Arranca julgamento em que filho de Guebuza é arguido
O Tribunal Judicial da Cidade de Maputo inicia hoje o julgamento de 19 arguidos acusados de envolvimento no caso das "dívidas ocultas", um esquema que envolveu altas figuras do Estado moçambicano, bancos internacionais e estaleiros navais. Entre os 19 arguidos na barra do tribunal, está Armando Ndambi Guebuza, filho mais velho do antigo presidente Armando Guebuza, a antiga secretária particular do ex-presidente Inês Moiane e o seu antigo conselheiro político Renato Matusse.
As audiências de julgamento vão decorrer numa tenda da cadeia de máxima segurança da Machava, na província de Maputo, devido à necessidade de maior espaço, ao melindre do caso e às cautelas com a segurança dos intervenientes do processo. Pela competência territorial do caso, as audiências deviam decorrer numa das salas das instalações do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, situadas na baixa da capital.
Na quarta-feira última, João Beirão, vice-presidente do Tribunal Supremo (TS) de Moçambique, disse esperar que haja "maior isenção possível" no julgamento do processo das "dívidas ocultas". "Naturalmente, como devem saber, o juiz julga de acordo com a lei e a sua consciência. Nós esperamos que este julgamento ocorra com maior isenção possível, como tem acontecido com outros processos", disse João Beirão.
O julgamento do processo das chamadas "dívidas ocultas", o maior processo judicial sobre corrupção na história de Moçambique, devia ter 70 testemunhas e 69 declarantes. Mas na sexta-feira, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo indeferiu o requerimento de 35 testemunhas, incluindo o Presidente da República moçambicano, submetida por advogados de defesa, por "não respeitar preceitos legais".
"[Os advogados da causa] têm feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o processo", refere-se num despacho de 16 de agosto, citado pelo diário Notícias.
Entre as testemunhas arroladas no requerimento pelos advogados, entretanto indeferidas, constam o presidente moçambicano, Filipe Nyusi, o primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, a ministra da Justiça moçambicana, Helena Kida, e o ministro da Agricultura, Celso Correia.
Além de Armando Ndambi Guebuza, de Inês Moiane e Renato Matusse, são também arguidos o antigo diretor-geral do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), a "secreta" moçambicana, Gregório Leão, e o antigo diretor da inteligência económica da instituição António Carlos do Rosário.
As "dívidas ocultas" estão relacionadas com empréstimos no valor de 2,2 mil milhões de dólares. Estes foram secretamente avalizados pelo governo da Frelimo, liderado por Armando Guebuza.
© AFP
Doze dos 19 arguidos estão em liberdade provisória, enquanto sete aguardam o julgamento em prisão preventiva.
Processos também nos EUA e em Inglaterra
As "dívidas ocultas" estão relacionadas com empréstimos no valor de 2,2 mil milhões de dólares (cerca de dois mil milhões de euros), contraídos entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM. Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo governo da Frelimo, liderado por Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
Além do processo principal, a justiça moçambicana abriu um processo autónomo em que várias outras pessoas são suspeitas de participação no esquema, incluindo o antigo ministro das Finanças Manuel Chang, antigos administradores do Banco de Moçambique, e antigos executivos do Credit Suisse, instituição bancária que viabilizou os empréstimos.
Manuel Chang está detido na África do Sul, há mais de dois anos e meio, a pedido dos EUA.
Sobre o caso foram também abertos processos judiciais nos Estados Unidos e em Inglaterra.
Cobertura independente e devolução de bens
O bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique pediu aos órgãos de comunicação social para cobrirem o processo das "dívidas ocultas" com independência, evitando serem usados como "pedra de arremesso extrajudicial" e o "linchamento público" de arguidos. "A ordem apela aos órgãos de comunicação social para uma cobertura transparente e independente de todas as incidências do processo", declarou Duarte Casimiro. A imprensa, prosseguiu, deve assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo.
O bastonário pediu ainda a condenação dos autores do caso das "dívidas ocultas" e a "devolução ao povo moçambicano" dos bens desviados. Os advogados, afirmou Duarte Casimiro, também pretendem "contribuir para a credibilização do sistema de administração da justiça e para o desenvolvimento da cultura jurídica".
Conosaba/dn.pt/
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