terça-feira, 19 de março de 2024

Guiné-Bissau : “Se o Governo não reagir as greves vão continuar”

O Governo guineense reuniu-se nesta segunda-feira, 18 de Março, com a Frente Social, movimento que junta vários sindicatos dos sectores da saúde e da educação, que iniciou um movimento de greve de três dias para denunciar o “desinteresse do executivo” na resolução das reivindicações laborais, Em entrevista à RFI, Seni Djassi, porta-voz do movimento, explica que o Governo chegou ao encontro sem propostas e alerta que se não se encontrar uma solução, as greves vão manter-se no país.

RFI: Que balanço faz a Frente Social do encontro que manteve com o Governo guineense?

Infelizmente, o sindicato esperava que o Governo apresentasse uma proposta ao sindicato, mas essa proposta não foi apresentada. Nós entregamos o caderno reivindicativo no dia 5 de Fevereiro e não houve nenhuma comunicação, nenhum contacto. Mais tarde, entregamos o pré-aviso de greve, a 5 de Março, e tivemos o silêncio absoluto da parte do Governo.

Afirma que o governo não apresentou nenhuma proposta para retomar o diálogo. Mas qual é a justificação do Governo?

Nós, enquanto sindicato, temos pontos [que constam do caderno reivindicativo] e precisamos que o Governo apresente uma resposta.

Uma das vossas reivindicações é o pagamento de dez meses de salário em atraso aos professores e técnicos de saúde. Sobre esta questão, quais foram as respostas do Governo?

O Governo limitou-se a afirmar que estão a trabalhar para esse efeito. Dizemos que não, porque temos alguns técnicos de saúde e da educação que estão no terreno e estão há meses sem receber. Precisamos que o Governo indique o dia para efectivar o pagamento do salário dessas pessoas que estão a trabalhar sem nenhum tostão. Não houve nenhuma indicação exacta sobre o pagamento dos salários.

Como é que fazem os professores e estes técnicos de saúde que estão no terreno sem salários?

Desde 2019 que estamos a reivindicar o pagamento de subsídios. Recentemente foram contratados técnicos da área da saúde e da educação, é deles que estamos a discutir, e que estão há dois meses sem receber. Imagine uma pessoa numa zona tão longínqua da cidade, onde não têm família, não têm ninguém [sem salário]. 

Como é que a pessoa pode viver? 

Nesse caso, o Governo tem que indicar o dia do pagamento e ainda não o fez.

Outras questões integram o caderno reivindicativo. A efectivação de novos quadros contratados pelo Governo para os dois sectores, a adopção de um novo currículo escolar, bem como a melhoria de condições laborais. Sobre estas questões houve novidades da parte do executivo?

Não houve. Nesse caso, o ponto mais fácil de ser resolvido é o que diz respeito à efectivação. É só o visto do primeiro-ministro e, consequentemente, a publicação no boletim oficial. Porém, não fomos informados quando é que isso vai acontecer. E no que diz respeito à questão da actualização do currículo, há toda necessidade que isso aconteça. Na Guiné-Bissau temos conteúdo que remonta a 1984. Como é que vamos continuar a leccionar com conteúdos já ultrapassados? Em muitas escolas os professores não têm manuais, as aulas são dadas com folhas. É preciso que os alunos tenham manuais desde o primeiro até 12.ª ano.

Mas porque é que isso não acontece? Qual é a explicação do Governo?

É falta de boa fé, porque. Temos quadros e técnicos para o efeito que podem fazer isso e que não vai custar mais do que 2 mil euros. Podem fazer isso, por exemplo, na área da educação, os professores podem fazer uma comparação com o conteúdo ministrado no Senegal, nos países da sub-região e noutro parte do mundo, adequando-o à nossa realidade.

Os hospitais, as unidades hospitalares da Guiné-Bissau não têm condições para trabalhar, carecem de materiais. Imagine os centros hospitalares que não tem máquina de ecografia. Imagine no pleno século XXI, um país independente, há 50 anos, que não consegue ter o material necessário para tratar a população. Uma parte da população vai ao Senegal para se tratar.

O sector da saúde e o sector de educação são setores frágeis. Na Guiné-Bissau são recorrentes as greves. Qual é que é o impacto que esta greve está a ter nas escolas e nos hospitais?

Está a ter um impacto negativo, porque temos uma paralisação dos serviços nos hospitais e nas escolas. Quem vai arcar com isso é a própria população. Quem governa deve ter espírito de patriotismo, porque o que estamos a reivindicar é para o interesse do país.

Imagine exigir do Governo a afectação dos centros hospitalares com máquinas de ecografia. Até isso faz parte do programa da governação do programa eleitoral. E agora? Porque é que não podem colocar isso à disposição da população? É preciso que isso aconteça através da greve? Isso é de lamentar e condenável.

Quais é que vão ser as vossas próximas ações?

Ontem, depois do encontro frustrado, o Governo podia ter-nos dito quando é que nos voltaríamos a encontrar. Mas saímos de lá sem nenhuma data para um novo encontro e isso demonstra a falta de vontade do próprio Governo. Revela que está interessado que a greve continue no sector de educação e de saúde.

A greve vai manter-se até quando?

Até amanhã. É uma greve de três dias.

Se continuarem sem uma resposta do governo, o que é que vocês vão fazer?

Vamos continuar a reivindicar através da greve, porque é o único meio que a lei nos reserva. Isto porque o outro meio que a lei nos reserva, que é a manifestação e a vigília, foi-nos impedido depois do Ministério do Interior aprovar uma lei inconstitucional, colocando em causa esse direito.

Está a afirmar que não podem sair à rua para se manifestar e exigir os vossos direitos?

Não podemos porque há um despacho ilegal, inconstitucional, que foi aprovado pelo ministro do Interior, onde impediu as manifestações e as vigílias. Nesse caso, não podemos manifestar-nos nas ruas. Somos obrigados a recorrer à greve. Se esta greve terminar e não houver nenhuma reacção, vamos projectar uma outra vaga de greve.

Conosaba/rfi.fr/pt/

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