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Após
ter visualizado nas redes sociais o vídeo em que um indivíduo que se identifica
como muçulmano a fazer comparação da comida do Natal com a da prática ancestral,
os cristãos saíram em defesa cristianismo elucidando vários comentários. Apesar
de não concordar com a infeliz declaração, mas, no contexto desse debate cabe
pontuar o seguinte: por que os cristãos católicos criticaram severamente essa
comparação? Haveria a mesma reação caso a comida do Natal fosse comparada com a
de festa de tabaski?
Apesar
da resposta é nítida nos olhos de quem deseja enxergar o óbvio, porém faço
questão de responder, mas, antes gostaria de frisar outro fato semelhante ao
que nos possibilita entender a percepção dos guineenses sobre as religiões
coloniais (cristianismo e islamismo).
Outro
fato semelhante se refere a um cristão da igreja reino de Deus, que pela
ousadia proferiu palavras que elucidam a intolerância religiosa diante da baloba conhecida como Ussai Katur no norte do país,
concretamente na cidade de Caió. De salientar que, as reações a esse fato não
se comparam com as do primeiro caso. Isso nos remete a ideia de que em
Guiné-Bissau a laicidade é vista a partir do cristianismo e islamismo.
Ora, as duas inquietações acima apesentadas
são pertinentes para compreendermos o nível de sensibilidade do guineense no
quesito da religião/religiosidade. Entretanto, vê-se as discussões sobre a
religião em Guiné-Bissau a partir do cristianismo e islamismo, as outras
práticas não se enquadram como condicentes, nesse ensejo, tanto os cristãos de
modo geral, assim os islâmicos vêm os cultos ancestrais como práticas
diabólicas. A partir deste ponto, faz-se necessário destacar alguns aspectos.
Inúmeros
guineenses professam o islamismo e cristianismo sem ter a ciência da sua
chegada no continente africano, particularmente em Guiné-Bissau. As duas
religiões surgiram no Oriente e se expandiram pelo mundo com intuito de
difundir seus ensinamentos e controlar os pensamentos.
No
contexto da difusão, a receptividade não foi cordial e harmoniosa por que nunca
existiu e não existirá a homogeneidade cultural e religiosa. Devido à
resistência, a imposição foi o caminho encontrado para o reconhecimento das
religiões expansionistas em África, entretanto, não foi da livre vontade a
aderência ao islão e cristianismo por parte dos nossos antepassados, portanto, estas
religiões usaram as diversas formas de violências para efetivação dos seus
preceitos e práticas, desta forma moldaram significativamente o modo de viver
em África – vê-se nos escritos do senegalês Cheikh
Anta Diop.
A
partir de uma boa conduta a religião seria paz, infelizmente, foi necessário
legitimar a “guerra santa” e “as cruzadas” como sinônimos de anunciação dos
evangelhos. Como uma guerra poderia ser santa? A partir de que pressupostos legais
a “santa inquisição” queimava pessoas na fogueira? Que Deus permitiu a
legitimação da escravidão em nome da religião? Assim sendo;
–
Me causa incomodo o silêncio do sagrado onipotente e onisciente perante as
ações desumanas legitimadas em seu nome no período escravocrata, e ainda na
contemporaneidade, segundo a lenda, o/a mesmo/a agiu nos tempos mais remotos
atribuindo o pecado. Imagina-se que tenha perdido a visão do mundo, nisso,
prefiro não acreditar na sua existência e cultuar as práticas espirituais dos
meus ancestrais.
Com
todas as atrocidades acometidas em nome do islão e cristianismo ainda no
pensamento do guineense o diabo se encontra nas espiritualidades africanas,
este é o lúcido pensamento de um alienado. Além do mais, a intolerância aparece
quando as críticas são proferidas ao islão e cristianismo.
Devido
a proliferação das ideias ilusórias da religião cristã e islâmica, ainda
guineenses veneram as tais religiões criadas e os falsos profetas como únicos
caminhos para a dita “salvação/glória”, por que, fatos maléficos das duas
religiões são desconhecidos por um número significativo de guineenses e
africanos de forma geral.
O
colonialismo fez e ainda, na sua estrutura neocolonial, nos faz demonizar as
nossas práticas culturais e espirituais, portanto, para se emancipar da
colonialidade do ser e do saber, dentro do contexto guineense, é preciso
abdicar do seguinte pensamento: mara
mecinho, bai iran, bai djambacus i kusas di diabu. Ademais, é fundamental
ter em mente que os poderes ancestrais que os muçulmanos e cristãos consideram
de diabo, contribuíram significativamente para obtenção da liberdade que tanto
desfrutam para declararem seguidores dessas religiões.
A
nível do Estado vê-se a ausência/silenciamento na resolução dos problemas que envolvem
a intolerância religiosa, senão demonização das práticas locais e os sagrados (ronia Iran, ianda cabaz, Djambacus, Baloba, etc). Perante os desafios da
intolerância religiosa em Guiné-Bissau, compreende-se o silenciamento do
Estado, pois, os governantes são reféns das religiões coloniais e cúmplices da
intolerância.
Por
fim é preciso ter mente que, a geração dos que tombaram pela nossa
independência tem sua continuidade na contemporaneidade, cujas ações visam a
continuidade da salvaguarda dos valores cívicos e morais das sociedades
africanas, de modo particular, Guiné-Bissau.
A
ascensão dessa classe não se tardará por vir.
Em suma, nos chamam de diabos num mundo em que os dignos matam em nome da religião.
Nkanande
Ka, mestrando em História Social na Universidade Federal do Ceará – Brasil.
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