rei do reino de “INTIM”, a compra de terrenos para erguer a Fortaleza junto à praia e cerca da povoação até cinco léguas.

4 de Abril de 1687, foi o dia em que, o Rei de Intim concordou em vender à Coroa Portuguesa esse pedaço de terreno para a construção da futura Fortaleza.

ENTÃO PORQUE É QUE ESTA DATA NÃO PODERIA SER ESCOLHIDA SIMBÓLICAMENTE COMO DIA DA CIDADE DE BISSAU OU MUNICÍPIO DE BISSAU?

No entanto, de acordo com as fontes históricas fidedignas a data de 15 de Março de 1692, foi efetivamente a data em que o Rei de Portugal D. José I assinou o Alvará Régio manifestando a intenção da Coroa Portuguesa em mandar construir na Ilha de Bissau uma fortaleza.

Apesar de ter mandado aí colocar uma guarnição, praças e um Capitão-mor, devendo a Campainha de Cacheu e Cabo-Verde custear a respectiva despesa, na nossa perspectiva este Alvará Régio era pura e simplesmente uma manifestação de intenção, porque o terreno para a construção da futura Fortaleza não tinha ainda sido comprado pela Coroa Portuguesa.

Só a 16 de Outubro de 1696, com grande solenidade e na presença do Bispo D. Vitorino da Costa, foi lançada a primeira pedra da futura fortaleza que, como a pequenina Capela construída por Frei José de Beque, que ficava sob a protecção de Nossa Senhora da Conceição.

Em Janeiro de 1698, foi lavrado, no Livro de Registo da Alfândega de Bissau, o auto da compra do terreno onde fora construída a Fortaleza, adquirido pela importância de 60$00 barafulas ou seja réis. Estando presente nesta cerimónia o Rei Pepel INCINHA TÉ e o Capitão-Mor de Bissau JOSÉ PINHEIRO.

Questiona-se a escolha da data de 15 de Março de 1692 como dia da Cidade de Bissau, porque na minha perpectiva ela não encerra nenhum acontecimento histórico importante ligado com a população autóctone da Ilha de Bissau. Ela está mais ligada com interesses inconfessáveis dos portugueses, que pretendiam construir a todo custo uma Fortaleza neste sítio, porque a sua localização estratégica era deveras excelente e incontornável. Outrossim, esta data intencional, que permitiu abrir novos horizontes para promoção e desenvolvimento da actividade económica mais rentável da época, o comércio da mercadoria humana.

Porém, este facto impulsionou à construção da dita fortaleza, que ao longo do período mais hediondo e triste célebre comércio de pessoas humanas denominado «tráfico de escravos», serviu de placa giratória para o comércio de escravizados provenientes dos reinos escravocratas do litoral e do interior da Guiné (a titulo de exemplo o histórico IMPÉRIO DE KABU), a caminho para Europa, as Américas, Caraíba e Antilhas. Deste modo, esta data, na minha modéstia opinião não poderia ser a melhor escolha para perpetuar o dia da Cidade ou Município da nossa Cidade Bissau.

Importa esclarecer que, o interesse de construção da Fortaleza na margem do Rio Geba tinha dois grandes propósitos na época:

  1. Controlar à visa panorâmica e estratégica de toda costa litoral da Ilha, tendo como propósito prevenir contra às investidas dos piratas e outras potências europeias da época com interesse em estabelecer na Ilha de Bissau;
  2. Serviu de centro de distribuição do tráfico de escravos, mais igualmente desempenhou um papel importante no processo de fortalecimento das relações comerciais entre os autóctones e europeus.

Estes dois propósitos supra elencados demonstraram sem equívocos, a inquestionável natureza escravocrata da Coroa Portuguesa da época, mas nunca a intenção de erigir uma cidade.

Na minha análise histórica alicerçada em conferir maior visibilidade aos acontecimentos marcantes da história da população autóctone, me apraz declarar sem rodeios que, a data de 15 de Março é uma data carregada de simbolismo colonial, instituída durante o início do longo e doloroso período da escravatura moderna. Na época a Coroa Portuguesa ainda não tinha consolidada a sua posição na Ilha de Bissau sob a autoridade dos Reis do Reino de Intim. Outrossim, neste conturbado período da história da colonização, a Coroa Portuguesa continuava sem sucesso na sua vã tentativa de fortificação de Cacheu e Ilha de Bissau.

III – SUBSÍDIOS PARA RESSIGNIFICAÇÃO DA VERDADEIRA HISTÓRIA

Aproveito esta profícua e soberana ocasião para sugerir neste artigo de opinião as datas mais relevantes e consentâneas com os acontecimentos históricos genuínos da população autóctones da Ilha de Bissau, como abaixo se discriminam:

  1. 16 de Outubro de 1696, data em que foi realizado com grande solenidade e na presença do Bispo D. Vitorino da Costa, o lançamento da primeira pedra da futura fortaleza como a pequenina Capela construída por Frei José de Beque;
  • Em Janeiro de 1698, data em que foi lavrado, no Livro de Registo da Alfândega de Bissau, o auto da compra do terreno onde fora construída a Fortaleza, estando presente nesta cerimónia o Rei Pepel INCINHA TÉ e o Capitão-Mor de Bissau JOSÉ PINHEIRO;
  • Dezembro de 1696, quando o INCINHA TÉ foi escolhido solenemente como Rei do Reino de Intim e foi considerado o único e legítimo Rei de Bissau. Este poderia ser o marco mais importante em termos de registo e carga histórica e mais relevante em termos de administração do território de Bissau, por ser o mais longo reinado de todos os reis de Bissau (mais de 50 anos, de 1696 a 18.09.1746, data da sua morte). Ele procurou limitar a presença dos portugueses, declarou por várias vezes a guerra à praça de Bissau;
  • 17 de Fevereiro de 1753, data em que o Rei PALAN CÁ acabou por assinar “um auto de fidelidade a Portugal e de consentimento da construção de uma fortaleza, cuja primeira pedra foi lançada, com grande solenidade, nesse mesmo dia, que corresponde a 2ª fase da construção da Fortaleza;
  • 29 de Novembro de 1794 a 18 de Julho de 1795, período quando os Pepeles mantiveram, durante oito meses, um cerco histórico à Praça de Bissau, uma clara evidência da tenaz resistência e da hostilidade canina da população autóctone contra a presença colonial na Ilha de Bissau;
  • 19 de Dezembro de 1844, depois de três meses de violentos combates, a paz entre as partes, foi concluída, mediante a assinatura de um acordo de entendimento, na presença dos Reis de INTIMBANDIM e ANTULA, assim como das autoridades coloniais portuguesa;
  • Em 29 de Abril de 1859, Bissau foi elevada à categoria de Vila;
  • No dia 9 de Dezembro de 1869, Bissau foi declarada porto franco para o comércio de todas as nações;
  • Em 1913, a data em que foi derrubada a célebre muralha que impedira até então o desenvolvimento da cidade. Foi ali que teve raiz a parte moderna da cidade, prosseguindo em direcção ao Alto do Crim. Um ano depois, em 1914, Bissau torna-se Cidade e tem o primeiro Plano de Urbanização;

11Em 1923, obteve o seu primeiro Foral, conferindo-lhe assim o estatuto do primeiro urbe da Província;

12.  Em 1941,Bissau torna-se Cidade Capital da então Guiné Portuguesa.

«ESTA MINHA MODÉSTIA OPINIÃO FICARÁ REGISTA NOS ANAIS DA HISTÓRIA».

BISSAU, 15 DE MARÇO DE 2024

Por: José da Cunha

Historiador


Conosaba/odemocratagb

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