Chefe das Forças Armadas revela que militares que ocuparam instituições do Estado são do batalhão da Presidência e respondem diretamente ao chefe de Estado. Governo de Aristides Gomes denuncia "invasões" a residências.
As Forças Armadas refutaram esta quinta-feira (05.03) estar envolvidas nas querelas políticas na Guiné-Bissau. Numa nota à DW do chefe das Forças Armadas, Biaguê Nan Tan, o Estado-Maior demarca-se da atuação dos militares que ocuparam as instituições do Estado
"Relativamente à presença dos militares em certos pontos da capital, sobretudo nas cerimónias presidenciais, sublinhamos que os referidos pertencem ao batalhão da Presidência da República, uma unidade sob ordem direta do primeiro magistrado da Guiné-Bissau, que à luz da Constituição da República é o comandante em chefe das Forças Armadas", refere-se.
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Na mesma nota, divulgada pelo coronel Ussumane Conaté, o Exército guineense faz saber que reforçou as medidas de segurança para defender a soberania e a integridade territorial.
"As Forças Armadas não compactuam e compactuarão com os comportamentos anticonstitucionais que visam pôr em causa o progresso da Guiné-Bissau e o bem-estar da população. As Forças Armadas deram a sua vida pela paz, estabilidade, tranquilidade e segurança que conhecemos nos últimos tempos no país".
A nota do Estado-Maior das Forças Armadas foi divulgada à DW sem direito a perguntas.
O Ex-primeiro-ministro Aristides Gomes afirmou, na segunda-feira (02.03, em entrevista à DW que foi afastado do poder à força pelos militares, que ocuparam os edifícios do Estado, um ato que designou como a implementação de um golpe de Estado. Na foto de família da tomada de posse do primeiro-ministro Nuno Gomes Nabiam, no sábado (29.02), além de Nabiam e Embaló, aparecem apenas os líderes militares e o ex-chefe das Forças Armadas, que liderou o golpe de Estado de 2012, António Indjai, ainda sancionado pela ONU.
Nos últimos dias, vários organismos internacionais e organizações da sociedade civil guineense apelaram ao afastamento dos militares da política.
Vice-presidente do PAIGC, Odete Semedo
Vice-presidente do PAIGC, Odete Semedo
Odete Semedo, ex-ministra da administração territorial do Governo de Aristides Gomes, contou esta segunda-feira à DW que um grupo de militares invadiu a sua residência em Bissau.
"Já tinham estado cá ontem, sob pretexto de virem à procura de uma viatura de função que eu utilizava. Só que ontem foi-lhes informado que a viatura se encontra à porta da residência do Ex-primeiro-ministro, Aristides Gomes, porque assim foi combinado com todos os membros do nosso Governo que têm viaturas do Estado para levar à casa do ex-primeiro-ministro e deixar lá as chaves. Então foram-se embora e hoje vieram mais cedo com um aparato de armas e tudo", relatou a dirigente política por telefone a partir de Bissau.
Semedo, que é também a segunda vice-presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), diz que a sua família foi ameaçada quando os soldados armados tentaram entrar na sua casa.
Segundo a dirigente, as residências privadas de outros membros do Governo de Aristides Gomes também têm sido visadas pelos militares: "Mostraram a lista de que estão a percorrer as residências. Disse-lhe que seria mais fácil falar com o Ex-primeiro-ministro [Aristides Gomes] e dizer-lhe que, no âmbito do golpe do Estado que está a ser levado a cabo, querem ficar com as viaturas."
"Nós, estando nesta condição, não iríamos manter-nos com as viaturas sabendo que é o mais cobiçado neste momento, pondo a nossa vida em risco", afirma.
A residência do Ex-ministro do Interior de Aristides Gomes, Luís Melo, também terá sido alvo da ordem de recolha de viaturas do Estado.
Odete Semedo fala em perseguição política e intimidação aos adversários feitos pelos militares. "É mais do que intimidação. É uma violência psicológica, uma violência física e é uma invasão da nossa privacidade, no sentido de nos privarem da nossa liberdade e de ficarmos com medo de sair à rua. É isso que estão a provocar. Mas isso não vai acontecer, porque vamos sair à rua livremente".
O Estado-Maior das Forças Armadas não se pronunciou sobre estas denúncias.
Entretanto, nesta quinta-feira ficou completa a nova equipa governamental que assumiu o poder na Guiné-Bissau. Sob a proposta do novo primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam, Umaro Sissoco Embaló, que preside à Guiné-Bissau, nomeou António Deuna como novo ministro da Saúde Pública da Guiné-Bissau. Deuna é médico urologista formado na antiga União Soviética, trabalhava no Hospital Simão Mendes, em Bissau, e já foi diretor-geral dos Serviços de Proteção da Saúde.
De olhos postos na comunidade internacional
Em Bissau, aguarda-se pelo pronunciamento do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que discutiu na quarta-feira (04.03) a situação tensa que se vive na Guiné-Bissau.
O país chegou a ter dois Presidentes da República e dois primeiros-ministros em paralelo até que a pressão dos militares acabou por afastar do poder o Governo que resultou das eleições legislativas de março e, no domingo, fez Cipriano Cassamá renunciar ao cargo de Presidente interino, segundo as denúncias de Aristides Gomes.
Nesta quinta-feira, o Governo português admitiu ver "com preocupação" a crise política na Guiné-Bissau após as eleições presidenciais.
"Esperamos que, muito brevemente, possamos todos responder com clareza à pergunta 'quem é que é o Presidente eleito da Guiné-Bissau', de acordo com as leis e as instituições guineenses", declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
Por DW
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