segunda-feira, 9 de março de 2015

UNIÃO EUROPEIA ERROU NA REFORMA MILITAR NA GUINÉ-BISSAU - LUÍS BERNARDINO




Luís Manuel Brás Bernardino é Tenente-Coronel de Infantaria do Exército Português, Doutorado em Relações Internacionais, investigador e membro de direção da Revista Militar. Tem vários livros publicados sobre os PALOP, com enfoque nos setores da defesa e segurança.

Na atualidade, qual o papel desempenhado por Portugal na manutenção da paz e resolução de conflitos nos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa)? 
Portugal tem um papel muito importante na reforma dos setores da defesa e da segurança. Bilateralmente, Portugal tem projetos de cooperação técnico-militar com todos os países de língua portuguesa, que duram praticamente desde os Processos de Independência. Através das suas Forças Armadas, participa ativamente na reforma dos setores da segurança e da defesa, apoiando os Ministérios da Defesa Nacional, a estrutura de comando das Forças Armadas, as próprias Forças Armadas, nomeadamente em termos legislativos, organizativo e de apoio à formação. Multilateralmente, Portugal participa através da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) no apoio à formação das Forças Armadas e na área de cooperação do protocolo de defesa, mediante a realização de exercícios, de fóruns de concertação… Também participa através de outros organismos em África, na prevenção e resolução de conflitos, como a União Europeia, Nações Unidas e NATO.

E no caso da CPLP, qual a capacidade de intervenção da organização em termos militares? 
A CPLP tem uma ação direta na prevenção de conflitos. Possui mecanismos de intervenção ao nível da prevenção, mediação e observação eleitoral… Mas ao nível da gestão, peacekeeping, peaceenforcement, quando é necessário ter uma força constituída para intervir diretamente num conflito, a CPLP não tem essa capacidade e, possivelmente, não a terá a curto prazo. Para ter essa capacidade implica possuir um mecanismo que por exemplo, a NATO já tem: nomeadamente uma força mais estruturada, melhor dimensionada, treinada, interoperável, interoperacional e com meios militares adequados. 

Em diversos países africanos é comum o envolvimento de militares em questões políticas, incluindo nos PALOP. Até que ponto esta situação é benéfica em matéria de defesa e segurança? 
No contexto africano, as Forças Armadas sempre participaram nos processos políticos. As independências aconteceram à volta do ideal político, social e religioso, mas envolvem quase sempre as Forças Armadas. Estas fazem parte da dinâmica libertadora, de independência destes países, são instituições que se confundem com o próprio Estado, como o poder e capacidade para influenciar e decidir. É natural que estas pessoas que em determinados momentos assumiram estes dois papéis – guerrilheiros/comandantes e líderes políticos – tenham um papel importante. Penso que estamos a assistir a um período de transição, ao nascimento de uma nova classe politica, que ainda tem associada uma forte componente militar. As Forças Armadas tenderão a ter o seu lugar dentro de um Estado democrático e os políticos a assumir os seus papéis dentro de um Estado de direito/político. Mas penso que ainda vai levar algum tempo, umas décadas. 

Falando em Estado democrático, este ano realizaram-se na Guiné-Bissau as primeiras eleições desde o golpe de Estado de 2012. O país encontra-se no bom caminho para o alcance da paz e segurança? 
Penso que sim. Estas eleições na Guiné-Bissau foram consideradas democráticas pelos observadores. Neste momento, existe condições para o caminho da normalização democrática. Penso que o meu acro amigo, engº Domingos Simões Pereira (primeiro-ministro) é a pessoa ideal para levar este caminho a bom porto. O que tem falhado na Guiné-Bissau é a forma como se tem tratado com as chefias militares. Não se pode fazer aquilo que a União Europeia quis fazer com a reforma do setor da segurança na Guiné-Bissau: tomem lá umas verbas e vocês (militares) afastam-se. Não se pode fazer uma reforma do setor da segurança da forma como estava a ser feita. Neste momento, existem condições para criar esta estabilidade; primeiro internamente, que é o que está a acontecer, e depois no âmbito dos apoios externos. A Guiné-Bissau precisa de ajuda externa, de uma normalização democrática dos processos a nível interno e de uma reforma do setor da segurança mais inclusiva. Mas isto levará o seu tempo. 

No presente existe o risco de um novo golpe? 
O risco existe sempre... As Forças Armadas estão em processo de reajustamento, a sociedade também, não só etnicamente como politicamente. A Guiné-Bissau é um país dividido étnica e politicamente. Mas quanto menos apoios tiver reunidos, quanto menos envolvimento da Comunidade Internacional, mais possibilidade de voltar ao passado recente…esperemos que não…

Também Moçambique foi a votos este ano. Os resultados preliminares das eleições de há duas semanas apontam para a vitória da Frelimo. Existem ameaças de um novo conflito apesar do acordo de paz alcançado entre a Renamo e o Governo? 
A ameaça existe. A comunidade internacional também considerou o processo eleitoral correto democraticamente, embora com algumas falhas, mas sem interferência direta no resultado final. Já se sabia que a FRELIMO (no poder) iria ganhar. A RENAMO (oposição) evoluiu. Existe uma aproximação maior entre as duas forças políticas. Com o apoio da comunidade internacional, há condições para que o processo possa evoluir positivamente. A vantagem que existe neste caso é que já há uma aprendizagem, a própria população não quer voltar a ter problemas de conflitos. O quadro geopolítico agora é diferente, está associado a um conjunto de interesses, de dinâmicas de evolução regionais, com um conjunto de atores regionais que não têm interesse que o conflito surja. Neste momento, ninguém quer uma guerra em Moçambique.

E essa situação está relacionada com os recursos naturais? 
Está relacionada essencialmente com essa questão dos recursos. Moçambique precisa de estabilidade para garantir um maior investimento nas áreas do petróleo, gás natural. No quadro regional, africano e global ninguém está interessado que haja conflito em Moçambique. Com o enquadramento geopolítico que está criado, existem condições para que esta paz se mantenha, que os acordos de cessar-fogo possam ser uma realidade e que surja um Exército único que junte a FRELIMO e a RENAMO e sirva o Estado. 

Angola foi eleita membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esta situação reflete a ânsia do país em ganhar cada vez mais destaque na promoção da paz e na resolução de conflitos no continente africano? 
Sim. Angola é uma potência regional em ascensão. Encontra-se num processo de desenvolvimento económico, político e social muito grande no contexto regional africano. A sua intervenção quer na República Democrática do Congo ou na República Centro Africana, o seu papel na União Africana, têm já esta aspiração a sair das suas fronteiras limítrofes e a entrar numa área regional e continental, de uma diplomacia já ativa. Contudo, Angola nunca participou numa missão das Nações Unidas. Mas tenho quase a certeza de que isso vai acontecer em breve, porque o país deu este salto. Quando Angola agora se candidatou, já o ano passado tinha estado na presidência do Conselho de Paz e Segurança da União Africana. Portanto, conseguiu nessa área dinamizar apoios para esta participação. 

A guerra civil em Angola terminou há doze anos. No presente, ainda existem ameaças de conflitos em determinadas zonas do país, nomeadamente em Cabinda? 
Cabinda é um enclave que Angola pretende manter a todo o custo. Para isso, tem uma política muito concreta, uma ligação muito forte em termos de presença política e de presença militar. Neste momento, os militares das FLEC-FAC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda-Forças Armadas de Cabinda) também já estão a integrar aquilo que são as Forças Armadas de Angola. Mas no momento em que Angola sair, outros países vão ocupá-la. Cabinda nunca será um país independente ou uma província independente. Na minha opinião, o que tendencialmente vai acontecer é uma região autónoma, ou seja, ligada a Angola mas com uma maior autonomia em termos de gestão financeira, apoio social, daquilo que são as Forças Armadas. Uma percentagem muito grande do petróleo de Angola vem de Cabinda e a possessão daquele terreno é estratégico para Angola. Portanto, Angola vai fazer de tudo para o manter. 

No que respeita a Cabo Verde, pode-se considerar um exemplo em termos de segurança, comparando com os restantes países africanos de língua oficial portuguesa? 
É um exemplo para tudo em termos de desenvolvimento e de segurança. Fez o seu caminho num processo democrático, apostou no desenvolvimento dos seus recursos humanos, nas alianças, tirando partido do seu posicionamento geoestratégico. Tem parceiros muito importantes, como os Estados Unidos, Espanha, Nigéria, Brasil, Portugal, tirando proveito destas parcerias de uma forma muito inteligente. As Forças Armadas também contribuem muito fortemente para a segurança do arquipélago, dentro dos seus recursos. As Forças Armadas de Cabo Verde são já uma referência no quadro regional Africano.

Entrevista e Fotografia por Magda Pimentel, no âmbito da unidade curricular Reportagem, Entrevista e Investigação em Rede da Pós-Graduação em Jornalismo em Língua Portuguesa do ISCTE-IUL/Agência Lusa (Janeiro 2015)

africamonitor.net

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