O ministro do Mar de Cabo Verde, Paulo Lima Veiga, afirmou que Cabo Verde não é solução para as dificuldades de várias ordens que a Guiné-Bissau enfrenta, mas “ajuda a encurtar o caminho e explicar todas as dificuldades que tivemos”. Acrescentou que Cabo Verde está numa fase de substituição da frota de barcos que tem e que é quase nova, mas que não é adequada às suas águas, por ter um mar aberto e que pode trabalhar muito bem nas águas da Guiné-Bissau e ajudar na ligação entre a capital Bissau e as ilhas dos Bijagós.
“Na Guiné-Bissau, o mar é mais calmo. Embora de quando em vez haja alguma tempestade, o que é muito raro. Quando questionamos os fabricantes se os navios eram adequados às ilhas da Guiné-Bissau, responderam que sim, que eram barcos adequados, porque têm pouco calado e de até um metro e meio”, assegurou o ministro cabo-verdiano do Mar, durante uma entrevista exclusiva ao jornal O Democrata, no âmbito da sua vista de 48 horas à Guiné-Bissau, para analisar o acordo assinado com o governo guineense no domínio de transporte marítimo.
Paulo Lima Veiga defendeu também que a Guiné-Bissau e Cabo Verde podem aproveitar a oportunidade que agora têm para juntos e de mãos dadas, se afirmarem na Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Anunciou que, para além do setor marítimo, Cabo Verde tem um leque de áreas em que vai estabelecer cooperação com a Guiné-Bissau, nomeadamente, pescas e turismo.
O Democrata (OD): A Guiné-Bissau e Cabo Verde assinaram um acordo de cooperação no domínio de transporte marítimo. Estamos a falar de que tipo de acordo e resultou de quê?
Paulo Lima Veiga (PLV): No âmbito da visita do Presidente da República Da Guiné-Bissau a Cabo Verde, Umaro Sissoco Embaló, que esteve na ilha de São Vicente com o nosso presidente, tive a oportunidade de convidá-lo para visitar as infraestruturas, os navios e tudo que estávamos a desenvolver. No final da visita gostou do que viu e pediu que estabelecêssemos uma parceria para desenvolver os dois países oceânicos.
É verdade que a Guiné-Bissau tem muito mais terra, a sua parte continental, do que Cabo Verde, mas também é um dos países com maior Zona Económica Exclusiva (ZEE), por ter as ilhas. Estamos na década dos oceanos e temos que saber não só protegê-los como também explorá-los em benefício das nossas populações. Na sequência dessa visita, a resposta do nosso presidente foi automática, dizendo que teríamos toda a abertura e o nosso primeiro-ministro também. E lá está, depois de abrirmos a embaixada na Guiné-Bissau, temos que materializar as políticas e as questões fundamentais. Começamos com esta ideia de contribuir e trazer a nossa capacidade para a Guiné, melhorando as ligações entre as ilhas, o que é uma realidade que nós temos também.
Tivemos muitas dificuldades para ligar as nossas ilhas desde a independência. Só agora estamos a ter um novo sistema de ligação interilhas que tem as frequências, segurança e a viabilidade para permitir às pessoas programarem as suas vidas e os empresários poderem programar as suas trocas comerciais. Foi nesta ótica que vimos que tínhamos as mesmas dificuldades e os mesmos desafios, embora estejamos um passo à frente e que poderíamos partilhar essa experiência com o governo e o povo guineenses para procurar a melhor solução.
OD: Isto diz alguma coisa, por exemplo que Cabo Verde seja a solução para a Guiné-Bissau?
PLV: Não quer dizer que Cabo Verde seja a solução para a Guiné, mas ajuda a encurtar o caminho e a explicar todas as dificuldades que teve. Desde então temos falado com o ministro dos transportes e chegamos à conclusão que era realmente necessário fazer uma visita técnica com as instituições de Cabo Verde à Guiné-Bissau, para constatar a realidade e ver como é que podemos resolver isto. E calha que Cabo Verde está numa fase de substituição da frota que tem. Temos uma frota quase nova, mas que não é adequada às nossas águas, por termos um mar aberto.
Em Cabo Verde, os navios para o transporte de passageiros e cargas têm que ser navios para enfrentar vagas de três a quatro metros. Na Guiné-Bissau, o mar é mais calmo. Embora de quando em vez haja alguma tempestade, é muito raro. Quando questionamos os fabricantes se os navios eram adequados às ilhas da Guiné-Bissau disseram sim que eram barcos adequados, porque têm pouco calado e até porque vão até um metro e meio do calado.
E aqui, como a maré flutua muito, este tipo de embarcação permite que seja navegável sempre sem risco de estar a encalhar em bancas de areia ou de não conseguir operar quando a maré está baixa. Mas isto criou hoje outro desafio, pois o navio que temos é do tipo “rolo rolo”, que as mercadorias são rodadas. As mercadorias vão em viaturas e saem em viaturas. Aqui as infraestruturas portuárias estão suspensas em pilares, por exemplo, em Bubaque vimos que a maré varia quase cinco metros. Então temos que arranjar uma infraestrutura móvel para permitir que a rampa acompanhe a maré.
Os nossos técnicos estão a analisar neste momento qual a melhor solução, quanto tempo levará para adaptar as infraestruturas. Os barcos pertencem, a cem por cento, a uma empresa pública que pode vir cá, inicialmente, explorar as ligações e quem sabe, no futuro, isso poderá passar depois para os empresários ou armadores guineenses, mas inicialmente esse é o objetivo e é nisso que estamos a trabalhar.
OD: Em relação à visita, a que conclusão as partes chegaram?
PLV: Em relação à visita, chegamos à conclusão de que temos um leque muito maior de áreas em que poderemos ser parceiros. As nossas instituições vão assinar acordos entre elas, acordos de partilha de experiência. Vamos criar uma comissão mista para, pelo menos uma vez por ano, nos encontrarmos e discutir questões do setor portuário e marítimo, isto com o ministro do Turismo.
Eu regressarei à Guiné-Bissau para ter uma reunião com o ministro das Pescas, porque temos uma parceria para fazer, sobretudo a nível internacional. As pescas é um setor que terá vários desafios na perspetiva de um futuro muito próximo. O mundo inteiro está preocupado com a diminuição da quantidade de peixe disponível para as nossas populações.
Oitenta por cento da população mundial vive essencialmente da proteína animal vinda das pescas. Isso põe em risco o sistema alimentar no mundo inteiro. Nós, ilhas e países costeiros essencialmente em África, temos que ser capazes de proteger os nossos mares e controlar os recursos que dele são retirados. Esta forte demanda do pescado tem favorecido muita pesca ilegal e não controlada, tanto pelos nossos pescadores quanto por pescadores internacionais.
Temos que criar mecanismos e sistemas de fiscalização capazes de controlar e conter isto, porque seremos os primeiros a sofrer os efeitos, se o peixe desaparecer. Serão as ilhas dos Bijagós, Cabo Verde, São Tomé… Tudo começa aí e depois vem para o continente, que para além do peixe tem ainda outras fontes de alimentação. Portanto, é uma questão essencialmente dos países costeiros, ribeirinhos e ilhas que nós temos que discutir em uníssono, a nível internacional, com as Nações Unidas, a União Europeia e o mundo inteiro. E acho que é algo que nós, falando sempre em uníssono, poderemos liderar essa defesa em África, porque somos os primeiros a serem afetados se as coisas correrem mal.
OD: Que benefícios esse acordo pode trazer para os dois países, já que a Guiné-Bissau apresenta vários desafios nesse setor?
PLV: O setor marítimo é um desafio para qualquer país. Os mares, os rios e os caudais de água criam desafios enormes e diferentes. Como eu estava a dizer, Cabo Verde tem mar aberto e a Guiné tem mar mais calmo, mas quando tem uma tempestade as coisas variam. Nós temos uma experiência de estar sempre com o mar agitado que poderemos trazer para a Guiné. Podemos aprender também daqui, sobretudo como proteger as nossas baías e fazer com que elas, vendo um modelo e a geografia que existem cá, sejam mais protegidas.
É uma parceria em que todos ganhamos. Cabo Verde não está aqui para ensinar nada a ninguém. Trazemos a nossa experiência para melhorar o setor, sendo que daqui também aprendemos como melhorar o nosso setor em Cabo Verde.
OD: A Guiné-Bissau apresenta desafios em termos das infraestruturas portuárias. Cabo Verde já tem um plano para ajudar a Guiné-Bissau a superar esses desafios?
PLV: Sim. Estivemos a falar com o ministro dos transportes e Comunicações. Por exemplo, esta questão dos transportes, vamos enfrentá-la em duas fases: uma primeira fase que é tentar melhorar as ligações entre as ilhas, permitir mais e garantir que as populações possam circular facilmente e depois, numa segunda fase, vamos trabalhar num plano geral de infraestruturas portuárias, que será alargado aos setores de saúde e do turismo, mas tem que ser um trabalho conjunto e bem planeado. Nós, antes da pandemia já recebíamos quase um milhão de turistas.
Tivemos que desenvolver o setor aéreo e marítimo, nas ilhas do Sal e da Boavista. Já sabemos da boa experiência e má experiência. Isto foi um aprendizado e nós podemos exportar esse aprendizado para a Guiné. Podemos ajudar a planear e a programar o crescimento para que tenha menos impacto negativo nas ilhas e nas regiões.
OD: O que é que o ministro recebeu em termos das garantias do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, em relação a cooperação que se faz agora entre o Cabo Verde e a Guiné-Bissau?
PLV: O Presidente é o promotor desta relação. Está muito empenhado para que isto resulte. Ainda ontem, estava a dizer que, assim que tivermos o plano da infraestruturação para contarmos com o seu empenho pessoal em conseguir os financiamentos para fazer este investimento.
OD: Os trabalhos técnicos entre os dois países já estão concluídos…
PLV: Ainda estão a decorrer. Neste momento os técnicos estão a visitar as rampas no porto de alto Bandim, também vão visitar mais uma ilha. Este encontro dos técnicos não tem como objetivo finalizar tudo hoje, mas vão continuar a discutir as melhores soluções para que no mais curto espaço do tempo seja resolvida. A Guiné vai decidir as prioridades, é claro que não se vai fazer todas as infraestruturas ao mesmo tempo, mas vai se escolher duas ou três ilhas e o porto de Bissau para se instalar as infraestruturas.
OD: O porto de Catio faz parte do plano?
PLV: O ministro dos transportes falou-nos deste porto no sul da Guiné. Isso já é uma decisão do governo guineense de estabelecer as prioridades, porque era para ter uma ligação para o sul e uma ligação para o norte.
OD: O plano de estabelecer uma ligação entre o Cabo Verde e a Guiné-Bissau é viável, em termos de rendimento económico?
PLV: Acredito que sim. Acho que a potencialidade está lá e nós, enquanto governo temos que garantir a segurança jurídica e política para que os empresários ou os armadores possam fazer essa ligação. Temos dois povos que vivem muito do comércio, portanto havendo uma ligação com uma frequência certa e com garantia de segurança, eu não tenho dúvidas que as cabo-verdianas vão estar aqui para vir buscar produtos que vocês têm em abundância.
Há produtos que nós trazemos dos Estados Unidos e que podemos vir buscar aqui na Guiné facilmente e ficaria muito mais económico. A nível da indústria, nós em Cabo Verde, por exemplo, temos a fábrica de Coca-Cola com capacidade de produzir para exportar, mas não exporta, porque não há ligação marítima. Essa ligação marítima que se perspetiva agora pode permitir a exportação de Coca-Cola.
Temos aqui uma potencialidade para fazer intercâmbio. Nós, através de acordos especiais que temos com os Estados Unidos e com a União Europeia, temos a política de criar uma zona econômica especial em Cabo Verde, para a transformação dos produtos para exportar para a União Europeia e para os Estados Unidos. O acordo especial que temos permitiria que esses produtos entrassem nesses mercados com uma taxa fiscal muito baixa.
Se nós não nos ligarmos a Guiné ou ao continente não teremos matéria-prima e não conseguiremos transformar nada. Portanto, existe uma oportunidade ai para ser explorada.
OD: Como será executada a componente formação prevista no acordo?
PLV: Nós em Cabo Verde, a formação profissional é um setor em que avançamos muito. Temos uma escola de hotelaria, uma escola do mar e um instituto de formação e emprego. A ideia é levar alguns formadores guineenses e treiná-los em Cabo Verde para poderem depois instalar aqui a formação, porque a formação profissional tem que ser um misto de apreender no trabalho e com um mínimo de custo de deslocação.
Em Cabo Verde a formação profissional estava centralizada em duas ilhas, designadamente, São Vicente e Santiago. O que nós fizemos é o exatamente o queremos fazer com a Guiné. Formar pessoas localmente, por exemplo, o pescador que está na Brava não tem tempo de sair para vir a formação de dois meses em São Vicente. Essa é a experiência que queremos trazer aqui e sermos capaz de formar as pessoas onde é necessário.
OD: Cabo Verde para além da cooperação na área de transportes marítimo, quer ainda cooperar com a Guiné-Bissau nos setores do turismo e nas pescas. Há um plano de cooperação a curto prazo…
PLV: O plano é a longo prazo, mas a cooperação queremos que inicie quanto antes nestas e noutras áreas. Pensamos que há aqui um potencial muito grande. Recebi em Cabo Verde, o Presidente Embaló e o ministro do Turismo, no centro da oceanografia de Cabo Verde. Nós precisamos conhecer os nossos mares e conhecer os nossos recursos.
A investigação é uma área sobre a qual não falamos muito ainda a nível do nosso continente, mas é um caminho para seguir. Porque sem o conhecimento, temos sempre dificuldades de explorar muitas coisas…nós já estamos avançados neste sentido e estamos a ver como fazer investigação.
Só para terem uma noção, só cinco por cento dos oceanos são conhecidos. E é tudo ao norte e ao sul, há muito pouca investigação e a investigação que é feita ao sul na sua maioria é feita pelos países do Norte. Para podermos desenvolver, para podermos acompanhar a evolução do mundo, as tecnologias e as biotecnologias, temos que ter primeiro o nosso pessoal formado na área, mas ter capacidade também de investigar.
Provavelmente somos os que mais recursos temos. Isto é provado através de peixe, portanto há outros recursos que nós desconhecemos e que precisamos investigar e conhecer e saber tirar proveito para a melhoria das condições das nossas populações.
OD: Guiné-Bissau e Cabo Verde podem reunir para concorrer a fundos da CEDEAO para investigação na área de oceanografia…
PLV: Sim o Cabo Verde e a Guiné-Bissau podem concorrer de braços dados aos fundos de investigação na CEDEAO e também para ter dimensão e voz. Juntos somos mais fortes, como sempre defende o nosso primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva.
Por: Filomeno Sambú/Assana Sambú e António Nhaga
Conosaba/odemocratagb
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