Um grupo de dirigentes do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) criticou a liderança de Domingos Simões Pereira que, de acordo com o grupo, levou o partido a somar derrotas e a perder tudo, desde a Presidência da República, o governo e a maioria na Assembleia Nacional Popular (ANP), por causa da sua agenda presidencialista.
A preocupação do grupo consta em carta aberta datada de 13 de janeiro do ano em curso endereçado ao presidente do partido, Domingos Simões Pereira, e que deu entrada na sede dos libertadores esta segunda-feira, 17 de janeiro de 2022. Na carta que o semanário O Democrata consultou, os cinco signatários: Artur Silva (antigo primeiro-ministro), Gilberto Charifo, deputado Houssein Farhat, ex-deputado Mário Dias Sami e jurista e antigo deputado Octávio Lopes.
Os subscritores informam que julgam ser oportuno dirigir-se ao presidente por meio de uma carta aberta para que as suas verdadeiras motivações e propósitos possam ser conhecidos pelos militantes, responsáveis e dirigentes do PAIGC, em particular, e o público em geral. Na carta recordam que Simões Pereira foi eleito líder do partido pela primeira vez no VIIIº Congresso Ordinário realizado na cidade de Cacheu em fevereiro de 2014, contudo, frisam que a sua vitória deveu-se à conjugação de um conjunto de fatores, a circunstância de 7 dos 9 candidatos terem desistido das respetivas candidaturas para o apoiar.
“A sua eleição ao cargo de presidente do partido no VIIIº congresso ordinário, por ter resultado de cedência dos demais candidatos e beneficiado de largo consenso das diferentes sensibilidades e correntes de opiniões então existentes no seio do partido, fez-nos acreditar que a sua liderança seria capaz de fazer uso dessa pluralidade e diversidade para maximizar os ganhos e conquistas eleitorais do partido. Infelizmente, sob a sua liderança, nas eleições legislativas de 2014, o partido perdeu 10 deputados, tendo caído de 67 para 57 mandatos na ANP, comparativamente às eleições de 2008”, lê-se na carta.
Os subscritores sublinham na carta que, apesar da perda significativa de representatividade popular, o partido decidiu reiterar a confiança ao seu líder e acompanhou a sua opção política de formar um executivo em coligação com o Partido da Renovação Social (PRS) e outros partidos minoritários, quando tinham condições para governar com uma maioria absoluta de 57 mandatos.
O grupo recorda que os dirigentes abdicaram de se apresentar à liderança no partido no IXº congresso ordinário de 2018, com o intuito de compensar o presidente do partido da injustiça de ter sido demitido do cargo do primeiro-ministro, bem como demostrar um sinal inequívoco de coesão e unidade na altura em torno da direção.
A carta informa que o líder do partido em resposta ao gesto dos dirigentes de partidos que decidiram abster-se de concorrer no congresso e deixando-o apresentar-se sozinho, assumiu um compromisso público perante militantes, responsáveis e dirigentes do partido que não se apresentaria a um terceiro mandato.
“Nas eleições legislativas de 2019, outra vez, o partido voltou a perder mais 10 deputados, caindo de 57 para 47 mandatos. O pior resultado eleitoral de toda a história democrática do partido em período de normalidade constitucional”, recordam os subscritores da carta, acrescentando que o líder do partido depois de seu nome ter sido recusado para o posto do primeiro-ministro pelo então chefe de Estado, José Mário Vaz, ao invés de indicar para o cargo o nome de um dos vice-presidentes, por ordem de precedência, optou por uma escolha da sua confiança pessoal, Aristides Gomes.
O grupo enfatiza que o partido ao endossar a candidatura de Domingos Simões Pereira à Presidência da República, tinha perfeita consciência que a mesma, para além de violar os Estatutos do partido, constituía também ameaça e risco sério para a continuidade do governo do PAIGC caso fosse derrotado. Os dirigentes frisam que o partido, mesmo sabendo destes riscos, julgou justo assumir e correr esse risco como forma de compensar o seu presidente pelo fato de seu nome ter sido recusado para o cargo de primeiro-ministro.
“De entre os candidatos que perfilaram nas primárias internas para as presidências, o partido escolheu o melhor, mas não se preparou para o pior. A circunstância do presidente ter sido declarado derrotado pelos órgãos competentes (CNE e STJ) em eleições consideradas livres, justas e transparentes pela comunidade internacional, organizado pelo governo do PAIGC, chefiado por um primeiro-ministro pessoalmente designado por si, teve entre outras as seguintes consequências: o partido perdeu a Presidência da República, o governo e a maioria na Assembleia Nacional Popular”, criticam os subscritores, que afirmam que hoje o PAIGC que se apresenta como maior partido na Guiné-Bissau foi “reduzido ao estatuto de maior partido da oposição com apenas 47 dos outrora 67 deputados”.
O grupo considera preocupante a perda constante e progressiva da representatividade do partido junto da população, em particular da sua base tradicional de apoio, por isso enfatiza que há uma necessidade de resgatar e repor o partido de massa no seu espaço ideológico natural, junto do povo, ou seja, devolver o partido às suas bases e aos seus militantes.
“A esta preocupação, acrescem as tentativas latentes da direção liderada pelo presidente de restringir, constranger e suprimir o núcleo central da democracia (interna) que se consubstancia na pluralidade de candidaturas, o direito de eleger e ser eleito, bem como o voto livre e secreto, substituindo-os por uma interpretação “sui generis” de “lista única solidária”, a ser apresentada pela direção, sem possibilidade de concorrência e votação pública, ou seja, braço no ar”, denuncia o grupo.
O grupo assegura que a moção estratégia global que irá apresentar a intenção de Xº Congresso Ordinário não é contra o presidente ou a sua direção, mas frisa que “é antes pelo contrário, uma agenda a favor do partido que irá incorporar uma estratégia que permita reconquistar as posições políticas e instituições que o partido perdeu nos últimos oito anos”.
Perante o cenário difícil, o grupo disse acreditar que o partido tem condições, competências e experiência institucional para dar resposta e inverter a posição de menoridade política para que foi relegado. Os dirigentes signatários da carta alertam que o partido deve protagonizar uma solução governativa, liderada pelo PAIGC, em conformidade com os resultados das eleições legislativas de 2019.
“Um primeiro passo urgente e necessário nesse sentido é o abandono da agenda presidencial e canalização dos esforços políticos do partido para o seu objetivo estatutário e programático, a governação. Para tal, basta que tenhamos a humildade política para compreender e aceitar que os interesses comuns devem prevalecer sobre as agendas pessoais de todos os militantes, independentemente das funções que exercem no partido”, refere o grupo, que também reconheceu a dinâmica e contribuições que considera “positivas” que marcaram dois mandatos de Domingos Simões Pereira à frente dos libertadores.
Frisa que Simões Pereira elevou o nível de participação cívica, atraiu o interesse da diáspora pelas causas nacionais, bem como contribuiu para a valorização da cidadania durante as eleições presidenciais de 2019.
Por: Assana Sambú
Conosaba/odemocratagb
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