O advogado Luís Vaz Martins, antigo presidente da Liga Guineense de Direitos Humanos NUNO FERREIRA SANTOS
Jornalista, António Rodrigues
O antigo líder da Liga Guineense dos Direitos Humanos escapou a um ataque contra a sua viatura em pleno dia em Bissau. Luís Vaz Martins tinha acusado o Presidente, Umaro Sissoco Embaló, de criar instabilidade no país com a sua “ignorância”.
O advogado guineense Luís Vaz Martins, conhecido defensor dos direitos humanos, foi vítima de um ataque em Bissau quando seguia na sua viatura no regresso a casa, depois dos seus habituais comentários políticos e jurídicos de sábado na Rádio Capital.
Um carro de vidros fumados tentou forçá-lo a sair da estrada, abalroando-o por três vezes, conta, em conversa telefónica com o PÚBLICO.
Quando o automóvel do advogado ficou imobilizado com um pneu furado (“poderá ter sido algum tiro que deram no pneu, vou pedir à Polícia Judiciária que faça a peritagem”), um indivíduo saiu do carro e dirigiu-se a ele em tom ameaçador e não fosse o facto de Luís Vaz Martins estar já perto de sua casa e as pessoas o conhecerem bem, tendo várias se aproximado da cena, e o incidente poderia ter tido consequências mais graves.
O advogado fala mesmo em “tentativa de assassinato”.
O antigo presidente da Liga Guineense de Direitos Humanos não reconheceu o homem que o ameaçou e não chegou a ver os outros que seguiam dentro do carro por causa dos vidros fumados do veículo.
“Nunca na vida tinha visto essa pessoa”, diz sobre o homem que saiu do carro e avançou contra ele, mas, garante, que se se “cruzar” com ela outra vez, “com certeza” que a vai reconhecer.
Luís Vaz Martins garante que nunca tinha recebido ameaças ou, pelo menos, “não propriamente”, apenas ouvira pessoas ligadas ao regime, sobretudo, ao Presidente Umaro Sissoco Embaló, a chamarem-lhe a atenção ou algumas pessoas “mais mal-educadas” fazendo
comentários nas redes sociais.
“Eu tinha recebido algum alerta de pessoas ligadas ao regime, minhas amigas, que não estão de acordo com os métodos, e que me chamaram a atenção para ter todo o cuidado, mas telefonemas anónimos ou propriamente ameaças, não”, explica.
A “ignorância” do Presidente
No entanto, o advogado estabelece uma relação de causa e efeito entre aquilo que havia dito numa entrevista à Deutsche Welle e o que lhe aconteceu. “Eu fiz um comentário sobre a interferência do Umaro Sissoco Embaló nas questões religiosas e na vida dos partidos políticos, quando disse que não podia permitir a anarquia dentro dos partidos, sobretudo dentro do Madem [um dos que o apoia], e
que o profeta Maomé teria sido expulso por polícias quando tentou entrar em Meca.”
Para Luís Vaz Martins, tal como disse na entrevista, “é a ignorância de Umaro Sissoco Embaló que faz criar situações de instabilidade e o eventual insucesso dele será fruto dessa sua ignorância”.
E na rádio voltou a insistir neste argumento, referindo o desconhecimento
que o Presidente tem “das regras constitucionais” e “a sua propensão para o autoritarismo”.
“Eu obviamente sabia que haveria alguma reacção, não esperava é que fosse uma tentativa de assassinato”, afirma o defensor dos direitos humanos, que diz que a situação de insegurança se agravou “com a crise dentro da aliança” que apoia o Governo, com muitos
dentro do Madem-G15 a sentirem-se discriminados por não terem cargos no executivo e a pressionarem a direcção a retirar o seu apoio.
“Cada vez que ele se apercebe que pode perder o controlo”, a situação fica “mais complicada” para as pessoas que são “críticas do regime”, afirma o advogado, referindo-se com esse “ele” ao Presidente da Guiné-Bissau.
“A perseguição aos que têm posições contrárias ao regime está pior. Antes, a abordagem era o rapto e o espancamento, aquilo que eu vivenciei no sábado não era isso, a ideia era provocar um acidente”, refere Vaz Martins, e aí duas coisas podem acontecer “ou a pessoa
sai ferida ou a pessoa morre”.
E não sendo o primeiro a dizê-lo, nem a reitera-lo, o advogado considera que “é óbvio” que a democracia da Guiné-Bissau está em perigo.
À medida que “Umaro Sissoco Embaló vai consolidando o poder”, as instituições democráticas ficam mais frágeis, porque o Presidente estende o seu “controlo a todas as instituições”.
“O poder judicial praticamente claudicou. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da Magistratura Judicial
[Mamadú Saido Baldé que substituiu Paulo Sanhá no final de Maio] é uma pessoa muito próxima de Umaro Sissoco Embaló. Com o controlo do judiciário e dos outros poderes, a democracia está em risco”, conclui o advogado.
Clima de terror na Guiné-Bissau
Para a Casa dos Direitos, organização da sociedade civil, “estes actos de violência e intimidação são indamissíveis num Estado de direito
democrático”, bem como “contrários às leis e normas constitucionais” que “protegem e garantem a segurança e integridade física dos
cidadãos da Guiné-Bissau”.
Reagindo em comunicado ao ataque contra Luís Vaz Martins, o mais recente numa “sequência de acontecimentos violentos” que se têm vindo a suceder “ao longo deste ano”, a organização manifesta “a sua firme condenação e repúdio por estes actos lesivos dos direitos e
garantias dos guineenses” e “exorta as instituições do Estado da Guiné-Bissau a cumprir com a sua obrigação constitucional de garantir a protecção e segurança de todos os cidadãos”.
A Casa dos Direitos também “responsabiliza o Estado perante a impunidade” e pede às insituições internacionais, nomeadamente as Nações Unidas, a União Europeia, a União Africana e a Comunidade Económica de Desenvolvimento da África Ocidental (CEDEAO), que pressionem o Estado guineense a cumprir “as suas obrigações” face aos “recorrentes actos de violações dos direitos humanos e o clima de terror reinante na Guiné-Bissau”.
publico.pt/
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