A moçambicana Nzira de Deus (à direita) durante evento em Florianópolis, Brasil
Militantes do movimento feminista dos países africanos de língua portuguesa aplaudem avanços, mas destacam problemas como a violência contra a mulher e a pequena participação das mulheres na política.
Com nomes proeminentes como o da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, o feminismo africano tem sido projetado mundialmente. Nos países africanos de expressão portuguesa, as mulheres também têm trabalhado para garantir avanços nas leis e nas políticas públicas e para consciencializar a sociedade para os seus direitos.
Nzira de Deus, coordenadora do Fórum Mulher de Moçambique, uma rede que articula 85 organizações de mulheres do campo e da cidade, conta que, após conquistarem o direito ao património familiar em caso de separação ou viuvez com a Lei da Família em 2004, a penalização da violência contra mulher em 2009 e a despenalização do aborto em 2014, as moçambicanas agora tentam garantir o direito à herança.
"O lugar colocado pela mulher na estrutura de recebimento da herança é lá para o fim: depois dos pais, depois dos irmãos. E a família africana é muito grande. Geralmente, quando chega o momento da mulher receber, já não ficou quase nada", diz Nzira de Deus.
Para Graça Samo, a coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres em Moçambique, problemas como a mortalidade materna e infantil e as fístulas obstétricas, derivadas de problemas no parto, afetam gravemente a vida das mulheres. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) do país, morrem aproximadamente 400 mulheres em cada 100 mil nascimentos. Número elevado comparado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas: 70 mortes em 100 mil. Sobre as fístulas obstétricas, faltam estatísticas precisas, mas especialistas estimam que cerca de 75 mil mulheres foram prejudicadas pelo problema, na sua maioria jovens com menos de 30 anos.
Ativistas da Marcha Mundial das Mulheres, no Brasil
Em Angola, a advogada e ativista Florita Telo, co-fundadora do coletivo feminista angolano Ondjango, levanta ainda outros problemas como a violência doméstica, a violência sexual contra menores e a violência policial contra as zungueiras (vendedoras ambulantes). Uma vitória recente do movimento de mulheres angolanas foi a suspensão do excerto da reforma do Código Penal relativo ao aborto.
Através da pressão realizada pela Marcha das Mulheres Pela Despenalização do Aborto (MMDA), em março deste ano, as mulheres conseguiram que o Parlamento recuasse na proposta. Nela, estava o objetivo de penalizar, com até 10 anos de prisão, mulheres que interrompessem voluntariamente a gravidez, e a retirada das exceções que permitiam o aborto na lei atual - como gravidez resultante de violação sexual, risco à vida da mãe e má formação fetal.
Participação política
As mulheres também lutam pela participação na política. A Plataforma Política das Mulheres, da Guiné-Bissau, é uma das estratégias utilizadas para conquistar espaço no âmbito político. A ex-ministra da Saúde e da Educação do país, Odete Semedo, uma das idealizadoras do projeto que já está no ativo há oito anos, fala dos seus objetivos: "O paradigma que se estabeleceu é lutar para que a mulher consiga ascender à esfera de decisão. Como isso não está a acontecer ainda, a plataforma está a exigir agora uma quota de 40% para a participação das mulheres".
Em Moçambique, segundo Nzira de Deus, a participação equitativa das mulheres no quadro dos partidos é algo difícil de ser alcançado. "Nós almejamos alcançar um equilíbrio igualitário de 50%, mas agora estamos com cerca de 37% de representação de mulheres em posição de tomada de decisão. Contudo, ao nível da base, das províncias e dos distritos, a participação ainda é muito fraca, com cerca de 8 a 12 %", afirma a moçambicana.
Mudança estrutural
Segundo Graça Samo, para haver uma melhoria efetiva na condição de vida das mulheres, é preciso uma mudança estrutural na sociedade, para além da alteração das leis e da participação das mulheres nas instâncias de poder. "A possibilidade de implementar essas leis fica muito reduzida porque os recursos são orientados para o investimento do grande capital, para os grandes projetos. E não necessariamente para aquilo que são as necessidades básicas das comunidades", alerta.
Essa mudança, de acordo com Graça Samo, deve passar por um resgate histórico. "Ninguém ainda fez um processo de resgate do que o colonialismo destruiu. Pelo contrário, tentamos tapar o sol com a peneira, como se o colonialismo tivesse só feito coisas boas", declara.
A situação de África num contexto global também é recordada por Florita Telo, ao falar da importância de superar estereótipos: "Todas nós somos mulheres africanas e todas nós estamos dentro de um tipo de estereótipo que se criou sobre nós". Florita afirma que é necessário que haja união "não somente para lutar contra esse estereótipo, mas para afirmar que nós temos voz, que nós estamos aí, que nós existimos."
SER MULHER NA GUINÉ-BISSAU SIGNIFICA VIDA DURA
Primeira a acordar, última a ir dormir
No campo, uma mulher trabalha a dobrar. Costuma acordar antes dos restantes membros da família e é a última a deitar-se no final do dia. São as mulheres que têm de caminhar até à mata para procurar lenha e água, às vezes em zonas de difícil acesso, a vários quilómetros da aldeia, como nesta fotografia na vila de Quinhamel, na região de Biombo, no norte da Guiné-Bissau.
Conosaba/www.dw.com
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