Chegou a mim um vídeo sobre uma peça noticiosa portuguesa, que não permite perceber todo o contexto (talvez intencionalmente cortado pela anti-propaganda), em que o Presidente da República da Guiné-Bissau começa por afirmar o seguinte: “fundou a nacionalidade guineense com os seus pares” (julgo que se referia a Amílcar Cabral) e nós na Guiné e eu em particular digo que Cabral era um líder político, Nino Vieira era um líder militar… Vim testemunhar essa… e render homenagem também ao camarada Amílcar Lopes Cabral.”
A seguir temos a locução duma jornalista sobre o que mais disse o Presidente da República, em vez de deixar continuar o discurso direto do Presidente da República, talvez para retirar a relevância do que foi dito e a seguir introduzir o Presidente da República a dizer o seguinte: “Cabral é caboverdeano, se não valorizar isso, eu não tenho que pronunciar de que valorizaram ou não, mas os caboverdeanos sabem que Cabral é caboverdeano, de pais caboverdeanos. Se os caboverdeanos não valorizarem, nós valorizamos Amílcar Cabral, como valorizamos Nino, Pansau Na Isna, Úmaro Djaló. Portanto, aqui, são os caboverdeanos a saberem se valorizam um digno filho de Cabo-Verde ou não.”
Pela resposta, deduzo que foi perguntado ao Presidente da República se não acha que Cabral é hoje pouco ou não valorizado em Cabo-Verde.
Portanto, contextualizado nessa pergunta, a resposta do Presidente da República faz todo sentido, uma vez que, dito de forma resumida, no solo caboverdeano quem tem de valorizar Amilcar Cabral são os caboverdeanos, mas nós na Guiné-Bissau valorizamos Cabral no âmbito político, como valorizamos Nino Vieira, Pansau Na Isna e Úmaro Djaló no âmbito militar.
A resposta do Presidente da República devia fazer sentido para quem conhece profundamente a vida de Cabral, desde a relação dos seus progenitores caboverdeanos em Bafatá, até ao seu nascimento, a sua juventude em Cabo-Verde, os estudos em Portugal e o seu regresso a Guiné-Bissau, passando antes por Cabo-Verde, para visitar a mãe.
Dizia eu, que quem conhece a história de Cabral, como a sua filha Dra. Iva Cabral devia conhecer, não só por ser sua filha, apesar de aparentemente Cabral ter sido um pai muito ausente e entende-se porquê, mas essencialmente pela sua área de formação e ter um tanto ou quanto usufruída socialmente da dimensão histórica do seu pai, principalmente em Cabo-Verde.
Ao cair na tentação de fazer demagogia política, através de uma interpretação errónea das palavras do Presidente da República da Guiné-Bissau sobre a nacionalidade/naturalidade daquele que empenhou a sua juventude e a sua própria vida para a libertação dos dois povos, a Dra. Iva Cabral colocou-se no nível daqueles que não atingem a dimensão de Amilcar Lopes Cabral e se refugiam nessas questiúnculas para ter ganhos políticos pontuais. Apesar de afirmar no seu texto “sentir uma certa “canceira” (em vez de canseira) de estar a ouvir essas opiniões há décadas, opiniões essas que vêm ao de cima sempre que há crises…”, foi a própria a ir buscar essa questão, onde ela não existe, na lógica de uma crise política fabricada pela ala política que ela defende, usando o vale-tudo para atacar o Presidente da República da Guiné-Bissau!
lógica do vale-tudo, vale até pegar na dimensão do fundador da nacionalidade guineense e caboverdeana e atirá-la contra o Presidente da República e demonstrar que foi ele quem desrespeitou a memória do pai da nação!
Sinto pena, ver a dimensão de um líder histórico com a dimensão de Cabral a ser banalizado pela própria filha primogénita, com recurso a questiúnculas. Quem conhece bem Amilcar Lopes Cabral, mesmo que seja através da leitura e testemunhas, sabe que ele nunca teve essas crises identitárias, talvez um problema que perturba a sua filha primogênita, que algures afirmava-se portuguesa (talvez pela herança que a mãe a deixou!) e neste último texto assumir sentir-se guineense e caboverdeana, pela herança que o seu pai a deixou!
Apesar de não ter sido essa a leitura daqueles que montaram a cabala para o assassinarem, Cabral sabia perfeitamente dos laços históricos e de fraternidade, embora sob a égide colonial, que unia os guineenses e os caboverdeanos e a importância estratégica de os unir para uma luta conjunta.
Cabral sabia o quanto a sua ascendência caboverdeana, a sua naturalidade guineense, a sua juventude no território caboverdeano e os seus estudos em Portugal, contribuía para o seu sucesso político e mobilizou todos esses recursos para fazer uma invejável luta de libertação dos dois territórios que eram autênticas “mantas de retalho”, em termos étnicos e social (esta pela intensa divisão imposta pelo colonialismo entre os civilizados e os djintius).
Tentar trazer este não assunto sobre a origem e pertença de Cabral para a agenda política, ainda mais da forma demagógica com que foi feita, é tentar banalizar a imagem daquele, cuja a dimensão é transversal aos dois territórios e dois povos e não devia nunca ser usado para ganhos políticos imediatos. Aliás, contrariamente ao que tenho assistido, lanço aqui um apelo à Dra.
Iva Cabral e demais familiares diretos do incontestável pai da nacionalidade guineense e caboverdeana, para evitarem aquilo que tenho visto a fazerem ultimamente, de forma reiterada, que é fazer o uso da autoridade do grau de parentesco com o pai da nação, para legitimar as suas posições públicas e até políticas. Se querem fazer política, dispam-se da legitimação de parentesco com Amilcar Cabral e façam o uso do vosso direito de fazer política de forma autónoma, sem usar os laços genéticos com o nosso líder imortal, para que líderes políticos obtenham ganhos.
Ao caírem nesse exercício puramente demagógico, estarão também a colocar-se ao lado daqueles que fazem justamente o contrário, questionando a origem guineense de Amílcar Cabral, para assim poderem hostilizar os descendentes de caboverdeanos no território guineense.
Conforme disse o meu amigo Flaviano Mindela dos Santos, Guiné-Bissau e Cabo-Verde devem começar é a unir esforços para a preparação do Centenário de Amílcar Cabral e a Dra. Iva Cabral devia distanciar-se das questiúnculas políticas e enveredar esforços para que isso seja uma realidade e que respeite e transmita à juventude dos dois países, a verdadeira dimensão do nosso incontestável e imortal líder Amílcar Lopes Cabral.
Jorge Herbert
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