ENTREVISTA agosto_2021] O antigo diretor-geral da cultura, João Cornélio Correia, defendeu que é urgente realizar um inventário do património cultural da Guiné-Bissau, tanto material como imaterial, para salvaguardá-lo. A questão da preservação do património cultural guineense tem suscitado debates de há alguns anos para cá, nas conferências juvenis e no quotidiano dos intervenientes em matéria cultural.
Essa ferramenta, tida como um instrumento importante para o desenvolvimento de um país, tem sido votada ao esquecimento por sucessivos governos, não obstante desempenhar um papel significativo na preservação da memória coletiva e na formação crítica da população, sobretudo para a geração vindoura.
O Estado deveria assegurar as condições necessárias para que os cidadãos possam ter acesso aos bens culturais.
Muito críticos, os agentes culturais, têm defendido que, dada à dimensão da cultura e ao papel que joga na construção da democracia e na formação de opiniões, deveria receber mais dinheiro do que a verba que é disponibilizada anualmente ao setor da cultura no Orçamento Geral do Estado (OGE).
Sobre o assunto, João Cornélio Correia frisou, na entrevista ao jornal O Democrata, que se o património cultural do país fosse registado ou protegido pelo Estado, as casas de Bissau Velho não teriam sido modificadas e São José de Amura poderia ter sido candidato a património da humanidade.
“Infelizmente, tudo isso não aconteceu e não está a acontecer nada por falta de interesse do Estado em proteger o património cultural nacional”, salientou.
O também antigo responsável do Património Cultural guineense sublinhou que, para mudar todo esse paradigma, é preciso criar uma lei nacional de proteção do património cultural e garantir que o país possa participar recorrentemente nos encontros do género.
“Por causa desta lei que não existe, o Instituto da Biodiversidade da Áreas Protegidas (IBAP) não conseguiu candidatar-se, com o arquipélago dos Bijagós, como património misto cultural e natural”, referiu e afirmou que se todos esses patrimónios do país fossem classificados pelo governo, mediante um inventário, ninguém poderia modificar as casas de Bissau Velho a seu belo prazer e o IBAP candidatar-se-ia sem entraves.
“Talvez por dentro, mas fora não e estamos a assistir também a modificações pontuais no São José de Amura mas essas arquiteturas marcaram as suas épocas e devem ser protegidas”, explicou.
Perante estes fatos, Cornélio Correia revelou que foram elaboradas e submetidas aos sucessivos governos várias propostas, mas o Ministério das Finanças nunca se dignou desbloquear dinheiro para o setor da cultura, porque “não significa nada e é tida por muitos apenas como um lugar de festas, esquecendo que ela é a identidade de um povo, que marca as diferenças entre povos fato que vai desde a sua língua, bilhete de identidade…”
CORNÉLIO ALERTA QUE O CARNAVAL DA GUINÉ-BISSAU PODERÁ ESTAR AMEAÇADO
Preocupado com a interferência do Senegal em alguns traços culturais da Guiné-Bissau, sobretudo no norte do país, o antigo diretor-geral da cultura, alertou que se não forem tomados os cuidados necessários, a maior festa cultural da história da Guiné-Bissau, o carnaval, poderá estar ameaçado e registado como um evento cultural do Senegal.
Revelou neste particular que se não fosse a crise sanitária provocada pela pandemia do novo Coronavírus, Covid-19, o Senegal teria realizado um carnaval em Dakar, tendo sublinhado que é um país que investe muito no setor cultural, o que, na sua observação, poderia ter “afetado negativamente” o carnaval guineense que “por si só já perdeu a sua originalidade”.
“Em 2015 convidamos o ministro da Cultura do Senegal e o diretor-geral da cultura e turismo da União Económica Monetária Oeste Africana (UEMOA) e viram o carnaval aqui e aquilo impressionou-os bastante”.
Segundo João Cornélio Correia, o ministro da cultura do Senegal teria decido que organizaria o carnaval no seu país e até enviou um convite a Guiné-Bissau para tomar parte.
“É bom lembrar que o Senegal tem mais condições que a Guiné-Bissau e investe seriamente na cultura mais do que a Guiné-Bissau e se organizar o carnaval, o nosso que já perdeu a sua originalidade, poderá estar em risco”, salientou.
Afirmou que em consequência de o país não registar o seu património cultural, a Guiné-Bissau já começou a perder alguns dos seus bens, porque nas cerimónias de toka tchur, as pessoas usam mais músicas moderna gravada e cantada em linguas nacionais do que o tradicional Bombolom, um instrumento usado para o efeito.
Cornélio Correia referiu ainda que em detrimento dos países da sub-região, a Guiné-Bissau está também a perder os seus bens, no caso a origem de Corá pelo Mali, o panu di pinti que hoje em está em discussão com o Senegal e Cabo Verde, em parte, porque “o país não se dignou registar o seu património cultural”.
Perante a situação, João Cornélio Correia lamentou que Guiné-Bissau não tenha um único museu nacional para depositar todos esses materiais com valores espirituais, nem uma biblioteca para a memória do povo guineense e da geração vindoura.
“É preciso trabalhar para registar os produtos culturais da Guiné-Bissau. O Senegal já começou a discutir para registar o “fole” como um dos seus frutos silvestres, não estamos a proteger nada que nos pertence” sublinhou e defendeu que o governo deve encarar a cultura como um setor que pode impulsionar o desenvolvimento não só cultural, mas também social e económico do país.
Por: Djamila da Silva
Foto: D.S
Conosaba/odemocratagb
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