As
circunstâncias me convidam a navegar no tempo com intuito de situar algumas
problemáticas que têm assobrado à Guiné-Bissau. Navegando nos mares de letras
do Peter Karibe Mendy, percebe-se que não houve um processo transitório que
visa alterar e romper com a estrutura administrativa colonial. A preocupação da
elite pós-independência residia em construir o tempo perdido no mato. A mesma
problemática não se distanciou dos atuais líderes, isto é, a organização dos
interesses privados que visa a ostentação e apropriação dos bens públicos.
Na
configuração das relações políticas internacionais e a luta pela hegemonia
mundial que envolve a disputa entre os dois blocos (União Soviética vs Estados
Unidos: Socialismo vs Capitalismo), a Guiné-Bissau mergulhou na corrente capitalista
nos finais de anos 80 e princípios de 90 por vias de financiamento cuja a
entrada exigia a abertura democrática e o liberalismo econômico. Devido à
ausência de um projeto nacional de desenvolvimento e a falta da preparação para
que efetivamente o regime democrático seja adequado com a realidade endógena
guineense e percebido tanto pela classe política, assim como, a população em
geral, o país se mergulhou numa profunda crise econômica, política, social e
cultural.
Nisso,
os anos subsequentes provaram a incapacidade governativa do sistema imposto, o
império da “voz suprema”, a cultura
de matchundadi e o legado de regime
do partido único resultaram nos assassinatos, espancamentos e prisões
arbitrárias. Deste modo, o Estado viu-se na necessidade de criar aquilo que
Achille Mbembe chama de Necropolítica (determinar quem deve morrer e quem deve
permanecer vivo), o mesmo se verifica nos dias atuais.
Talvez
esse pequeno apanhado histórico nos permite localizar e compreender as heranças
que atualmente nos causam desconforto.
Durante
o percurso da democracia guineense, o povo em diversas ocasiões depositou a
confiança no Partido Africano para Dependência da Guiné. Entretanto, mesmo com
desestruturação do país e a proliferação dos discursos que enunciam o falso
desenvolvimento, o povo ainda confiava o poder a este partido. Nesta situação, o
povo guineense apenas viveu e ainda vive no discurso da mudança que carrega o
tom do desenvolvimento que visa o melhoramento da condição de vida de milhares
da família. Não obstante, estas promessas de mudanças nunca se concretizaram.
Em
um dado momento, o povo guineense viu o Partido da Reviravolta Social como a
nova esperança e com discurso de transformação. Percebe-se que a transformação a
que se refere preza pelo enriquecimento de nova classe política. Durante a
governação da nova estrutura política, também permanecia a realidade do
sofrimento e a sobrevivência fica na mom
di Deus, suma ki ta faladu na Guiné-Bissau. Afinal quem se responsabiliza pelo problema do povo?
Após
o fracasso do Partido da Reviravolta Social a esperança emergiu novamente no
Partido Africano para Dependência da Guiné. As promessas apareceram novamente: hora tchiga, anos i guineense anos i n’son. O
mais caricato é o seguinte discurso: anos
ku dana es terra, anos tambi ku na kumpul, anos i unicu ku pudi kumpu é terra.
As falsas promessas construíram a esperança do curto prazo.
Pelo
agudizar da situação surge o Movimento de Alteração do Sistema Democrático
aliás Movimento de Alternância Democrática que emergiu a partir do impasse
interno no Partido Africano para Dependência da Guiné. Assim sendo, resta-nos
perguntar: que alternância se refere? E quais mudanças vivas ocorridas em
Guiné-Bissau durante a criação de tal movimento? Os militantes e simpatizantes
desta formação política apontam a responsabilidade do atraso ao Partido
Africano para Dependência da Guiné, como se no passado os mesmos são troncos de
arvores diferentes. Porém, justifica-se qualquer saída.
Num
país onde a política é signo do enriquecimento pessoal, onde a política é
predominada por pessoas iletradas – o letramento que se refere não é apenas
saber ler e escrever, mas como prática social no
qual os sujeitos apropriam-se da escrita, criticamente, com a finalidade de
interagirem e agirem nos diversos contextos -, num país onde a educação na
prática não é direito do povo, mas se exalta o nível acadêmico de figura
política, as escolas permanecem sem estruturas e condições de funcionamento,
portanto, continuaremos a ter comerciantes, empresários, cuidadores de manadas
como aventureiros políticos e o destino do país continuará incerto.
Nas
circunstancias do desespero qualquer ajuda significa a salvação, por tantas
falsas promessas de melhoria da condição de vida, o povo guineense viu o candidato
suportado pelo o Movimento de Alteração do Sistema Democrático, como salvador
da pátria. A grande certeza é que se o Partido Africano para Dependência da
Guiné ou Partido da Reviravolta Social tivessem feito algo durante os períodos
que governaram o país, certamente não haveria hipótese alguma para atual
presidente ocupar o palácio da república.
Ora,
é preciso atentar para os discursos populista do candidato suportado pelo Movimento
de Alteração do Sistema Democrático que destaca sempre “a concórdia nacional”, mas
que na realidade é inexistente. Neste prisma, importa-se enfatizar que “a
concórdia nacional” no sentido verdadeiro e lato sensu significa a unidade na diferença entre os diferentes
segmentos da sociedade.
O
discurso ilusório de atual presidente da Guiné-Bissau a respeito do combate a
corrupção despertou atenção de inúmeros eleitores, a fantasia de cheque de
milhão encantou a multidão e a ideia populista sobre fim da república banana.
Porém, o tempo nos convida a equacionar o discurso e a prática. Nisso, amparando
na realidade atual do país e relacionando com o discurso populista sobre a
unidade nacional, leva-nos aos seguintes questionamentos: em que tipo de concórdia
nacional o adversário político deve ser espancado? Quais procedimentos legais
anunciados para o combate a corrupção? Em que banco foi guardo a cheque de um
milhão? A Guiné-Bissau deixou de ser república banana? Viajar na companhia área
dos países vizinhos significa soberania?
Quando
o país é dirigido por pessoas cujo desejo assenta, essencialmente, no
enriquecimento abandona-se o império da lei e impõe-se os decretos do aumento
salarial, ou seja, os subsídios para os órgãos da soberania e todas as regalias
possíveis. Pelas enormes dificuldades que o povo enfrenta diariamente em que
pressuposto plausível enquadra o “Fundo
da Soberania” ratificado pelo atual governo?
Através
de uma análise consciente guiado pela racionalidade, asseguro, por um lado, que
os militantes e simpatizantes do Partido Africano para Dependência da Guiné não
apresentam condições morais, isto é, carecem de moral e legado positivo para
elucidar críticas ao povo guineense pela escolha do atual presidente, as
oportunidades desperdiçadas por este partido justificam essa linha de
raciocínio.
É
relevante frisar que não podemos cruzar no caminho dos erros do passado para
legitimar os fracassos do presente, mas, infelizmente, o impasse político, a desgovernaão
e autoritarismo exacerbado é fruto da herança colonial e de como o país tem
sido governado desde a independência até os dias atuais. Se fizermos uma
retrospectiva histórica da Guiné-Bissau enquanto Estado independente,
compreenderemos da melhor maneira os atuais problemas políticos, militares,
sociais e econômicos.
Pelo
histórico mundial, todos os chamados matchus
que mostraram matchundadi terminaram
de forma terrível e indesejável, assim sendo, o império da supremacia que se
estalou não se tardará por desmoronar.
As
vozes dos islâmicas e cristões já rogaram o senhor pela paz e estabilidade no
nosso país, entretanto, não se verificou absolutamente nada, assim sendo,
afirmo com todas as letras possíveis que i
pircis fasi cirmonias pa limpa sangui di djinitis ku darma na momentu di luta i
pusivel contratus ku fasidu pa serka tuga na no tchom.
Em
suma, por enquanto vive-se um sono coletivo em Guiné-Bissau!
Nkanande
Ka, Mestrando em História Social na Universidade Federal do Ceará – Brasil.
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